Claudio
Abreu (*)
O
jornal O Globo do dia
24/07/2010 tem dois textos
relacionados à questão
dos juros que comento a
seguir.
No
primeiro, o jornal, no seu
editorial “Brasil não
aprende com o passado”,
critica os empréstimos de
R$ 180 bilhões feitos
pelo Tesouro Nacional (TN)
ao BNDES, obtidos com
emissão de títulos públicos,
“onde o Tesouro paga
mais de 10% a.a. pelo
dinheiro que levanta para
o BNDES e este empresta os
recursos a 6%”. E
conclui: “Há então
um pesado subsídio a ser
bancado pelo
contribuinte. Calcula-se,
no momento, algo próximo
de R$ 10 bilhões anuais,
quase um Bolsa Família”.
O
segundo texto é o
excelente artigo de Paulo
Nogueira Batista Jr.,
diretor do FMI, “Jogo
de espelhos”, onde
informa: “Em apenas
três meses, o Copom subiu
o juro básico de 8,75%
para 10,75%. Com isso a
nossa taxa de juros real
(descontada a inflação
esperada) fica em 5,6%, de
longe a mais alta entre os
principais países. Segundo
levantamento da Cruzeiro
do Sul Corretora, a média
de taxas reais nos 40
principais mercados é
negativa em 0,6%”.
Se
a taxa de juros real da
Selic fosse igual à média
mundial, de -0,6% a.a, a
sua taxa nominal seria de
apenas 4,25% a.a.
considerando-se a mesma
inflação de 4,88% a.a.;
e, assim, os empréstimos
do BNDES teriam um spread
de 1,75% a.a. sobre a taxa
de captação; e não
haveria subsídio algum.
O
cálculo pela diferença
entre a Selic e os juros
pagos pelo BNDES ao
Tesouro Nacional, seu
acionista único, é muito
simplista, pois não
computa os impostos que
serão gerados pelos
investimentos fixos, nem o
del credere, de uns
2% a.a., que o BNDES
adiciona ao custo, que é
pago por seus tomadores.
Contudo,
esse cálculo se aplica
aos juros dos títulos públicos:
o acréscimo indevido na
taxa nominal Selic de 6,5%
a.a. (=10,75% - 4,25%)
sobre a dívida interna,
de R$ 1.517 bilhões em
junho, gera juros de R$ 99
bilhões, ou seja, de quase
uns DEZ Bolsas Família
que são, efetivamente, pesados
subsídios concedidos
aos detentores dos títulos
públicos e aos bancos e bancados
pelo contribuinte.
Se
os empréstimos do BNDES
tivessem o mesmo spread
de 1,75% e 2,00% de del
credere incidentes
sobre a taxa Selic atual,
o seu custo total seria de
14,50% a.a., o que
inviabilizaria muitos dos
investimentos de longo
prazo.
Segundo
o Banco Central (BC), em
jun/10 a taxa média dos
empréstimos às empresas
no Brasil foi de 27,3%
a.a., com captação a
10,41% e spread de
18,89% a.a.. Quantos
investimentos fixos seriam
viáveis a uma taxa de
27,3% a.a.?
A
questão que interessa é
feita por Nogueira Batista
Jr.: “Por que o Copom
insiste na política de
juros altos? Afinal, juros
elevados aumentam o custo
da dívida pública e
prejudicam o crescimento e
a competitividade da
economia. O governo, do
qual o BC faz parte, é
quem arca com o grosso da
conta decorrente da política
de juros.”
Após
afirmar que “Como se
sabe o temor do BC é
perder o controle da inflação”,
ele faz uma precisa análise
da situação da inflação
nos últimos 12 meses e
conclui que: “Os
principais índices de preços
ao consumidor (IBGE, FGV e
FIPE) estão indicando,
desde junho, inflação próxima
de zero ou até deflação,
o que parece confirmar que
a aceleração do início
do ano resultou em parte
de fatores temporários...”.
