31 de julho de 2008

CICLO BNDES – 1

O BNDES sempre!

fernando garcia

Hélio Pires da Silveira (*)

Depois dos anos 90, em termos dos países em desenvolvimento, podemos resumir a história em dois grupos: aqueles que aceitaram e aqueles que rasgaram a cartilha do “Consenso de Washington”. Enquanto estes últimos crescem a altas taxas, como os asiáticos, em especial China e Índia, bem como alguns países sul-americanos, nós, assim como a Turquia, por exemplo, que fomos considerados “bons alunos”, com o “dever-de-casa” em dia, amargamos taxas de crescimento abaixo do potencial.

O final da primeira década do século XXI, entretanto, não tem sido feliz para os paradigmas liberais, o “mercado” e todos os seus mecanismos de auto-regulação, como o acordo de Basiléia, as agências de “rating” e as seguradoras de crédito fracassaram diante da crise do subprime.

No último dia 26 de julho, em pleno sábado, o Congresso americano aprovou um projeto de lei de US$ 300 bilhões para ajuda aos mutuários, em dificuldade, do sistema imobiliário privado americano, bem como ajuda financeira direta na Fannie Mae e Freddie Mac. O projeto prevê ainda a elevação do teto do déficit orçamentário em US$ 800 bilhões para US$ 10,6 trilhões (Pasmem! Déficit de 76% do PIB).   

A Fannie, criada como estatal na depressão dos anos 30, e a Freddie, fundada nos anos 70 com subsídios oficiais para massificar o financiamento imobiliário aos americanos, foram privatizadas na onda de desregulamentação dos anos 80, mas nunca deixaram de receber subsídios federais: juntas respondem por 40% dos créditos imobiliários do sistema. A função das duas era “securitizar”, ou seja, receber os créditos hipotecários do sistema privado para liberá-los para novos giros.

Vemos, hoje, na atuação conjunta do Fed e do Tesouro Americano, a confirmação do que o economista Hyman Minsky, seguidor de Abba Lerner, e especialista nas recorrentes “bolhas especulativas”, dizia: no limite, é a intervenção do “Grande Governo” e do “Grande Banco” como seguradores de última instância que socorre o “mercado” e seus excessos, mas, infelizmente, pela necessidade de emissão para segurar o sistema, gera o combustível para a próxima “bolha”. Agora mesmo, especulamos se as emissões dos Grandes Bancos Centrais Mundiais, desde fins de 2007, para amenizar a crise sistêmica, já não estariam alimentando o componente especulativo da presente “bolha das commodities”.

As autoridades norte-americanas estão se utilizando de todos os instrumentais heterodoxos, verdadeira heresia para os liberais, culminando, até, com a remessa de cheques pelo correio para manter o consumo cor-rente e evitar a recessão. Salientamos o que não fariam se não tivessem instituições estatais de crédito, como bancos comerciais e em especial um BNDES – como financiador de fomento no médio e longo prazos.

Nessa hipótese, investimentos em recuperação do patrimônio público, em especial no seu serviço de medicina social, não seriam extremamente facilitados por uma instituição oficial de fomento? Não seria mais eficaz do que tentar manter o consumo diante de uma conjuntura de risco de demissões? Diante da necessidade de atuação emergencial, há alguma dúvida que uma instituição dessa natureza teria restrições de “funding”? Não seriam financiadas pela dupla Fed/Tesouro?

Uma outra especulação política: o Japão governado por liberais, há 18 anos com baixo crescimento econômico, até hoje está com seu sistema financeiro comercial privado em crise de confiança, por conta de créditos "podres", frutos da crise especulativa mobiliária dos fins dos anos 80. Será que se as autoridades financeiras japonesas não interviessem, como fazem as norte-americanas, a crise já não teria sido debelada há muitos anos?

Em resumo, o mundo econômico aprendeu, desde os anos 1930, que só a intervenção conjunta do “Grande Governo” e do “Grande Banco”, em outras palavras, da dupla Banco Central/Tesouro, segura e corrige os excessos das crises financeiras recorrentes, bem como mantém a economia no rumo do pleno emprego.

E como se situa o sistema financeiro privado internacional atualmente? Diríamos que, conforme Minsky, encontra-se numa fase “hedge”, ou seja, posições casadas, avesso a risco e com baixa alavancagem operacional. As empresas transnacionais tentam a repatriação dos resultados dos seus investimentos, espalhados pelo mundo, na forma lucros&dividendos para fecharem seus caixas.

Quanto ao Brasil, infelizmente, receamos que se encontre numa fase “autista”, inebriado pelos efeitos do tardio “investment grade”, ainda acreditando em soluções de “mercado” do tipo: “mantenha suas finanças saudáveis (superávits fiscais crescentes) e serás reconhecido e agraciado com investimentos de longo prazo”.

Receamos que erros de avaliação dessa natureza nos levem a conseqüências graves, a exemplo de outra fase “autista”, nos anos 70, às vésperas do 2º choque do petróleo e do choque dos juros do Fed, quando as autoridades econômicas de então mantinham a economia em crescimento financiado pela rolagem de sua dívida externa e por captação de todo tipo de financiamento e empréstimos externos, baseadas na tese de que, a despeito da “estagflação”  nos países centrais, vivíamos uma “ilha de prosperidade”.

