27 de julho de 2010

O mais genial texto de Ciência Política do Século XX
Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego

MICHAL KALECKI (1944)

A manutenção do pleno emprego por meio da despesa governamental financiada por empréstimos tem sido amplamente discutida nos anos recentes. Essa discussão, porém, concentra-se nos aspectos puramente econômicos do problema, sem dar a devida atenção às realidades políticas. É falsa a suposição de que um Governo manterá o pleno emprego numa economia capitalista se ele sabe como fazê-lo. Com relação a isso é de crucial importância a desconfiança dos grandes empresários acerca da manutenção do pleno emprego por meio do gasto governamental. Essa atitude foi mostrada claramente na grande depressão dos anos trinta, quando os grandes empresários se opuseram firmemente às experiências de aumento do emprego através da despesa governamental, em todos os países com exceção da Alemanha nazista. Essa atitude não é fácil de explicar. Maior produção e emprego claramente beneficiam não apenas os trabalhadores, mas também os empresários, porque seus lucros  crescem. E a política de pleno emprego baseada na despesa governamental financiada por empréstimos não usurpa os lucros, porque não envolve tributação adicional. Os empresários, na depressão, sonham com uma expansão econômica; por que, então, eles não aceitam com prazer a expansão “sintética” que o Governo está apto a oferecer-lhes? É esta questão difícil e fascinante que pretendemos tratar neste artigo.  

Os motivos para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego obtido por meio da despesa governamental podem ser agrupados em três categorias: (a) a reprovação à interferência pura e simples do Governo no problema do emprego; (b) a reprovação à direção da despesa governamental (para investimento público e subsídio ao consumo); (c) a reprovação às mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. Examinaremos minuciosamente cada uma dessas três categorias de objeção à política de expansão do Governo.  

Trataremos em primeiro lugar da relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do Governo no problema do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é encarado com suspeita pelo “mundo dos negócios”, mas a criação de emprego por meio da despesa governamental tem um aspecto especial que torna a oposição particularmente intensa. Em um sistema de laissez faire o nível do emprego depende, em grande parte, do assim chamado estado de confiança. Se este se deteriora, o investimento privado declina, do que resulta uma queda do produto e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário que a queda das rendas exerce sobre o consumo e o investimento). Isso dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo que possa abalar o estado de confiança deve ser cuidadosamente evitado, porque causaria uma crise econômica. Mas, uma vez que o Governo aprenda o truque de aumentar o emprego por meio de suas próprias despesas, esse poderoso mecanismo de controle perde sua eficácia. Daí que os déficits orçamentários necessários para efetuar a intervenção governamental passam a ser encarados como perigosos. A função social da doutrina da “finança sadia” é fazer com que o nível de emprego dependa do “estado de confiança”.  

A reprovação dos “líderes do mundo dos negócios” a uma política governamental de despesas torna se ainda mais aguda quando eles consideram os objetos em que o dinheiro seria aplicado: investimento público e subsídio ao consumo popular.  

Os princípios econômicos da intervenção governamental requerem que o investimento público seja limitado a objetos que não concorram com o equipamento de capital dos negócios privados: por exemplo, hospitais, escolas, rodovias etc. Do contrário, a rentabilidade do investimento privado seria enfraquecida e o efeito positivo do investimento público sobre o emprego seria anulado pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Essa concepção satisfaz muito bem aos homens de negócio. Mas o âmbito do investimento público desse tipo é estreito, e há o perigo de que o Governo, prosseguindo nessa política, possa ser eventualmente tentado a nacionalizar os transportes ou outros serviços de utilidade pública a fim de ganhar uma nova esfera onde aplicar o investimento.  

Poder-se-ia esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus assessores fossem mais favoráveis ao subsídio ao consumo popular (por meio de pensões às famílias, subsídios para manter baixo o preço dos produtos essenciais etc.) do que ao investimento público, porque, subsidiando o consumo, o Governo não estaria embarcando em nenhum tipo de “empresa”. Na prática, porém, esse não é o caso. De fato, o subsídio ao consumo popular é muito mais violentamente combatido do que o investimento público, porque coloca-se aqui um princípio “moral” da mais alta importância. Os fundamentos da ética capitalista requerem que “Você ganhará seu pão com o suor de seu rosto” a menos que você tenha meios privados.  

