MICHAL
KALECKI (1944)
A
manutenção do pleno
emprego por meio da
despesa governamental
financiada por empréstimos
tem sido amplamente
discutida nos anos
recentes. Essa discussão,
porém, concentra-se nos
aspectos puramente econômicos
do problema, sem dar a
devida atenção às
realidades políticas. É
falsa a suposição de que
um Governo manterá o
pleno emprego numa
economia capitalista se
ele sabe como fazê-lo.
Com relação a isso é de
crucial importância a
desconfiança dos grandes
empresários acerca da
manutenção do pleno
emprego por meio do gasto
governamental. Essa
atitude foi mostrada
claramente na grande
depressão dos anos
trinta, quando os grandes
empresários se opuseram
firmemente às experiências
de aumento do emprego
através da despesa
governamental, em todos os
países com exceção da
Alemanha nazista. Essa
atitude não é fácil de
explicar. Maior produção
e emprego claramente
beneficiam não apenas os
trabalhadores, mas também
os empresários, porque
seus lucros crescem.
E a política de pleno
emprego baseada na despesa
governamental financiada
por empréstimos não
usurpa os lucros, porque não
envolve tributação
adicional. Os empresários,
na depressão, sonham com
uma expansão econômica;
por que, então, eles não
aceitam com prazer a
expansão “sintética”
que o Governo está apto a
oferecer-lhes? É esta
questão difícil e
fascinante que pretendemos
tratar neste artigo.
Os
motivos para a oposição
dos “líderes
industriais” ao pleno
emprego obtido por meio da
despesa governamental
podem ser agrupados em três
categorias: (a) a reprovação
à interferência pura e
simples do Governo no
problema do emprego; (b) a
reprovação à direção
da despesa governamental
(para investimento público
e subsídio ao consumo);
(c) a reprovação às
mudanças sociais e políticas
resultantes da manutenção
do pleno emprego.
Examinaremos
minuciosamente cada uma
dessas três categorias de
objeção à política de
expansão do Governo.
Trataremos
em primeiro lugar da relutância
dos “capitães da indústria”
em aceitar a intervenção
do Governo no problema do
emprego. Cada alargamento
da atividade estatal é
encarado com suspeita pelo
“mundo dos negócios”,
mas a criação de emprego
por meio da despesa
governamental tem um
aspecto especial que torna
a oposição
particularmente intensa.
Em um sistema de laissez faire o nível do emprego depende, em grande parte, do assim
chamado estado de confiança.
Se este se deteriora, o
investimento privado
declina, do que resulta
uma queda do produto e do
emprego (tanto diretamente
como através do efeito
secundário que a queda
das rendas exerce sobre o
consumo e o investimento).
Isso dá aos capitalistas
um poderoso controle
indireto sobre a política
governamental: tudo que
possa abalar o estado de
confiança deve ser
cuidadosamente evitado,
porque causaria uma crise
econômica. Mas, uma vez
que o Governo aprenda o
truque de aumentar o
emprego por meio de suas
próprias despesas, esse
poderoso mecanismo de
controle perde sua eficácia.
Daí que os déficits orçamentários
necessários para efetuar
a intervenção
governamental passam a ser
encarados como perigosos.
A função social da
doutrina da “finança
sadia” é fazer com que
o nível de emprego
dependa do “estado de
confiança”.
A
reprovação dos “líderes
do mundo dos negócios”
a uma política
governamental de despesas
torna se ainda mais aguda
quando eles consideram os
objetos em que o dinheiro
seria aplicado:
investimento público e
subsídio ao consumo
popular.
Os
princípios econômicos da
intervenção
governamental requerem que
o investimento público
seja limitado a objetos
que não concorram com o
equipamento de capital dos
negócios privados: por
exemplo, hospitais,
escolas, rodovias etc. Do
contrário, a
rentabilidade do
investimento privado seria
enfraquecida e o efeito
positivo do investimento público
sobre o emprego seria
anulado pelo efeito
negativo do declínio do
investimento privado. Essa
concepção satisfaz muito
bem aos homens de negócio.
Mas o âmbito do
investimento público
desse tipo é estreito, e
há o perigo de que o
Governo, prosseguindo
nessa política, possa ser
eventualmente tentado a
nacionalizar os
transportes ou outros
serviços de utilidade pública
a fim de ganhar uma nova
esfera onde aplicar o
investimento.
Poder-se-ia
esperar, portanto, que os
líderes empresariais e
seus assessores fossem
mais favoráveis ao subsídio
ao consumo popular (por
meio de pensões às famílias,
subsídios para manter
baixo o preço dos
produtos essenciais etc.)
do que ao investimento público,
porque, subsidiando o
consumo, o Governo não
estaria embarcando em
nenhum tipo de
“empresa”. Na prática,
porém, esse não é o
caso. De fato, o subsídio
ao consumo popular é
muito mais violentamente
combatido do que o
investimento público,
porque coloca-se aqui um
princípio “moral” da
mais alta importância. Os
fundamentos da ética
capitalista requerem que
“Você ganhará seu pão
com o suor de seu rosto”
a menos que você tenha
meios privados.
