Hélio
Pires da Silveira (*)
Depois
dos anos 90, em termos dos países em
desenvolvimento, podemos resumir a história em
dois grupos: aqueles que aceitaram e aqueles que
rasgaram a cartilha do “Consenso de
Washington”. Enquanto estes últimos crescem a
altas taxas, como os asiáticos,
em especial China
e Índia, bem como alguns países
sul-americanos, nós, assim como a Turquia, por
exemplo, que fomos considerados “bons
alunos”, com o “dever-de-casa” em dia,
amargamos taxas de crescimento abaixo do
potencial.
O
final da primeira década do século XXI,
entretanto, não tem sido feliz para os
paradigmas liberais, o “mercado” e todos os
seus mecanismos de auto-regulação, como o
acordo de Basiléia, as agências de
“rating” e as seguradoras de crédito
fracassaram diante da crise do subprime.
No
último dia 26 de julho, em pleno sábado, o
Congresso americano aprovou um projeto de lei de
US$ 300 bilhões para ajuda aos mutuários, em
dificuldade, do sistema imobiliário privado
americano, bem como ajuda financeira direta na
Fannie Mae e Freddie Mac. O projeto prevê ainda
a elevação do teto do déficit orçamentário
em US$ 800 bilhões para US$ 10,6 trilhões
(Pasmem! Déficit de 76% do PIB).
A
Fannie, criada como estatal na depressão dos
anos 30, e a Freddie, fundada nos anos 70 com
subsídios oficiais para massificar o
financiamento imobiliário aos americanos, foram
privatizadas na onda de desregulamentação dos
anos 80, mas nunca deixaram de receber
subsídios federais: juntas respondem por 40%
dos créditos imobiliários do sistema. A
função das duas era “securitizar”, ou
seja, receber os créditos hipotecários do
sistema privado para liberá-los para novos
giros.
Vemos,
hoje, na atuação conjunta do Fed e do Tesouro
Americano, a confirmação do que o economista
Hyman Minsky, seguidor de Abba Lerner, e
especialista nas recorrentes “bolhas
especulativas”, dizia: no limite, é a
intervenção do “Grande Governo” e do
“Grande Banco” como seguradores de última
instância que socorre o “mercado” e seus
excessos, mas, infelizmente, pela necessidade de
emissão para segurar o sistema, gera o
combustível para a próxima “bolha”. Agora
mesmo, especulamos se as emissões dos Grandes
Bancos Centrais Mundiais, desde fins de 2007,
para amenizar a crise sistêmica, já não
estariam alimentando o componente especulativo
da presente “bolha das commodities”.
As
autoridades norte-americanas estão se
utilizando de todos os instrumentais
heterodoxos, verdadeira heresia para os
liberais, culminando, até, com a remessa de
cheques pelo correio para manter o consumo
cor-rente e evitar a recessão. Salientamos o
que não fariam se não tivessem instituições
estatais de crédito, como bancos comerciais e
em especial um BNDES – como financiador de
fomento no médio e longo prazos.
Nessa
hipótese, investimentos em recuperação do
patrimônio público, em especial no seu
serviço de medicina social, não seriam
extremamente facilitados por uma instituição
oficial de fomento? Não seria mais eficaz do
que tentar manter o consumo diante de uma
conjuntura de risco de demissões? Diante da
necessidade de atuação emergencial, há alguma
dúvida que uma instituição dessa natureza
teria restrições de “funding”? Não seriam
financiadas pela dupla Fed/Tesouro?
Uma
outra especulação política: o Japão
governado por liberais, há 18 anos com baixo
crescimento econômico, até hoje está com seu
sistema financeiro comercial privado em crise de
confiança, por conta de créditos
"podres", frutos da crise especulativa
mobiliária dos fins dos anos 80. Será que se
as autoridades financeiras japonesas não
interviessem, como fazem as norte-americanas, a
crise já não teria sido debelada há muitos
anos?
Em
resumo, o mundo econômico aprendeu, desde os
anos 1930, que só a intervenção conjunta do
“Grande Governo” e do “Grande Banco”, em
outras palavras, da dupla Banco Central/Tesouro,
segura e corrige os excessos das crises
financeiras recorrentes, bem como mantém a
economia no rumo do pleno emprego.
E
como se situa o sistema financeiro privado
internacional atualmente? Diríamos que,
conforme Minsky, encontra-se numa fase
“hedge”, ou seja, posições casadas, avesso
a risco e com baixa alavancagem operacional. As
empresas transnacionais tentam a repatriação
dos resultados dos seus investimentos,
espalhados pelo mundo, na forma
lucros÷ndos para fecharem seus caixas.
Quanto
ao Brasil, infelizmente, receamos que se
encontre numa fase “autista”, inebriado
pelos efeitos do tardio “investment grade”,
ainda acreditando em soluções de “mercado”
do tipo: “mantenha suas finanças saudáveis
(superávits fiscais crescentes) e serás
reconhecido e agraciado com investimentos de
longo prazo”.
Receamos
que erros de avaliação dessa natureza nos
levem a conseqüências graves, a exemplo de
outra fase “autista”, nos anos 70, às
vésperas do 2º choque do petróleo e do choque
dos juros do Fed, quando as autoridades
econômicas de então mantinham a economia em
crescimento financiado pela rolagem de sua
dívida externa e por captação de todo tipo de
financiamento e empréstimos externos, baseadas
na tese de que, a despeito da
“estagflação”
nos países centrais, vivíamos uma
“ilha de prosperidade”.
