26 de setembro de 2008

CICLO BNDES – 1

BNDESOCIAL: o resgate do passivo social

“Inclusão social significa oferecer emprego e renda. Um conceito mais amplo, no entanto, deve incluir a necessidade de sermos felizes”.

Paul Singer

Eduardo Kaplan Barbosa (*)
Gustavo Antonio Galvão dos Santos (*)
Hélio Pires da Silveira (*)
Leonardo de Moura Perdigão Pamplona (*)

Este artigo segue a seqüência “BNDES sempre!” e “BNDES-TESOURO”, restando o “BNDES e o PAD”.

No “BNDES-TESOURO” lançamos a tese, respaldada na teoria das “Finanças Funcionais”, de Abba Lerner, em que o Banco, em convênio com o Tesouro, liberto das fontes fiscais e parafiscais, não teria limites de recursos para a promoção do Desenvolvimento & Pleno Emprego. Salientamos que o aumento da capacidade produtiva seria, ainda, um vetor deflacionário a médio prazo. Lembramos as restrições orçamentárias que o BNDES sofre, diante da forte demanda por financiamento e pelas oportunidades que surgem ao país neste novo século, representadas pela exploração das reservas do pré-sal e toda a sua demanda derivada; pelo desenvolvimento dos biocombustíveis; pelo atendimento da crescente necessidade de alimentos interna e externa e, ainda, primordialmente, pelo atendimento das nossas demandas sociais.

Na verdade, são 25 anos de baixo crescimento, resultando num PIB muito aquém do nosso potencial, com uma infra-estrutura depreciada e a renda concentrada, resultando em 30% de desempregados e subempregados, além de altos índices de violência.

Pleno Emprego e Cidadania

Reafirmamos que seguimos os conceitos das Finanças Funcionais, que hoje têm como um dos principais expoentes o professor Randall Wray, da Universidade de Kansas, EUA. É dele a afirmação que não é ético deixar pessoas desempregadas, por isso sustenta que o Estado, atuando como “Grande Governo” e dentro do conceito de “Empregador de Última Instância – EUI”, pode eliminar o desemprego histórico dos EUA, em torno de 5%. Wray, como já citamos nos artigos anteriores, esteve no BNDES no Seminário Projeto Cidade Cidadã, nos dias 9 e 10 de maio, organizado pelo Professor José Carlos Assis, que teve como objetivo apresentar e discutir experiências de programas de emprego garantido desenvolvidas com sucesso em diversos países.

Relembramos a recente atuação, nos EUA, da dupla Fed-Tesouro, agindo, respectivamente, como “Grande Banco” e “Grande Governo”, reduzindo a taxa de juros e fazendo emissões diretas de dinheiro para sustentar o nível de atividade e consumo, com a finalidade de evitar o desaquecimento econômico e o desemprego provocado pelo estouro da grande bolha especulativa a partir do fim de 2007.

Como desenvolvimentistas, não poderíamos deixar de estar alertas, e é de nossa responsabilidade revelar que o momento é propício para fortalecer a tese “BNDES-TESOURO – Por uma Política Monetária de Longo Prazo”, já que fica cada vez mais notório o protagonismo da ação estatal como vetor do desenvolvimento. Os próprios EUA dão claras indicações de que a sua retórica para os países em desenvolvimento, especialmente na América Latina, é a do “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”. A recente estatização de duas instituições do setor imobiliário e da AIG, gigante do setor de seguros, enterraram de vez qualquer possibilidade de sobrevivência das políticas neoliberais.

Nossa opção, uma vez deflagrada, deve focar na criação de nova capacidade e de novos empregos, numa perspectiva de médio e longo curso, a fim de atender a enorme dívida social decorrente de um quarto de século de atraso. Daí é natural a idéia da expansão da atuação da Área Social do BNDES, o BNDESOCIAL. Tecnicamente, é fácil atender o financiamento da construção de escolas, hospitais, prédios públicos, rede de saneamento, dentro de um plano pró-ativo em convênio com o Governo Federal: “Plano de Desenvolvimento Municipal e Regional”. Reafirmamos que é fácil, é extremamente fácil, porque não demanda: novas tecnologias, materiais importados, e nem precisa relembrar os efeitos positivos em cadeia que isso gera e a enorme demanda derivada do movimento inicial. Também não custa relembrar que o orçamento prévio – ex-ante – será apresentado ao Congresso Nacional. Hoje, para citar um exemplo, o crescimento da China está sendo continuado, porque o forte crescimento da demanda pública compensará a queda das exportações.

