26 de agosto de 2009

O BNDES além da crise
(Os bastidores do seminário na visão do coordenador)

Hélio Pires (*)  

Agradecimento

Uma tarde benedense – Como nos velhos tempos  

Como coordenador do referido seminário do dia 4 de agosto, em comemoração aos 55 anos de nossa Associação, parabenizo os colegas que participaram de quase quatro horas de intensa atividade.

Apesar das posições divergentes, o evento fluiu num clima de absoluta harmonia, demonstrando o nível de conhecimento prévio dos assuntos tratados pela mesa e pela plateia e a correta atuação do moderador.

Achei um ótimo evento! Parabéns a todos nós. Foi, efetivamente, uma tarde benedense.

Meu arcabouço teórico

“Os conceitos revolucionários de Kalecki e a atualidade das Finanças Funcionais”

Aprecio a realidade da linha de Kalecki, contemporâneo a Keynes, ambos criadores do conceito da Demanda Efetiva. Kalecki, diferentemente de Keynes, parte de um sistema de concorrência imperfeita; define a distribuição funcional da renda entre o salário e o lucro; e é adepto do planejamento econômico para fomentar o desenvolvimento e alcançar o pleno emprego.

Acompanho, ainda, os conceitos da teoria das Finanças Funcionais do keynesiano Abba Lerner, sobre os quais tomei conhecimento através da obra de Randall Wray –“Trabalho e Moeda Hoje” –, traduzido pelo professor José Carlos Assis, e em conversas com Gustavo Galvão, economista do BNDES e doutor nessa matéria pela UFRJ.

Wray esteve aqui no BNDES, em maio de 2008 (VÍNCULO nº 854, de 21/05/2009). Ele foi aluno de Himan Minsky, falecido em 1996. Minsky, aluno de Lerner, e seguidor das teorias kaleckianas, é autor bastante citado na atual crise financeira por ter descrito o ciclo de expansão e crash dos ciclos financeiros e a atuação, no limite, das autoridades oficiais – “Grande Governo, Grande Banco” – para “segurar, em última instância, o sistema financeiro privado”.

Aliás, cobro de Gustavo Galvão – conselheiro da AFBNDES – que desenvolva para a Associação um curso rápido, latu sensu, com o objetivo de divulgar, de forma genérica, para os colegas do BNDES, economistas ou não, os inovadores conceitos de sua especialidade, com destaque para o EUI – Empregador de Última Instância – e para a tese revolucionária relacionada ao BNDES-TESOURO.

Aos que se sentem mobilizados pela proposta do curso, peço que entrem em contato com Gustavo Galvão, pelo e-mail: afdiretoria@afbndes.org.br.

A Estratégia do Debate

A proposta era explorar a dualidade: a teoria das Finanças Funcionais versus a teoria Liberal, frente à maior crise financeira desde 1929; e, mais especificamente, discutir a efetivação da relação BNDES-TESOURO para financiar, sem restrições, um Projeto Estratégico de Desenvolvimento Nacional.

Comentários sobre as posições do moderador e dos expositores

Moderador: Paulo Sergio Souto (Paulo Passarinho)
Presidente do Corecon/RJ e âncora do Programa Faixa Livre

“O debate já se iniciou nas páginas do VÍNCULO”

O economista Paulo Passarinho exerce a eficiente função de âncora do Programa Faixa Livre (patrocinado pela AEPET e pela AFBNDES, entre outras entidades congêneres).

Revelo que optei pela presença dele, como mediador externo, porque não teria condições de me manter isento. Destaco a forma competente e o toque de qualidade de sua participação, inclusive quando lembrou que o debate já havia se iniciado nas respostas dos debatedores postadas no encarte especial do VÍNCULO nº 907, de 23/07/09.

André Luiz Gomes Nassif
Economista do BNDES (AP/DEPPO/GENPP)

“Agora, somos todos keynesianos”

André Nassif nos trouxe informações sobre a reação e as medidas das autoridades indianas diante da crise e fez um comparativo com as medidas adotadas pelo Brasil.

Já debati com Nassif, em Seminário da AF-BNDES ocorrido em 2006, a respeito do seu primeiro trabalho sobre a Índia. Naquela ocasião, gostei de saber que após a Independência, em 1947, a Índia adotou o caminho do Planejamento Econômico – políticas protecionistas, controle de capitais e, principalmente, financiamento público (Sistema Bancário estatizado, em 1969) – para a construção da infraestrutura, desenvolvimento do seu mercado interno e desenvolvimento de produtos de software e TI. A partir de 1990, ela se lançou, com crescente sucesso, no mercado internacional.

