Na
virada de setembro para
outubro de 2010,
presenciamos o
enfraquecimento do dólar
perante as moedas do mundo.
Surrealista, o fato foi
provocado pelas próprias
autoridades monetárias dos
EUA. Isto porque, diante das
dificuldades do governo
Obama para reativar a lenta
economia através da política
fiscal (aumento das despesas
públicas) em período de
renovação do Congresso, o
FED (Federal Reserve, o
banco central norteamericano)
anuncia que irá recomprar títulos
públicos (política monetária).
O
efeito prático foi a queda
da moeda, conforme estava
nos planos das autoridades,
para aumentar a
competitividade das exportações
americanas e diminuir o
desemprego.
Evidente
que os demais países
reagiram. A China, como de
costume, mantém a
inflexibilidade do iuan
perante o dólar, o Japão
zera seus juros (taxa
negativa) e anuncia que
venderá ienes para
desvalorizá-lo também. À
União Europeia, diante dos
seus problemas internos, só
resta manter juros baixos e
vender euros.
Tudo
isso significa que os países
desenvolvidos estão
emitindo a rodo suas moedas
para mantê-las equiparadas
ao dólar. Isso é uma
heresia ante aos ouvidos dos
operadores de mercado, já tão
atarantados diante das práticas
que os governos vêm
adotando desde 2008.
Infelizmente, eles terão um
novo choque de realidade: o
que os governos estão
fazendo é criar inflação,
isso mesmo, inflação para
desvalorizar suas moedas e
tentar reativar suas
economias e afastar o
verdadeiro perigo, a depressão
e o alto desemprego!
Tais
manobras, em essência,
representam mais um capítulo
da crise de 2008. No
momento, assistimos uma
batalha cambial mundial e o
surgimento de uma nova bolha
especulativa de ativos líquidos
e commodities, sobretudo o
ouro.
No
artigo
“O
BNDES-Tesouro definitivo e a
alienação geral”
(PDF)
, incluído na Série
BNDES, conjecturamos que a
solução para a pior crise
dos últimos 80 anos só se
encaminhará politicamente.
Os mercados e o pensamento
ortodoxo não conseguirão
saídas, e o receituário clássico
de restringir gastos públicos
e aumento de impostos só
agravará a crise com recessão,
deflação e conflitos
sociais. Lá sugerimos como
saída a cooperação
internacional e até a criação
de uma nova instituição, a
“Cooperativa (de Crédito)
para o Desenvolvimento do
Comércio Internacional (CDCI)”,
baseada nas sugestões de
Keynes
em Bretton Woods-1944.
Entretanto, mostrávamos nosso receio
de que soluções costumam
aparecer apenas após o
caos.
Então,
diante da ameaça de uma
guerra comercial, vemos que
todo o mundo desenvolvido
coloca seus juros no chão e
vende suas moedas (políticas
monetária e cambial ativas)
para manter sua
competitividade perante um
comércio internacional
restrito. A China segue com
sua moeda “colada” no dólar
e anuncia que comprará bônus
gregos, para contar com a
boa vontade dos europeus em
continuar adquirindo seus
produtos a preço de liquidação.
Esse caminho é a reedição
da política de exportação
para os EUA e a concomitante
compra de títulos do
tesouro americano.
A
propósito, cuidado! Estão
“loucos” para participar
acionariamente e financiar o
nosso pré-sal com a venda
de bens de capital, navios,
infraestrutura chinesa, ou
seja: empregos chineses, além
de tentar garantir cotas de
petróleo!
A
Índia também mantém sua
moeda depreciada e segue
crescendo forte e exportando
para o mundo. Na América
Latina, o Chile, nosso
vizinho, apesar da utilização
de todo o receituário
neoliberal, não privatizou
seu cobre (carro-chefe de
suas exportações) e mantém
controle cambial. Quanto à
Argentina, também mantém
seu câmbio desvalorizado,
preservando suas exportações.
Tudo
muito surrealista, mas e o
Brasil nessa? Entre os “BRIC’s”,
é o mais vulnerável, já
que China e Índia se
protegem no câmbio e no
controle de capitais, além
de manterem os juros
adequados para financiarem
suas economias internas,
preservando o crescimento
sustentável conforme seus
planos estratégicos de
desenvolvimento, que mantêm
há cinquenta anos. Os dois
países, ao permanecerem
investindo altos percentuais
do PIB, são financiados a
posteriori pela poupança
gerada no próprio processo
de crescimento.
“Economistas de mercado”
em um processo “autista”
fingem desconhecer (mas o
fazem com tanta
autenticidade que acabam se
convencendo verdadeiramente)
a máxima Keynesiana/Kaleckiana,
de 76 anos, que
investimentos geram sua própria
poupança ex-post.