Seminário na Área Social

No dia 27 de agosto aconteceu um Seminário sobre Economia Solidária no Auditório Reginaldo Treiger. Organizado pelo Departamento de Economia Solidária da Área de Inclusão Social do BNDES, contou com a presença de Marcio Pochmann, presidente do Ipea e de Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária – SENAES/Ministério do Trabalho.

Marcio Pochmann trouxe algumas reflexões sobre as perspectivas para o desenvolvimento sustentável, elencadas a seguir:

Devido à excessiva concentração econômica atual é necessária a construção de um novo padrão civilizatório. Segundo ele, o poder político e a produção mundial se concentram em 500 empresas, cujo faturamento representa 44% do PIB mundial. “Como fazer governança desse novo sistema?”, indaga. O modelo da “Economia do Ter” representada pelo consumo de bens de alto valor só é permitido para 20% da população mundial.

Disse ainda que, se excluirmos a China da conta, veremos que a pobreza no planeta aumentou. Parta ele, insistir nesse padrão, é aprofundar o subdesenvolvimento.

O centro dinâmico industrial, com todos os seus empregos, se transferiu para a Ásia, com o modelo “toyotista” de planejamento centralizado no Estado, que permite “custos decrescentes com salários estáveis”. Este modelo veio se sobrepor ao “fordismo”, baseado na expansão do poder de compra do mercado consumidor. A nova estrutura econômica mundial caminha para que somente 2% da força de trabalho seja alocada na agricultura e 10% no setor industrial, o restante alocado no setor de serviços.

Segundo Pochmann, o desemprego pode ser solucionado a partir de uma quebra de paradigma quanto à necessidade de trabalho de cada um. Atualmente, dada a produtividade existente, é possível cada pessoa trabalhar 12 horas semanais, o restante do tempo podendo ser dedicado ao trabalho imaterial, lúdico.

O presidente do Ipea aposta que nesse novo padrão de sociabilidade baseado no conhecimento, o jovem deverá entrar no mercado de trabalho somente após os 25 anos. Ele ressalva que, no século 21, a educação e o aperfeiçoamento: “é para a vida toda!”

No caso do Brasil, Pochmann é crítico, lembra que a área econômica se preocupa com metas de inflação e de endividamento, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas desconsidera a área social. “A economia virou tema de debate, mas não a área social. Esta é uma terra de ninguém, totalmente fragmentada, sem coordenação. Distribuir terras para reforma agrária, por exemplo, é a parte mais fácil. Mas tem que haver escolas, postos de saúde, etc, próximos às áreas distribuídas. Como dar esse salto do ponto de vista das políticas públicas?”, indagou.

Pochmann afirmou que, no Ipea, está se discutindo com a Secretaria de Finanças do Ministério da Fazenda a criação de indicadores de orçamento (qualidade do gasto). “Constituímos seis grandes redes de integração e mobilização da inteligência nacional para avançar na criação de novos indicadores, como sustentabilidade, medição da riqueza imaterial, etc.”.

Por fim, disse que vê como uma possibilidade real para a inclusão, a economia solidária, por caminhar na direção dessa nova sociabilidade, onde a sustentabilidade sócio-ambiental é o conceito chave.

Outro palestrante deste seminário foi Paul Singer. Ele considera que responsabilidade social é dever do Estado e, portanto, considera melhor o governo cobrar impostos do que delegar ações públicas para entidades privadas. Para ele, a tendência que vê, hoje, é privatizar as tarefas públicas, “mas é preciso escolher quais atividades, pois nem todas são transferíveis”.

Singer defende um conceito mais ambicioso de inclusão social, que estaria em harmonia com o de economia solidária: “Originalmente, inclusão social significa oferecer emprego e renda. Um conceito mais amplo, no entanto, deve incluir a necessidade de sermos felizes”. Na economia solidária, um dos objetivos é a valorização do trabalho e do trabalhador, que é ao mesmo tempo dono do seu negócio. Se num primeiro momento os empreendimentos de economia solidária foram criados como solução para o desemprego, hoje eles se configuram como alternativa ao emprego de carteira assinada, por oferecem possibilidade de obtenção de renda conjugada com a liberdade e responsabilidade de ser seu próprio patrão. Citando Amartya Sem, economista indiano, afirmou que “desenvolvimento é liberdade para optar, e a sociedade deve patrocinar o básico para garantir essa liberdade”.

Quanto à “Educação Permanente”, concordando com Pochmann, Singer advoga que a escola democrática – ou autogestionária – é a essência da economia solidária. “Essa nova sociedade vem de nós e o Estado tem papel a desempenhar. A educação vitalícia (permanente durante toda a vida) não é apenas necessária, mas possível, se a entendermos como educação autônoma e no trabalho. Um trabalho não ‘emburrecedor’, mas que desaliena eemancipa o trabalhador – ressalvou. Para o Secretário Nacional do Trabalho, essa nova sociedade já está sendo construída no Brasil.