Na ocasião, minimizei a dúvida que Nassif lançava sobre a sustentabilidade do crescimento a longo prazo na presença de déficits fiscais recorrentes, porque entendia que uma nação que estava em seu 10º plano quinquenal de desenvolvimento (50 anos), já tinha seu crescimento consolidado e que qualquer “acidente de percurso exógeno”  seria uma questão de ajustar os “botões do painel de controle”.

Agora, em 2009, passados três anos, Nassif confirma que a Índia promoveu rápidas mudanças para ajustar o crescimento (sintonizou os botões) e terá ainda forte crescimento, apesar da crise.

Portanto, a Índia deverá voltar logo ao ritmo de crescimento acima de 5% a.a. Isso acontece mesmo com uma dívida pública maior que a nossa, com inflação e déficit público elevados, mas com juros reais negativos.

Nassif conclui que, em relação ao Brasil, as políticas anticíclicas de lá foram mais eficazes e de efeito mais rápido, ressaltando que aqui nunca as condições de sustentabilidade e indicadores relevantes foram tão bons, e que deveríamos manter o BNDES com o mesmo nível de protagonismo, investindo em infraestrutura física e social.

Peço licença para sugerir uma frase a Nassif: “Somos todos keynesianos, mas sem receio de déficits púbicos funcionais!”

Fabio Giambiagi
Economista do BNDES (AGR/DERIM)


“O Pêndulo da História”

Ao longo de sua trajetória econômica, em seus trabalhos e artigos, o pensamento ortodoxo de Fábio Giambiagi é a sua marca registrada!

Discordo do seu arcabouço teórico, mas defendo o seu direito de expressá-lo, porque acredito no contraditório como tese ou como antítese, para estabelecer o embate das idéias e chegarmos à síntese no conceito dialético.

Fábio cita o “Pêndulo da História” e se coloca no lado dos temporariamente “perdedores”. Desejo que ele esteja errado no temporariamente!

O arcabouço neoclássico já remonta dois séculos e terminou “temporariamente” no dia 15 de setembro de 2008, e o keynesianismo (a corrente “vencedora”), com todas as suas variantes, retorna para produzir os seus efeitos.

De fato, podemos voltar a falar em planejamento, política industrial, desenvolvimentismo, sem que nos considerem “jurássicos”!

Em sua apresentação, Fábio escolhe seu período “ótimo” de análise: 1999 a 2008. Para ele, o regime de “metas de inflação” – e seu único instrumento: a subida da taxas de juros –, o superávit primário e o câmbio livre são as políticas que permitiram a trajetória do crescimento no período 1999-2008 até a eclosão da maior crise financeira desde 1929. Nesse período, mesmo com duas interrupções pelo “apagão” de 2001 e pelo ano eleitoral de 2003, ele consegue extrair, através da utilização de uma média móvel trimestral dessazonalizada, um crescimento médio de 4,5% em termos anuais. Prefiro salientar o período de 1980 a 2008 – 28 anos de não-crescimento, quando a taxa média real não ultrapassa 2,7% a.a.

Para solucionar os desafios dos próximos 30 anos, prescreve: o aumento do nível educacional; a resolução do déficit previdenciário “estrutural e potencialmente crescente” em virtude do aumento da idade da aposentadoria; e, por último, mas no mesmo grau de relevância, o necessário aumento do nível de poupança, já que na visão neoclássica ortodoxa, o nível da oferta corrente está dado pela ocupação da capacidade produtiva. Então, para o aumento do PIB, é necessário aumentar a poupança e diminuir os gastos públicos para incrementar o investimento.

Quanto ao futuro do BNDES, ele cita a tendência da mudança das fontes, com a queda líquida dos recursos do FAT, e a volatilidade dos lucros acionários. Ele reconhece o acréscimo dos recebimentos advindos do TESOURO, na crise, mas ressalta seu receio, procedente, de esta fonte estar hoje lastreada no bom relacionamento do presidente do BNDES com o presidente da República. Portanto, ele advoga, para a segurança do futuro do BNDES, que o mesmo deva ser um banco pequeno, enxuto e especializado nas operações de risco maior – na lacuna deixada por outros bancos. Um banco de negócios, certo?