Consideramos os motivos políticos da oposição à política de criar emprego por meio de gasto governamental. Mas mesmo se essa oposição fosse superada como poderia acontecer sob pressão popular, a manutenção do pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição dos líderes empresariais. De fato, sob um regime de permanente pleno emprego, a demissão de empregados deixaria de exercer sua função de medida disciplinar. A posição social do patrão estaria minada e cresceriam a autoconfiança e a consciência da classe trabalhadora. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam mais elevados em um regime de pleno emprego do que o são, em média, no laissez faire; e mesmo o crescimento das taxas de salário, resultante do mais forte poder de barganha dos trabalhadores, provavelmente causaria menos uma redução dos lucros do que um aumento de preços, e assim afetaria adversamente apenas os interesses rentistas. Mas os líderes empresariais apreciam mais a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” do que os lucros. Seu instinto de classe lhes diz que, de seu ponto de vista, um pleno emprego durável é insano, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista normal. - Uma das mais importantes funções do fascismo como tipificado pelo sistema nazista, era a de remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.

A reprovação à política de despesa governamental é superada, sob o fascismo, pelo fato de a máquina estatal estar sob o controle direto de uma associação do grande negócio com os bem sucedidos fascistas. É removida a necessidade do mito da “finança sadia”, que servia para impedir o Governo de sobrepor-se, por meio dos gastos, à crise de confiança. Numa democracia ninguém sabe como será o próximo Governo. No fascismo não há próximo Governo.  

A reprovação ao gasto governamental em investimento público ou em consumo é superada concentrando-se em armamentos a despesa governamental. Por fim, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” em pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que varia da supressão dos sindicatos até os campos de concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.  

O fato de que os armamentos sejam a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista tem uma profunda influência sobre seu caráter econômico.  

Os armamentos em grande escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o principal objetivo do gasto se desloque gradualmente do pleno emprego para o máximo efeito de rearmamento. A resultante escassez de recursos leva a uma contração do consumo quando comparado com o que poderia haver sob o pleno emprego.  

O sistema fascista começa com a superação do desemprego, desenvolve-se em uma “economia de armamento” de escassez, e inevitavelmente termina em guerra. -Qual será o resultado prático da oposição ao “pleno emprego por meio da despesa governamental”, numa democracia capitalista? Tentaremos responder essa questão com base na análise dos motivos dessa oposição.  

Argumentamos que se pode esperar a oposição dos “líderes industriais” em três planos: (a) a oposição de princípio ao gasto governamental apoiado num déficit orçamentário; (b) a oposição a esse gasto dirigido ou ao investimento público que pode prefigura intrusão do Estado em novas esferas de atividade econômica ou ao subsídio ao consumo popular; (c) a oposição a manutenção do pleno emprego e não apenas à tentativa de evitar profundas e prolongadas depressões econômicas.  

Deve-se reconhecer que é mais um assunto do passado o estagio em que os “líderes empresariais” podiam opor-se a qualquer espécie de intervenção governamental para aliviar uma depressão. Concorda-se hoje que seja necessário “fazer alguma coisa na depressão”; mas o conflito continua primeiro, no que se refere à direção a ser dada à intervenção governamental na depressão, e, segundo, no que concerne o fato de se essa intervenção deveria ser usada meramente para aliviar depressões ou para obter permanente pleno emprego.  

Nas discussões correntes desses problemas freqüentemente surge a concepção de contrapor-se à depressão por meio do estímulo ao investimento privado. Isso pode ser feito pela redução tanto da taxa de juro como do imposto de renda, ou pelo subsídio direto ao investimento privado de um modo, ou de outro não surpreende que tal esquema seja atraente para os “negócios”. O homem de negócios continua sendo o meio pelo qual a intervenção é efetuada. Se ele não sentir confiança na situação política, não será persuadido a investir. E a intervenção não implica que o Governo “jogue com” o investimento (público) ou “desperdice dinheiro” com o subsídio ao consumo.  

Pode-se mostrar, todavia, que o estímulo ao investimento privado não provê um método adequado de evitar o desemprego em massa. Existem aqui duas alternativas a serem consideradas: (a) a taxa de juro ou o imposto de renda, ou ambos, é fortemente reduzido na depressão e aumentado na prosperidade. Nesse caso, tanto o período como a amplitude do ciclo econômico serão diminuídos, mas o emprego estará longe de pleno não apenas na depressão, mas mesmo na prosperidade, isto é, o desemprego médio poderá ser considerável, embora suas flutuações sejam menos acentuadas; (b) a taxa de juro ou o imposto de renda é reduzido na depressão, mas não aumentado na subseqüente prosperidade. Nesse caso, a prosperidade durará mais tempo, mas deverá terminar em nova depressão: é claro que uma redução da taxa de juro ou do imposto de renda não elimina as forças que causam flutuações cíclicas numa economia capitalista. Na nova depressão será necessário reduzir novamente a taxa de juro ou o imposto de renda, e assim por diante. Assim, num tempo não muito remoto, a taxa de juro teria de ser negativa e o imposto de renda teria de ser substituído por um subsídio à renda. O mesmo aconteceria se tentasse manter o pleno emprego pelo estímulo ao investimento privado: a taxa de juro e o imposto de renda teriam de ser continuamente reduzidos.  

