19 de novembro de 2010

OPINIÃO
Para o bem de uns poucos e a infelicidade geral da nação
Até quando os juros permanecerão extorsivos em nosso país?

Claudio Abreu (*)

O jornal O Globo do dia 24/07/2010 tem dois textos relacionados à questão dos juros que comento a seguir.

No primeiro, o jornal, no seu editorial “Brasil não aprende com o passado”, critica os empréstimos de R$ 180 bilhões feitos pelo Tesouro Nacional (TN) ao BNDES, obtidos com emissão de títulos públicos, “onde o Tesouro paga mais de 10% a.a. pelo dinheiro que levanta para o BNDES e este empresta os recursos a 6%”. E conclui: “Há então um pesado subsídio a ser bancado pelo contribuinte. Calcula-se, no momento, algo próximo de R$ 10 bilhões anuais, quase um Bolsa Família”.

O segundo texto é o excelente artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., diretor do FMI, “Jogo de espelhos”, onde informa: “Em apenas três meses, o Copom subiu o juro básico de 8,75% para 10,75%. Com isso a nossa taxa de juros real (descontada a inflação esperada) fica em 5,6%, de longe a mais alta entre os principais países. Segundo levantamento da Cruzeiro do Sul Corretora, a média de taxas reais nos 40 principais mercados é negativa em 0,6%”.

Se a taxa de juros real da Selic fosse igual à média mundial, de -0,6% a.a, a sua taxa nominal seria de apenas 4,25% a.a. considerando-se a mesma inflação de 4,88% a.a.; e, assim, os empréstimos do BNDES teriam um spread de 1,75% a.a. sobre a taxa de captação; e não haveria subsídio algum.

O cálculo pela diferença entre a Selic e os juros pagos pelo BNDES ao Tesouro Nacional, seu acionista único, é muito simplista, pois não computa os impostos que serão gerados pelos investimentos fixos, nem o del credere, de uns 2% a.a., que o BNDES adiciona ao custo, que é pago por seus tomadores.

Contudo, esse cálculo se aplica aos juros dos títulos públicos: o acréscimo indevido na taxa nominal Selic de 6,5% a.a. (=10,75% - 4,25%) sobre a dívida interna, de R$ 1.517 bilhões em junho, gera juros de R$ 99 bilhões, ou seja, de quase uns DEZ Bolsas Família que são, efetivamente, pesados subsídios concedidos aos detentores dos títulos públicos e aos bancos e bancados pelo contribuinte.

Se os empréstimos do BNDES tivessem o mesmo spread de 1,75% e 2,00% de del credere incidentes sobre a taxa Selic atual, o seu custo total seria de 14,50% a.a., o que inviabilizaria muitos dos investimentos de longo prazo.

Segundo o Banco Central (BC), em jun/10 a taxa média dos empréstimos às empresas no Brasil foi de 27,3% a.a., com captação a 10,41% e spread de 18,89% a.a.. Quantos investimentos fixos seriam viáveis a uma taxa de 27,3% a.a.?

A questão que interessa é feita por Nogueira Batista Jr.: “Por que o Copom insiste na política de juros altos? Afinal, juros elevados aumentam o custo da dívida pública e prejudicam o crescimento e a competitividade da economia. O governo, do qual o BC faz parte, é quem arca com o grosso da conta decorrente da política de juros.”

Após afirmar que “Como se sabe o temor do BC é perder o controle da inflação”, ele faz uma precisa análise da situação da inflação nos últimos 12 meses e conclui que: “Os principais índices de preços ao consumidor (IBGE, FGV e FIPE) estão indicando, desde junho, inflação próxima de zero ou até deflação, o que parece confirmar que a aceleração do início do ano resultou em parte de fatores temporários...”.

Essa anomalia brasileira de elevadas taxas de juros, sem paralelo no mundo, resultou de se tentar reduzir a nossa inflação adotando-se apenas instrumentos monetaristas, embora ela fosse – e ainda seja – preponderantemente inercial, em decorrência de uma invenção nacional, a correção monetária, que começou pelas ORTN´s nos anos 1960, e depois se alastrou por toda a economia, sob a forma de indexação diferenciada, que favorecia os mais ricos e penalizava os mais pobres.