Fabio foi um autêntico representante do pensamento ortodoxo, “temporariamente” perdedor, conforme suas próprias palavras. Esse comportamento digno o diferencia de muitos de sua linha teórica que, atordoados “temporariamente”, adotam uma postura “autista”!

Fabio, dentro dos seus paradigmas ortodoxos, serviu exatamente para mostrar o contraditório essencial que levou ao êxito o debate.

Gustavo Galvão dos Santos
Economista do BNDES (AP/DEART/GEART1)

“A boa nova: a relação BNDES-TESOURO provoca desenvolvimento e reduz a dívida pública!”

A apresentação de Gustavo encaminha para essa conclusão!

Ele descreveu a ação dos Estados (Grande Governo) e dos Bancos Centrais (Grande Banco) pelo mundo, à lá Minsky, emitindo a rodo para evitar a recessão. Esta ação, por 30 anos, foi execrada pela filosofia neoliberal. Mas em poucos meses, desde 15 de setembro de 2008, já foram injetados, em todo o mundo, de US$ 20 a US$ 30 trilhões. Cita que governos e sociedades recorrem a déficits fiscais, sem nenhum pudor, preferindo-os à recessão e ao desemprego aberto.

No Brasil, ainda sob as influências das “Finanças Saudáveis”, as autoridades econômicas não recorreram aos gastos públicos, mas utilizaram os bancos públicos em resposta à retração dos privados. Os R$100 bilhões no BNDES exemplificam isto, para rápida atuação e apoio a empresas pegas na retração da liquidez.

Numa posição diametralmente oposta à de Fábio Giambiagi, Gustavo Galvão defendeu que o BNDES, em vez de pequeno e enxuto, precisa ser o Grande Banco do Desenvolvimento Nacional à la Minsky e apresentou as razões.

Ele demonstrou, num exemplo numérico simples, que mesmo financiando um projeto com a taxa da TJLP menor que a Selic atual, o retorno fiscal incremental – apenas pelo efeito multiplicador (sem considerar o efeito acelerador) – e a carga tributária garantem um ganho tributário pelo aumento da Renda, que cobre o subsídio da TJLP menor. Na prática, significa dizer que se o BNDES recebesse emissão pura de dinheiro, por intermédio do Tesouro, ele a materializaria em capacidade produtiva real. E melhor: por conta dos empréstimos, receberia títulos privados de melhor qualidade se comparados com os do subprime!

Isso é revolucionário, a partir da demonstração de que o BNDES transforma simples numerário abstrato em riqueza real. Gustavo infere que nossa instituição não tem restrição teórica para promover e financiar o Projeto Nacional de Desenvolvimento!

Então, por que não institucionalizar a relação BNDES-TESOURO através do Congresso Nacional?

Mas Gustavo não termina aí. Sem limitações orçamentárias, o que nunca aconteceu em toda a história do Banco, o Projeto de Metas para o futuro seria apenas uma questão de escolha e de PLANEJAMENTO!

Assim, ele elenca um portfólio de planos baseados na idéia da industrialização, espalhados espacialmente pelo território nacional, com ênfase no Nordeste e na criação do que ele denomina de Empresas e Empreendimentos Campeões.

Enfim: “Agora, somos todos Financistas Funcionais!”

A Síntese do Debate

Agora, me permito fazer a síntese pessoal do evento. Desde já lembro que esse espaço sempre estará aberto para as manifestações discordantes dos colegas citados.

O debate – no meu modo de ver – colocou em confronto os desenvolvimentistas que querem o BNDES de novo pró-ativo (pelo seu poder de articulação e pela liderança de um Projeto de Desenvolvimento Nacional) e aqueles que querem vê-lo apenas como um banco pequeno, especializado, esperando, atrás do balcão, os projetos que serão escolhidos sob a ótica do risco/retorno.

Coloco-me ao lado daqueles que querem ver efetivado o arranjo institucional BNDES-TESOURO-CONGRESSO NACIONAL e restaurada a função PLANEJAMENTO!

PS: Conforme já foi divulgado, cópias da gravação do seminário, em DVD, estão disponíveis no Atendimento da Associação.

(*) Vice-presidente da AFBNDES.