Agora,
em outro contexto, receamos que a atuação
ndependente de nossas autoridades monetárias,
mantendo a maior taxa de juros de curto prazo do
mundo, para pretensamente debelar uma inflação
de custos, quando os países centrais a reduzem
para evitar recessão, aprecie nossa moeda, mais
ainda a ponto de comprometer seriamente nossa
balança de transações correntes.
É
bom relembrar para os atuais dirigentes do Banco
Central o conselho de nosso mais respeitado
economista liberal – Mário Henrique Simonsen
quando alertava: “A inflação aleija, mas
balanço de pagamentos, mata!”
Enfim,
receamos a ausência de uma visão estratégica
que nos conduza a uma política consistente de
desenvolvimento em médio prazo. Receamos a
exposição do país aos riscos da situação
internacional, em que uma fuga de recursos, sem
a salvaguarda de um controle de capitais,
poderá abortar nosso incipiente crescimento
atual e nos jogar numa crise profunda. Ou seja,
abrimos mão de nossa autonomia e
autodeterminação para ficarmos ao sabor do
fluxo e refluxo dos capitais ao portador.
E
o nosso BNDES? Os anos liberais, da década de
1990, deixaram, inevitavelmente, marcas na
instituição e divisões internas de enfoque
estratégico, uns com visão de curto prazo,
típica de investimentos de mercado, e outros
com uma remanescente visão pública do
desenvolvimento. Entretanto, nossa Casa, como
característica, sempre esteve aberta ao debate
e assim deve ser preservada.
Dentro
do espírito do debate e no âmbito da
comemoração dos 40 anos do Vínculo, estamos criando um espaço virtual para discutirmos
as questões afeitas a programas de
desenvolvimento, cujo endereço é
www.circulododesenvolvimento.org.
Assim,
desde já colocamos nossas posições. Somos
adeptos das “Finanças Funcionais” e nos
identificamos com o movimento internacional
“Economistas pelo Pleno Emprego” (www.economistsbyfullemployment.org).
A
teoria das “Finanças Funcionais”,
atualmente liderada por Randall Wray, do Levy
Institute-EUA (www.levy.org), aluno de
Minsky, provém do princípio da “Demanda
Efetiva” iniciada por Keynes/Kalecki, mas
consolidada por Abba Lerner. Ela advoga, como
Keynes/Kalecki, que os gastos em investimento
público e/ou privado e o gasto do governo são
as variáveis chaves que comandam a Demanda e,
conseqüentemente, a Renda. Assim, Gasto
Público gera Imposto e o Investimento gera a
Poupança que o financia. Então, o
desenvolvimento de um país passa a depender,
apenas, de sua autodeterminação política e da
existência de recursos reais: mão-de-obra,
recursos naturais e tecnologia nacional, e não
de poupança financeira prévia.
Dentro
dessa ótica é que a teoria advoga que o
“Grande Governo” e o “Grande Banco”,
representados pela atuação conjunta do
Tesouro/Banco Central, além de um objetivo
controle de capitais, levam a Economia ao Pleno
Emprego!
Wray
avança e revoluciona adicionando à teoria das
“Finanças Funcionais” o conceito do
Empregador de Última Instância-EUI, que cria
um programa de emprego governamental que dá
trabalho a quem estiver disposto, por um
salário nominal de referência. Ele advoga que
isso forma uma âncora eficaz para a
estabilidade dos preços e da renda funcionando
como um forte instrumento anticíclico. Wray
considera antiético manter pessoas
desempregadas dentro do conceito liberal da
“Taxa Natural de Desemprego”!
Wray
junto com outros economistas pelo Pleno Emprego
estiveram no seminário Cidade Cidadã, aqui no
BNDES, em maio (Vínculo
nº 854, de 21/05/08), organizado pelo Prof.
José Carlos de Assis, que contou, também, com
a participação da AFBNDES.
Em
síntese, o projeto Cidade Cidadã pretende,
junto com o Ministério do Trabalho, criar um
programa de emprego nas grandes regiões
metropolitanas do país para a reconstrução
das áreas periféricas.
E
qual seria o papel do BNDES no futuro próximo?
Para quem continua “autista” e ainda não
entendeu o que está acontecendo na Economia
Mundial – em que só a atuação
conjunta do “Grande Governo” e do “Grande
Banco”, ou o trabalho da dupla Tesouro/Banco
Central, além da volta da regulamentação
oficial, dará chances de debelar a maior cri-se
do capitalismo desde os anos 1970 –,
diríamos que só a atuação do BNDES como o
“Grande Banco” – já que, no
Brasil, o Banco Central, preso à cartilha
liberal, que todos os grandes BCs Mundiais
rasgaram, nessa recente crise, continua com sua
postura independente –, em
conjunto com o Tesouro, pode promover o
desenvolvimento e levar a Economia ao pleno
emprego.
Assim,
a atuação conjunta do Tesouro/BNDES,
transformaria o PAC num PAD. A título de uma
pequena sugestão, o BNDES, em convênio com o
Tesouro, livre de restrições orçamentárias,
poderia transformar e elevar o grau do PMAT para
um programa universalizado de apoio ao
saneamento, modernização do patrimônio
público urbano e apoio ao desenvolvimento
municipal, tudo isso com muito emprego!
Em
resumo, a exemplo do Tesouro/Fed, que atuam nos
EUA, preferencialmente preocupados com o nível
da atividade e o de desemprego, o Brasil deveria
agir da mesma forma, com uma forte dupla –
Tesouro/BNDES!
Enfim,
o debate está lançado!!!
|