Consideramos
os motivos políticos da
oposição à política de
criar emprego por meio de
gasto governamental. Mas
mesmo se essa oposição
fosse superada como
poderia acontecer sob
pressão popular, a
manutenção do pleno
emprego causaria mudanças
sociais e políticas que
dariam um novo ímpeto à
oposição dos líderes
empresariais. De fato, sob
um regime de permanente
pleno emprego, a demissão
de empregados deixaria de
exercer sua função de
medida disciplinar. A posição
social do patrão estaria
minada e cresceriam a
autoconfiança e a consciência
da classe trabalhadora. As
greves por aumentos
salariais e melhorias nas
condições de trabalho
criariam tensão política.
É verdade que os lucros
seriam mais elevados em um
regime de pleno emprego do
que o são, em média, no laissez faire; e mesmo o crescimento das taxas de salário,
resultante do mais forte
poder de barganha dos
trabalhadores,
provavelmente causaria
menos uma redução dos
lucros do que um aumento
de preços, e assim
afetaria adversamente
apenas os interesses
rentistas. Mas os líderes
empresariais apreciam mais
a “disciplina nas fábricas”
e a “estabilidade política”
do que os lucros. Seu
instinto de classe lhes
diz que, de seu ponto de
vista, um pleno emprego
durável é insano, e que
o desemprego é uma parte
integrante do sistema
capitalista normal. - Uma
das mais importantes funções
do fascismo como
tipificado pelo sistema
nazista, era a de remover
as objeções capitalistas
ao pleno emprego.
A
reprovação à política
de despesa governamental
é superada, sob o
fascismo, pelo fato de a máquina
estatal estar sob o
controle direto de uma
associação do grande negócio
com os bem sucedidos
fascistas. É removida a
necessidade do mito da
“finança sadia”, que
servia para impedir o
Governo de sobrepor-se,
por meio dos gastos, à
crise de confiança. Numa
democracia ninguém sabe
como será o próximo
Governo. No fascismo não
há próximo Governo.
A
reprovação ao gasto
governamental em
investimento público ou
em consumo é superada
concentrando-se em
armamentos a despesa
governamental. Por fim, a
“disciplina nas fábricas”
e a “estabilidade política”
em pleno emprego são
mantidas pela “nova
ordem”, que varia da
supressão dos sindicatos
até os campos de
concentração. A pressão
política substitui a
pressão econômica do
desemprego.
O
fato de que os armamentos
sejam a espinha dorsal da
política de pleno emprego
fascista tem uma profunda
influência sobre seu caráter
econômico.
Os
armamentos em grande
escala são inseparáveis
da expansão das forças
armadas e da preparação
de planos para uma guerra
de conquista. Eles também
induzem o rearmamento
competitivo de outros países.
Isso faz com que o
principal objetivo do
gasto se desloque
gradualmente do pleno
emprego para o máximo
efeito de rearmamento. A
resultante escassez de
recursos leva a uma contração
do consumo quando
comparado com o que
poderia haver sob o pleno
emprego.
O
sistema fascista começa
com a superação do
desemprego, desenvolve-se
em uma “economia de
armamento” de escassez,
e inevitavelmente termina
em guerra. -Qual será o
resultado prático da
oposição ao “pleno
emprego por meio da
despesa governamental”,
numa democracia
capitalista? Tentaremos
responder essa questão
com base na análise dos
motivos dessa oposição.
Argumentamos
que se pode esperar a
oposição dos “líderes
industriais” em três
planos: (a) a oposição
de princípio ao gasto
governamental apoiado num
déficit orçamentário;
(b) a oposição a esse
gasto dirigido ou ao
investimento público que
pode prefigura intrusão
do Estado em novas esferas
de atividade econômica ou
ao subsídio ao consumo
popular; (c) a oposição
a manutenção do pleno
emprego e não apenas à
tentativa de evitar
profundas e prolongadas
depressões econômicas.
Deve-se
reconhecer que é mais um
assunto do passado o
estagio em que os “líderes
empresariais” podiam
opor-se a qualquer espécie
de intervenção
governamental para aliviar
uma depressão.
Concorda-se hoje que seja
necessário “fazer
alguma coisa na depressão”;
mas o conflito continua
primeiro, no que se refere
à direção a ser dada à
intervenção
governamental na depressão,
e, segundo, no que
concerne o fato de se essa
intervenção deveria ser
usada meramente para
aliviar depressões ou
para obter permanente
pleno emprego.