Nosso
país, ao insistir nos juros
mais altos do mundo, no câmbio
flexível e na total
liberdade de entrada e saída
de capitais de curto prazo,
se transforma num porto
seguro para a alegria das
apostas especulativas de
curto prazo. Apesar do
aumento do IOF, ainda assim,
é um maná de rentabilidade
sem risco, se comparada, por
exemplo, às taxas de juros
reais negativas japonesas
(operação de carry
trade vide
“BNDES
ILLIMITED?”).
Nós,
desenvolvimentistas do
BNDES, ficamos alarmados
diante dos riscos que nossas
autoridades monetárias
independentes incorrem ao
manterem o nível da Selic
diante dessa conjuntura.
Para elas, só interessam o
nível da inflação e,
consequentemente, o
bem-estar dos rentistas, ou
melhor, repetindo o colega
Claudio Abreu, da AFBNDESPAR:
“Para o bem de uns poucos
e a infelicidade geral da nação”.
Não faz dois anos elas
levaram um susto com a súbita
fuga desses capitais
corredores e saíram
“queimando” reservas
para “acalmarem” o câmbio.
Por
outro lado, ficamos
abismados com o diagnóstico
e soluções que alguns de
nossos economistas de
mercado alardeiam pela mídia.
Eles diagnosticam que o nível
de investimento do país, em
relação ao PIB, é baixo
porque não temos poupança
e porque o governo e os
brasileiros gastam demais!
Assim, eles recomendam um
forte ajuste fiscal
imediato, diante dos gastos
em infraestrutura que serão
necessários para o pré-sal,
a Copa de 2014, as Olimpíadas,
no médio prazo, e para a
reforma da Previdência
(sempre ela, a propósito
ver sobre o tema em “O
BNDES-TESOURO definitivo e a
alienação geral”) no
futuro.
Para
tais economistas, se não
houver o corte “profilático”
agora (exatamente na
conjuntura em que o mundo se
aterroriza com a recessão
e o desemprego), o país terá
que se financiar com a tal
da poupança externa, o que,
caso feito imediatamente,
permitiria uma redução de
juros em direção aos padrões
internacionais, contento,
assim, a valorização do
real. Em resumo,
enquanto os grandes países,
para manterem suas moedas
competitivas, recorrem à
emissão e à inflação,
eles advogam para nosso país
um corte de viés recessivo
e aumento do desemprego, que
nunca é explicitado.
Acham
que isto provocará uma rápida
convergência dos juros para
os níveis internacionais e
uma valorização do real.
Desculpem, mas achamos que
eles não entenderam (ou
politicamente é conveniente
não entender) nada do
sucesso da China e da Índia.
Não querem entender que
apesar do sucesso brasileiro
para escapar da crise por
medidas fiscais e monetárias
do governo, principalmente o
arranjo
institucional-BNDES-Tesouro,
a única variável “fora
da curva” é a da “Selic
maravilha”, mantida pela
independência das
autoridades monetárias.
Não!
Não nos enganem! Não
estamos incorrendo em déficit
nas transações correntes
porque o povo e o governo
estão gastando demais! Se
os gastos fossem fator
preponderante e,
efetivamente, estivessem
altos, o câmbio estaria
desvalorizando e o déficit
cessaria. Mas é exatamente
o contrário! O fator primário
da apreciação do câmbio
é a entrada maciça de
capitais especulativos à
procura da Selic, que
proporciona ganhos tanto
pela taxa de juros quanto
pela apreciação do real,
num círculo virtuoso
que se retroalimenta até o
estouro de outra bolha,
reeditando tudo o que
aconteceu em fins de
2008. A
apreciação do real
proporciona, ainda, a
“farra” do consumo supérfluo
de produtos importados, das
viagens internacionais, da
“desindustrialização”
e da explosão do déficit
de transações correntes.
Não,
não é verdade que falta
poupança no Brasil! Afinal,
o que é a maior parte do R$
1,6 trilhão estocado na Dívida
Pública senão os lucros
retidos e o capital de giro
das empresas produtivas e
financeiras confortavelmente
aplicados à maior taxa de
juros do mundo, com liquidez
imediata? E essa poupança
financeira estagnada e
disponível não é a única
fonte para os investimentos.
Como sabemos, as empresas,
numa economia dinâmica (e não
rentista), não investem
somente seus capitais próprios.
Na verdade, alavancam
recursos de terceiros através
do crédito quando os juros
são compatíveis com a
atividade produtiva.
O
caminho mais fácil a seguir
é o que está dando certo
nos países do
“BRIC’s” (tirando o
Brasil): controle cambial e
financiamento de seus
investimentos com moeda
nacional, mantendo suas
moedas depreciadas, gerando
poupança ex-post em
sintonia com os planos
estratégicos plurianuais.
No aguardo que o próximo governo dê seguimento ao que vem dando certo e
corrija a aberração
comentada, aspiramos por um
Plano de Desenvolvimento
Nacional sustentável que
elimine o passivo social que
tanto nos envergonha!
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