2 de dezembro de 2010

OPINIÃO
Uma nova e derradeira indexação negociada
Propostas para redução dos riscos financeiro e cambial – visando diminuir a taxa real de juro e estabilizar o câmbio – e para desindexar a economia brasileira e sustentar o seu crescimento

Claudio Abreu

Engenheiro, mestre em Administração e diretor da AFBNDESPAR

Em 31/08/1993 concluí o meu trabalho “A indexação diária negociada”, que acredito (por ter fortes evidências disso) ter servido de base para a elaboração do Plano Real, em especial quanto às suas duas maiores inovações: a) reduzir a inflação inercial usando-se um indexador diário, a URV, que depois se transformaria na moeda forte, o R$; e b) fazer um plano de estabilização de forma anunciada, sem surpresas, congelamentos e quebra de contratos. Em 30/06/2004, conclui outro trabalho: “Definindo o juro e o câmbio em base real e diária no Brasil”, propondo como reduzir os riscos financeiro e cambial. Tal como no início do Plano Real, os juros elevados e o câmbio apreciado vêm sendo usados para conter inócua e onerosamente nossa inflação, que permanece inercial devido à indexação anual remanescente. Neste artigo faço uma proposta para equacionar tudo isso.

A síntese da minha segunda proposta é: a) diminuir o risco nas operações financeiras para reduzir os juros reais e permitir o aumento do volume do crédito e o alongamento dos seus prazos, condições indispensáveis para um maior crescimento do PIB; e b) reduzir o risco cambial – com menor oscilação das cotações e dentro de um patamar mais desvalorizado – para tornar mais seguros os investimentos relacionados ao mercado externo (com importação de insumos e exportação de produtos), bem como estimular a captação de investimentos diretos e créditos externos para complementar a poupança interna, possibilitando, também, um maior crescimento do PIB.

Seria aumentada ao máximo a participação das operações pós-fixadas em substituição às atuais preponderantes pré-fixadas, de forma gradual e negociada, sem quebra de contratos. Seria criado um novo indexador diário confiável e adotado no Sistema de Metas para Inflação, denominado UVF (Unidade de Valor Financeiro), que em dois anos seria o principal do mercado financeiro, substituindo os seus diversos indexadores, tornando as operações pós-fixadas em UVF predominantes, tanto na dívida pública quanto nos créditos ao setor privado. O valor da UVF seria determinado diariamente pelo Banco Central, nos mesmos moldes da URV do Plano Real, ou seja, com base numa cesta dos principais índices de inflação, a saber: o IPCA, o IPC-Fipe e o IGP-M.

As operações pós-fixadas em UVF teriam juros reais menores e prazos maiores do que as atuais que são preponderantes pré-fixadas e têm prêmio de risco exagerado e prazo encurtado como proteção caso a inflação futura vier a ser maior que a estimada. A existência de muitos índices de preços aumenta ainda mais esse risco. Assim, a pós-fixação em UVF reduziria o custo e alongaria o prazo da dívida publica e do crédito ao setor privado. E tudo isso traria um maior crescimento do PIB.

Quanto ao câmbio, ele deixaria de ser excessivamente oscilante como o atual, pois seria atrelado ao valor diário de uma cesta de moedas internacionais, tal como os Direitos Especiais de Saque – DES, do FMI. Diariamente, a partir do valor dessa cesta de moedas, seria determinada a cotação do dólar referente ao centro de uma banda cambial, na qual quando atingido o seu limite superior, o Banco Central venderia dólares e os compraria quando atingido o seu limite inferior. Ao ser atrelado a uma cesta de moedas, o R$ não ficaria mais referenciado apenas ao US$, cujas variações seriam amortecidas pelos valores da cesta de moedas.

Para a implantação da nova política cambial, seria criado um segundo indexador diário, aqui denominado UVC (Unidade de Valor Cambial), o qual determinaria o valor da cesta de moedas em R$. Seu valor inicial seria diariamente acrescido da variação acumulada da UVF e subtraído da variação acumulada da inflação norte-americana. Também seria determinado diariamente o valor da cesta de moedas expresso em US$, tal como o DES. O valor diário da cotação central da banda em R$/US$ seria obtido dividindo-se a UVC em R$ pelo valor da cesta de moedas em US$. Alterações no valor da UVC poderiam ser feitas desde que anunciadas previamente e implantadas gradualmente em pelo menos um ano.

Caso a essa política cambial tivesse sido implantada desde a criação do R$, em 01/07/1994, e tendo o DES como sua cesta de moedas, em 31/10/2010 a cotação do dólar proposto seria de R$ 2,61 e não de R$ 1,70, o que indicaria uma desvalorização necessária de 53,5%. Na figura a seguir observa-se que as oscilações das cotações do dólar propostas teriam sido bem menores do que as realizadas. Assim teria havido maior estabilidade cambial, possibilitando maior crescimento do PIB.

A cotação do centro da banda cambial seria aquela que assegurasse uma situação equilibrada em nossas contas externas. Acredito que em um ano poderia ser feita a desvalorização cambial necessária para atingir tal cotação. Dessa forma, por ocasião da criação/introdução da UVF no mercado financeiro, também deveria ser anunciada a futura nova política cambial e a criação da UVC dentro de um ano, o que por si só causaria grande desvalorização do R$, que poderia ser complementada com outras medidas. O atual nível elevado de reservas cambiais, de US$ 285 bilhões, facilitaria a manutenção pelo BC da nova política cambial proposta.

Depois de dois anos da implantação da UVF, seriam tomadas medidas para eliminar toda e qualquer indexação nos preços e salários na economia, acabando com a inflação inercial.

Para tanto, seria feito uma espécie de Plano Real II. Seria criado um novo indexador, denominado UVM (Unidade de Valor Mensal), cujo valor inicial seria igual a R$ 1,00, e seria reajustado no 1º dia de cada mês pela variação mensal da UVF. Seria feita inicialmente a indexação dos salários à UVM, seguida da permissão, pelo período de um ano, da expressão em UVM de todos dos preços da economia – em especial aqueles dos contratos de prazo superior a um ano, como forma de estimular a troca espontânea dos seus atuais preços, indexados anualmente, por aqueles expressos em UVM. Depois desse um ano de indexação total, a UVM seria transformada na nova moeda forte nacional, e seria proibida toda e qualquer indexação nos preços e salários.

A UVF e a UVC continuariam a existir. Seria feita a gradual proibição de novas operações pós-fixadas em UVF em prazos gradualmente maiores, ou seja, depois de um ano seriam proibidas as de prazo inferior a um ano, depois de dois anos, as de prazo inferior a dois anos... e, assim, sucessivamente. Isso aumentaria gradativamente a participação das operações pré-fixadas no sistema financeiro, além de servir para alongar as pós-fixadas, até que elas atingissem um prazo mínimo entre cinco a dez anos, a decidir. E assim seria completado o processo de desindexação total da nossa economia, que passaria a ter o mesmo padrão de comportamento dos países desenvolvidos.

Finalizando, justifico o que foi aqui proposto por acreditar que: a) o Plano Real poderia ter sido mais bem sucedido do que foi caso não se tivesse recorrido aos juros elevados e ao câmbio apreciado para conter a inflação inercial decorrente da indexação remanescente, o que até hoje persiste; e b) só se desindexará totalmente a economia brasileira depois da sua indexação total seguida da sua proibição – tal como propus em 1993 e volto a propor nesse artigo.

(Texto publicado na edição 967 do VÍNCULO, em 2 de dezembro de 2010)
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