Na teoria econômica não se considera a indexação, e, assim, seus instrumentos de política monetária (aperto da base monetária, depósitos compulsórios, impostos sobre operações financeiras, entre outros) nunca foram eficazes para controlar nossa inflação inercial. E pior, sendo aplicados de forma excessiva, acabaram elevando nossas taxas reais de juros para o maior patamar do planeta, gerando elevados ganhos para os detentores de títulos públicos e os bancos, que se acostumaram com essa cômoda situação.

A maior prova de que a nossa elevada inflação passada era inercial foi a implantação do Plano Real. Nele, numa inovação da qual acredito ter sido o idealizador – no meu trabalho “A Indexação Diária Negociada”, de 31/08/1993 –, se criou um indexador diário, a URV, que ao transformar na nossa nova moeda forte, o Real, reduziu bastante a elevação dos preços, que era acima de 40% a.m.. E tudo isso para a surpresa de todo o país, que já havia passado por diversos malfadados planos econômicos, e para quase todos os economistas, inclusive os do FMI, pois a ideia do indexador que depois viraria moeda inexistia na sua teoria acadêmica.

Com o Plano Real a inflação no Brasil se reduziu, mas não acabou, pois nele se permitiu, por lei, reajustes anuais com base em índices de preços nos contratos com prazo superior a um ano, tais como aluguéis, planos de saúde, seguros, obras, prestações de serviços, tarifas públicas, entre outros. Embora com sua indexação proibida, os salários passaram a ter reajustes anuais, por livre negociação, em geral repondo a inflação, com repasse deles para os preços. Assim, a inflação inercial continuou a existir, ainda que com menor variação e em periodicidade anual. Embora tais reajustes anuais, predominantes em nossa economia, só dependam da inflação passada, e independam das taxas de juros, continuou-se a adotar os instrumentos monetaristas para controlar nossa inflação inercial, do que resultam os elevados e inócuos juros, que são bancados pelo contribuinte, na maior das irresponsabilidades fiscais desse país.

Na sequência, Nogueira Batista Jr. aborda o tema das expectativas dos agentes econômicos e do Banco Central quanto à inflação e sua influência na determinação da taxa Selic, e afirma: “Na formação dessas expectativas (de inflação pelo mercado), há um jogo de espelhos entre o BC e o mercado”. (...) Assim, as expectativas (dos agentes econômicos) dependem, em certa medida, do próprio BC. (...) Este, por sua vez, afirma que toma as expectativas de mercado como um parâmetro em suas decisões”. E o autor conclui seu artigo de forma bem sutil: “Pode surgir um círculo vicioso em que os temores do BC, não necessariamente justificados, reforçam os temores do mercado, e vice-versa. O resultado, não necessariamente desagradável para o mercado e a turma da bufunfa, são juros generosos, custeados pela Viúva”.

Existe outro círculo vicioso ou jogo de espelhos que influi bastante na determinação da taxa Selic: geralmente apenas profissionais do mercado financeiro têm ocupado cargos de direção no Banco Central, e vice-versa, os diretores do BC acabam sendo diretores daquele mercado. Isso vem se dando há décadas, independentemente da orientação dos nossos sucessivos governos. Assim,o BC tem sido dirigido por pessoas cuja visão converge para o que defendem os bancos e seus aplicadores. O resultado é que quem discorda desse posicionamento econômico equivocado jamais assumirá cargos de direção no BC. E, assim, para o bem de uns poucos e para a infelicidade geral da nação, os juros permanecerão altos no Brasil para todo o sempre. Amém.
(*) Engenheiro da BNDESPAR, mestre em Administração e diretor de Representação da AFBNDESPAR.
(Texto publicado na edição 958 do VÍNCULO, em 16 de setembro de 2010)
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