“Há muito interesse mundial pela economia solidária e nós estamos na vanguarda, apostando no desenvolvimento local a partir dos agentes públicos de desenvolvimento, que orientam e acompanham o desenvolvimento de atividades produtivas no campo da economia solidária”.

“No mundo desenvolvido se faz pressão pela responsabilidade social de empresas. É positivo que as empresas busquem fazer isso, mas não creio que seja possível substituir o Estado”, reiterou. Acrescentou ainda que a motivação das empresas é o lucro, e que a competição entre as grandes em busca de imagem é o que motiva a responsabilidade social.

Relacionando a economia solidária com a economia dominante, assumiu que há diferenças inegáveis em relação aos custos, pois quando se fala de competitividade, as empresas capitalistas “não têm espírito público, pois com os rivais no cangote elas são levadas a agir de forma predatória com a natureza e com seus empregados. Por sua vez, os empreendimentos solidários não são baseados na competição, mas na associação em redes e cadeias produtivas. Uma câmara discute preços entre os elos da cadeia. E os preços finais não são os de mercado, mas o preço justo. Existe inclusive a moeda hora de trabalho”, esclareceu.

Sintetizando, concordamos com ambos, e entendemos que, avançando com a parceria BNDES-TESOURO teremos capacidade para construir o novo: a vitalização de municípios e o desenvolvimento regional, por meio de projetos integrados que contemplem investimentos em infra-estrutura urbana, saneamento, transportes, saúde, educação e o estímulo ao desenvolvimento de cadeias produtivas baseadas nos princípios da autogestão, tanto no setor urbano e no rural, além do consumo sócio-ambientalmente consciente. Trabalho e renda com qualidade de vida, liberdade, participação e controle social.

A Área Social Expandida – O BNDESOCIAL e o BNDESOLIDÁRIO:

O antigo BNDE foi criado para construir a grande infra-estrutura nacional, participou no financiamento, expansão e consolidação das grandes empresas estatais: a Vale; a Petrobras; na consolidação do complexo siderúrgico, a Siderbrás; na consolidação do sistema elétrico, a Eletrobrás; e no de telecomunicações, a Telebrás.

Essa atuação induzia o investimento derivado nos setores automobilístico, auto-peças, metalurgia, bens de capital e contribuía para que a taxa média de crescimento do PIB  girasse em torno de 7% a.a. Infelizmente, ao país, a partir dos anos 60, sob nova ótica política, aos recursos do BNDE foram acrescentados a captação dos recursos externos para complementar o crescimento nacional. A infelicidade ocorreu na década seguinte, com a crise do petróleo. A necessidade de recursos externos adicionais para financiar a conta petróleo – e, posteriormente, o aumento dos juros americanos – levou à crise da dívida externa das décadas seguintes. Foi um longo período de desaquecimento econômico, com manutenção da concentração da renda e hipertrofia da atividade financeira, com aumento da precarização e da informalidade no mercado de trabalho.

A Área Social do BNDE – o “S” – foi criada neste contexto de crise, em 1982. Politicamente, tinha a finalidade de compensar as agruras do sistema concentrador desenvolvido nas décadas anteriores, e piorado a partir da década de 70. Até meados da década de 90, o enfoque da atuação social foi compensatório, mas a partir de fins dessa década, o BNDES, a partir de sua experiência, pôde construir programas de desenvolvimento social mais consistentes. Passou a atuar na modernização da gestão pública – PMAT, no desenvolvimento urbano – PMI, e em ações de incentivo aos microempreendedores sem acesso a crédito – PMC, que atuassem de forma coletiva ou não, por meio do microcrédito e do apoio a empresas industriais recuperadas pelos trabalhadores – PACEA, além de cooperativas de produção no contexto do fomento ao desenvolvimento regional e dos APLs – PROINCO.

Esses programas, desenhados para atender a ampla diversidade sócio-cultural brasileira, não tiveram condição de se universalizar, não apenas por dificuldades de se articular e de se desprender de modelos de análise de risco inadequados para atender as demandas de inclusão social, mas também por falta de recursos humanos e financeiros. De fato, desde os anos 90, o orçamento do “S” nunca foi suficiente para dar significância ao papel de promotor de inclusão social.