Nas
discussões correntes
desses problemas freqüentemente
surge a concepção de
contrapor-se à depressão
por meio do estímulo ao
investimento privado. Isso
pode ser feito pela redução
tanto da taxa de juro como
do imposto de renda, ou
pelo subsídio direto ao
investimento privado de um
modo, ou de outro não
surpreende que tal esquema
seja atraente para os
“negócios”. O homem
de negócios continua
sendo o meio pelo qual a
intervenção é efetuada.
Se ele não sentir confiança
na situação política, não
será persuadido a
investir. E a intervenção
não implica que o Governo
“jogue com” o
investimento (público) ou
“desperdice dinheiro”
com o subsídio ao
consumo.
Pode-se
mostrar, todavia, que o
estímulo ao investimento
privado não provê um método
adequado de evitar o
desemprego
em massa. Existem
aqui duas alternativas a
serem consideradas: (a) a
taxa de juro ou o imposto
de renda, ou ambos, é
fortemente reduzido na
depressão e aumentado na
prosperidade. Nesse caso,
tanto o período como a
amplitude do ciclo econômico
serão diminuídos, mas o
emprego estará longe de
pleno não apenas na
depressão, mas mesmo na
prosperidade, isto é, o
desemprego médio poderá
ser considerável, embora
suas flutuações sejam
menos acentuadas; (b) a
taxa de juro ou o imposto
de renda é reduzido na
depressão, mas não
aumentado na subseqüente
prosperidade. Nesse caso,
a prosperidade durará
mais tempo, mas deverá
terminar em nova depressão:
é claro que uma redução
da taxa de juro ou do
imposto de renda não
elimina as forças que
causam flutuações cíclicas
numa economia capitalista.
Na nova depressão será
necessário reduzir
novamente a taxa de juro
ou o imposto de renda, e
assim por diante. Assim,
num tempo não muito
remoto, a taxa de juro
teria de ser negativa e o
imposto de renda teria de
ser substituído por um
subsídio à renda. O
mesmo aconteceria se
tentasse manter o pleno
emprego pelo estímulo ao
investimento privado: a
taxa de juro e o imposto
de renda teriam de ser
continuamente reduzidos.
Em
adição a essa fraqueza
fundamental de combater o
desemprego pelo estímulo
ao investimento privado,
existe uma dificuldade prática:
é incerta a reação dos
homens de negócio às
medidas acima descritas.
Se a depressão é forte,
eles podem ter uma visão
pessimista do futuro, e a
redução da taxa de juro
ou do imposto de renda
pode então, por um longo
período, não exercer
qualquer influência sobre
o investimento e,
portanto, sobre o nível
de produção e de
emprego.
Mesmo
os que advogam o estímulo
ao investimento privado
para contrapor-se à
depressão freqüentemente
não se fiam só nisso,
mas consideram que esse
estímulo deveria ser
associado ao investimento
público. Parece,
atualmente, que os “líderes
empresariais” e seus
assessores pelo menos
parte deles tenderiam a
aceitar como um PLUS além,
a despesa pública
financiada por empréstimo
como um meio de aliviar as
depressões. Mas eles
ainda parecem opor-se
firmemente tanto à criação
de emprego pelo subsídio
ao consumo como à manutenção
do pleno emprego.
Essa
situação é talvez
sintomática do futuro
regime econômico das
democracias capitalistas.
Na depressão, ou pela
pressão popular ou mesmo
sem ela, o investimento público
financiado por empréstimo
será adotado para evitar
o desemprego em larga
escala. Mas se forem
feitas tentativas de
aplicar esse método a fim
de manter o alto nível de
emprego alcançado na
subseqüente prosperidade,
é provável que haverá
uma forte oposição por
parte dos “líderes
empresariais”. Como já
foi assinalado, um pleno
emprego duradouro não é
absolutamente do gosto
deles. Os trabalhadores
estariam “fora de mão”
e os “capitães da indústria”
estariam ansiosos por
“ensinar-lhes uma lição”.
Ademais, o aumento de preços
na fase de prosperidade é
desvantajoso para os
pequenos e médios
rentistas e os tornaria
“aborrecidos”. Nessa
situação é provável a
formação de um poderoso
bloco de grandes empresários
e rentistas, que
encontraria mais de um
economista para declarar
que a situação é
claramente enferma. A
pressão de todas essas
forças, e em particular
das grandes empresas,
muito provavelmente
induziria o Governo a
retomar à política
ortodoxa de corte do déficit
orçamentário.
Seguir-se-ia uma recessão,
na qual a política
governamental de despesa
voltaria a seu sentido próprio.
Esse padrão de “ciclo econômico político” não é inteiramente
conjectural; alguma coisa
de muito parecido
aconteceu nos Estados
Unidos em 1937-
38. A
interrupção da
prosperidade na segunda
metade de 1937 deveu-se
realmente à drástica
redução do déficit orçamentário.
De outro lado, na aguda
recessão que se seguiu, o
Governo prontamente
reverteu à política de
gastos.
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