Essa
anomalia brasileira de
elevadas taxas de juros,
sem paralelo no mundo,
resultou de se tentar
reduzir a nossa inflação
adotando-se apenas
instrumentos monetaristas,
embora ela fosse – e
ainda seja –
preponderantemente
inercial, em decorrência
de uma invenção
nacional, a correção
monetária, que começou
pelas ORTN´s nos anos
1960, e depois se alastrou
por toda a economia, sob a
forma de indexação
diferenciada, que
favorecia os mais ricos e
penalizava os mais pobres.
Na
teoria econômica não se
considera a indexação,
e, assim, seus
instrumentos de política
monetária (aperto da base
monetária, depósitos
compulsórios, impostos
sobre operações
financeiras, entre outros)
nunca foram eficazes para
controlar nossa inflação
inercial. E pior, sendo
aplicados de forma
excessiva, acabaram
elevando nossas taxas
reais de juros para o
maior patamar do planeta,
gerando elevados ganhos
para os detentores de títulos
públicos e os bancos, que
se acostumaram com essa cômoda
situação.
A
maior prova de que a nossa
elevada inflação passada
era inercial foi a
implantação do Plano
Real. Nele, numa inovação
da qual acredito ter sido
o idealizador – no meu
trabalho “A Indexação
Diária Negociada”, de
31/08/1993 –, se criou
um indexador diário, a
URV, que ao transformar na
nossa nova moeda forte, o
Real, reduziu bastante a
elevação dos preços,
que era acima de 40% a.m..
E tudo isso para a
surpresa de todo o país,
que já havia passado por
diversos malfadados planos
econômicos, e para quase
todos os economistas,
inclusive os do FMI, pois
a ideia do indexador que
depois viraria moeda
inexistia na sua teoria
acadêmica.
Com
o Plano Real a inflação
no Brasil se reduziu, mas
não acabou, pois nele se
permitiu, por lei,
reajustes anuais com base
em índices de preços nos
contratos com prazo
superior a um ano, tais
como aluguéis, planos de
saúde, seguros, obras,
prestações de serviços,
tarifas públicas, entre
outros. Embora com sua
indexação proibida, os
salários passaram a ter
reajustes anuais, por
livre negociação, em
geral repondo a inflação,
com repasse deles para os
preços. Assim, a inflação
inercial continuou a
existir, ainda que com
menor variação e em
periodicidade anual.
Embora tais reajustes
anuais, predominantes em
nossa economia, só
dependam da inflação
passada, e independam das
taxas de juros,
continuou-se a adotar os
instrumentos monetaristas
para controlar nossa inflação
inercial, do que resultam
os elevados e inócuos
juros, que são bancados
pelo contribuinte, na
maior das
irresponsabilidades
fiscais desse país.
Na
sequência, Nogueira
Batista Jr. aborda o tema
das expectativas dos
agentes econômicos e do
Banco Central quanto à
inflação e sua influência
na determinação da taxa
Selic, e afirma: “Na
formação dessas
expectativas (de inflação
pelo mercado), há um jogo
de espelhos entre o BC e o
mercado”. (...) Assim,
as expectativas (dos
agentes econômicos)
dependem, em certa medida,
do próprio BC. (...)
Este, por sua vez, afirma
que toma as expectativas
de mercado como um parâmetro
em suas decisões”.
E o autor conclui seu
artigo de forma bem sutil:
“Pode surgir um círculo
vicioso em que os temores
do BC, não
necessariamente
justificados, reforçam os
temores do mercado, e
vice-versa. O resultado, não
necessariamente desagradável
para o mercado e a turma
da bufunfa, são juros
generosos, custeados pela
Viúva”.
Existe outro círculo vicioso ou jogo de espelhos que influi bastante na
determinação da taxa
Selic: geralmente apenas
profissionais do mercado
financeiro têm ocupado
cargos de direção no
Banco Central, e
vice-versa, os diretores
do BC acabam sendo
diretores daquele mercado.
Isso vem se dando há décadas,
independentemente da
orientação dos nossos
sucessivos governos.
Assim,o BC tem sido
dirigido por pessoas cuja
visão converge para o que
defendem os bancos e seus
aplicadores. O resultado
é que quem discorda desse
posicionamento econômico
equivocado jamais assumirá
cargos de direção no BC.
E, assim, para o bem de
uns poucos e para a
infelicidade geral da nação,
os juros permanecerão
altos no Brasil para todo
o sempre. Amém.
|