Assim, acreditamos que a AS, dentro do conceito BNDES-TESOURO, poderá ser a executora pró-ativa do Plano de Desenvolvimento Municipal e Regional – PDMR, no convênio BNDES-GOVERNO FEDERAL-ESTADUAL-MUNICIPAL. Nosso papel será financiar a infra-estrutura civil e acompanhar os programas de modernização da gestão pública, os investimentos multi-setoriais integrados e o incentivo às atividades econômicas regionais dentro do âmbito de programas da economia solidária.

Para a execução dessas tarefas será necessária a articulação do BNDES para a formação de uma Rede de abrangência nacional. A princípio, identificamos a participação acionária do BNDES para capitalização das atuais e formação de novas Agências de Fomento Estaduais – AGF’s. Isso inclui destacar funcionários para auxiliar na administração delas e acompanhar suas ações no escopo do PDMR.

O PDMR deverá fazer parte do processo de Planejamento Corporativo do BNDES, que está sendo conduzido de forma participativa pela gestão Luciano Coutinho.

O PDMR deve ser executado de forma sinérgica com a gestão macroeconômica feita pelo Ministério da Fazenda, de forma a não forçar em demasia a capacidade produtiva da economia e os níveis de preço.

O BNDES deve utilizar, ainda, Indicadores de Desenvolvimento Social para avaliar o impacto e a evolução do PDMR.

Portanto, explicitamos o conceito do BNDESOCIAL e BNDESOLIDÁRIO, significando dar relevância e recursos para a AS atuar de forma substantiva no resgate do passivo social.

Conclusão

O BNDES, sempre com uma visão estratégica do desenvolvimento, teve como prioridade, nos anos 50, o financiamento e o gerenciamento dos projetos para o desenvolvimento da infra-estrutura e a criação das grandes empresas estatais no setor de bens de capitais e de produção de insumos.

Para exemplificar, a equipe que criou o BNDE ajudou a pensar a Petrobras, criada um ano depois. Foram funcionários do BNDE que idealizaram e estruturam a Eletrobrás. O Plano de Metas foi elaborado e acompanhado principalmente por funcionários do BNDE. Foi no BNDE que Celso Furtado imaginou a criação da Sudene. Foram funcionários do BNDE que criaram o Cebrae, como órgão público e que no início dos anos 90 virou Sebrae como instituição para-pública. O BNDES foi o órgão responsável pela criação e apoio à maior parte da indústria brasileira de Bens de Capital.

A arquitetura pública de apoio ao desenvolvimento – onde esta instituição tinha papel fundamental – garantiu, através de financiamentos dos investimentos, a manutenção de taxas médias de crescimento de 7% a.a., até fins dos anos 70. Nesses anos, apesar do crescimento acelerado, havia a crítica correta de que a política econômica privilegiava o ca-pital em detrimento do desenvolvimento social. O governo da época alegava que era necessário o crescimento do bolo, para depois reparti-lo. Faltava o “S”.

Entretanto, o pior ainda estava por vir. Nos anos neoliberais da última década do século 20, por decisão do governo, o bolo foi dividido entre grandes empresários privados com diminuição absoluta da fatia dos trabalhadores. Mesmo nessa época, a criatividade dos funcionários do BNDES ainda conseguiu gerar frutos. Funcionários do BNDES idealizaram e criaram as bases para a mania pela Qualidade nos anos 90. Mania essa que foi fundamental para a sobrevivência da indústria nacional naqueles difíceis anos. Além disso, foi criada, ainda que timidamente, uma estrutura para o “S”.

Assim, acreditamos que, para nós desenvolvimentistas, é o momento do BNDES se tornar um “Grande Banco” de desenvolvimento, nas palavras de Wray – O BNDESOCIAL, o BNDESOLIDÁRIO. No século 21, fomentar a infra-estrutura sócio-ambiental e resgatar esse passivo que nos constrange, que fere o nosso senso de civilidade, diante de todo o potencial de riqueza que nosso país nos brinda, é o nosso dever prioritário.

Enfim, não se trata de redistribuir patrimônios atuais. Não percamos tempo com discussões políticas. Estamos falando em desenvolver o novo, com mão-de-obra, tecnologia e materiais que estão à disposição. Só precisamos adicionar vontade de realização.

Nossa casa precisa se tornar pró-ativa, e enraizar o espírito do Planejamento Estratégico, aproveitando a oportunidade aberta pelo grande processo de discussão dos rumos do BNDES que está sendo desenvolvido atualmente. Com intuito de avançar nossas idéias e contribuir nesse processo, discutiremos no próximo trabalho: “O BNDES e o PAD”.

(*) Economistas do BNDES.

Texto publicado na edição 872 do jornal VÍNCULO, em 26 de setembro de 2008