Agora, em outro contexto, receamos que a atuação ndependente de nossas autoridades monetárias, mantendo a maior taxa de juros de curto prazo do mundo, para pretensamente debelar uma inflação de custos, quando os países centrais a reduzem para evitar recessão, aprecie nossa moeda, mais ainda a ponto de comprometer seriamente nossa balança de transações correntes.

É bom relembrar para os atuais dirigentes do Banco Central o conselho de nosso mais respeitado economista liberal – Mário Henrique Simonsen quando alertava: “A inflação aleija, mas balanço de pagamentos, mata!”

Enfim, receamos a ausência de uma visão estratégica que nos conduza a uma política consistente de desenvolvimento em médio prazo. Receamos a exposição do país aos riscos da situação internacional, em que uma fuga de recursos, sem a salvaguarda de um controle de capitais, poderá abortar nosso incipiente crescimento atual e nos jogar numa crise profunda. Ou seja, abrimos mão de nossa autonomia e autodeterminação para ficarmos ao sabor do fluxo e refluxo dos capitais ao portador.

E o nosso BNDES? Os anos liberais, da década de 1990, deixaram, inevitavelmente, marcas na instituição e divisões internas de enfoque estratégico, uns com visão de curto prazo, típica de investimentos de mercado, e outros com uma remanescente visão pública do desenvolvimento. Entretanto, nossa Casa, como característica, sempre esteve aberta ao debate e assim deve ser preservada.

Dentro do espírito do debate e no âmbito da comemoração dos 40 anos do Vínculo, estamos criando um espaço virtual para discutirmos as questões afeitas a programas de desenvolvimento, cujo endereço é  www.circulododesenvolvimento.org.

Assim, desde já colocamos nossas posições. Somos adeptos das “Finanças Funcionais” e nos identificamos com o movimento internacional “Economistas pelo Pleno Emprego” (www.economistsbyfullemployment.org).

A teoria das “Finanças Funcionais”, atualmente liderada por Randall Wray, do Levy Institute-EUA (www.levy.org), aluno de Minsky, provém do princípio da “Demanda Efetiva” iniciada por Keynes/Kalecki, mas consolidada por Abba Lerner. Ela advoga, como Keynes/Kalecki, que os gastos em investimento público e/ou privado e o gasto do governo são as variáveis chaves que comandam a Demanda e, conseqüentemente, a Renda. Assim, Gasto Público gera Imposto e o Investimento gera a Poupança que o financia. Então, o desenvolvimento de um país passa a depender, apenas, de sua autodeterminação política e da existência de recursos reais: mão-de-obra, recursos naturais e tecnologia nacional, e não de poupança financeira prévia.

Dentro dessa ótica é que a teoria advoga que o “Grande Governo” e o “Grande Banco”, representados pela atuação conjunta do Tesouro/Banco Central, além de um objetivo controle de capitais, levam a Economia ao Pleno Emprego!

Wray avança e revoluciona adicionando à teoria das “Finanças Funcionais” o conceito do Empregador de Última Instância-EUI, que cria um programa de emprego governamental que dá trabalho a quem estiver disposto, por um salário nominal de referência. Ele advoga que isso forma uma âncora eficaz para a estabilidade dos preços e da renda funcionando como um forte instrumento anticíclico. Wray considera antiético manter pessoas desempregadas dentro do conceito liberal da “Taxa Natural de Desemprego”!

Wray junto com outros economistas pelo Pleno Emprego estiveram no seminário Cidade Cidadã, aqui no BNDES, em maio (Vínculo nº 854, de 21/05/08), organizado pelo Prof. José Carlos de Assis, que contou, também, com a participação da AFBNDES.

Em síntese, o projeto Cidade Cidadã pretende, junto com o Ministério do Trabalho, criar um programa de emprego nas grandes regiões metropolitanas do país para a reconstrução das áreas periféricas.

E qual seria o papel do BNDES no futuro próximo? Para quem continua “autista” e ainda não entendeu o que está acontecendo na Economia Mundial em que só a atuação conjunta do “Grande Governo” e do “Grande Banco”, ou o trabalho da dupla Tesouro/Banco Central, além da volta da regulamentação oficial, dará chances de debelar a maior cri-se do capitalismo desde os anos 1970 , diríamos que só a atuação do BNDES como o “Grande Banco” já que, no Brasil, o Banco Central, preso à cartilha liberal, que todos os grandes BCs Mundiais rasgaram, nessa recente crise, continua com sua postura  independente , em conjunto com o Tesouro, pode promover o desenvolvimento e levar a Economia ao pleno emprego.

Assim, a atuação conjunta do Tesouro/BNDES, transformaria o PAC num PAD. A título de uma pequena sugestão, o BNDES, em convênio com o Tesouro, livre de restrições orçamentárias, poderia transformar e elevar o grau do PMAT para um programa universalizado de apoio ao saneamento, modernização do patrimônio público urbano e apoio ao desenvolvimento municipal, tudo isso com muito emprego!

Em resumo, a exemplo do Tesouro/Fed, que atuam nos EUA, preferencialmente preocupados com o nível da atividade e o de desemprego, o Brasil deveria agir da mesma forma, com uma forte dupla – Tesouro/BNDES!

Enfim, o debate está lançado!!!

(*) Vice-presidente da AFBNDES.

Texto publicado na edição 864 do jornal VÍNCULO, em 31 de julho de 2008