Em adição a essa fraqueza fundamental de combater o desemprego pelo estímulo ao investimento privado, existe uma dificuldade prática: é incerta a reação dos homens de negócio às medidas acima descritas. Se a depressão é forte, eles podem ter uma visão pessimista do futuro, e a redução da taxa de juro ou do imposto de renda pode então, por um longo período, não exercer qualquer influência sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e de emprego.  

Mesmo os que advogam o estímulo ao investimento privado para contrapor-se à depressão freqüentemente não se fiam só nisso, mas consideram que esse estímulo deveria ser associado ao investimento público. Parece, atualmente, que os “líderes empresariais” e seus assessores pelo menos parte deles tenderiam a aceitar como um PLUS além, a despesa pública financiada por empréstimo como um meio de aliviar as depressões. Mas eles ainda parecem opor-se firmemente tanto à criação de emprego pelo subsídio ao consumo como à manutenção do pleno emprego.  

Essa situação é talvez sintomática do futuro regime econômico das democracias capitalistas. Na depressão, ou pela pressão popular ou mesmo sem ela, o investimento público financiado por empréstimo será adotado para evitar o desemprego em larga escala. Mas se forem feitas tentativas de aplicar esse método a fim de manter o alto nível de emprego alcançado na subseqüente prosperidade, é provável que haverá uma forte oposição por parte dos “líderes empresariais”. Como já foi assinalado, um pleno emprego duradouro não é absolutamente do gosto deles. Os trabalhadores estariam “fora de mão” e os “capitães da indústria” estariam ansiosos por “ensinar-lhes uma lição”. Ademais, o aumento de preços na fase de prosperidade é desvantajoso para os pequenos e médios rentistas e os tornaria “aborrecidos”. Nessa situação é provável a formação de um poderoso bloco de grandes empresários e rentistas, que encontraria mais de um economista para declarar que a situação é claramente enferma. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes empresas, muito provavelmente induziria o Governo a retomar à política ortodoxa de corte do déficit orçamentário. Seguir-se-ia uma recessão, na qual a política governamental de despesa voltaria a seu sentido próprio.  

Esse padrão de “ciclo econômico político” não é inteiramente conjectural; alguma coisa de muito parecido aconteceu nos Estados Unidos em 1937- 38. A interrupção da prosperidade na segunda metade de 1937 deveu-se realmente à drástica redução do déficit orçamentário. De outro lado, na aguda recessão que se seguiu, o Governo prontamente reverteu à política de gastos.
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Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego
Michal Kalecki – postado em 27/07/2010

DOCUMENTO

O BNDES–TESOURO definitivo e a Alienação Geral!
Diretoria da AFBNDES – 26/05/2010
(arquivo em PDF)

ARTIGO
BNDES ILLIMITED?
Diretoria da AFBNDES – 24/11/2009
SEMINÁRIO
“O BNDES além da crise”
AFBNDES propõe debate sobre projetos que possam ir além do presente cenário nebuloso, seguindo a tradição nacional de ousar e se fortalecer na crise – 23/07/2009
“O BNDES além da crise”
Os bastidores do seminário na visão do coordenador 26/08/2009
EDITORIAL
BNDES - R$ 100 BILHÕES!
BNDES-Tesouro: premonição ou lógica?
O BNDES além da crise”

Diretoria da AFBNDES – 5/2/2009

CÍRCULO DO DESENVOLVIMENTO
BNDESOCIAL: o resgate do passivo social
De Eduardo Kaplan Barbosa, Gustavo Antonio Galvão dos Santos, Helio Pires da Silveira e Leonardo de Moura Perdigão Pamplona – 29/09/2008
BNDES-TESOURO
Por uma Política Monetária de Longo Prazo
De Hélio Pires da Silveira e Gustavo Antonio Galvão dos Santos – 21/08/2008
O BNDES sempre!
De Hélio Pires da Silveira – 21/08/2008
SIMPÓSIO CIDADE CIDADÃ
1 - A política do pleno emprego como prerrogativa da cidadania e base da estabilidade da democracia ampliada – 20/05/2008
2 - Síntese do projeto Cidade Cidadã – 20/05/2008
ESPECIAL
O discurso de posse de Luciano Coutinho no BNDES, em 2/5/2007