Eduardo
Kaplan Barbosa (*)
Gustavo Antonio Galvão dos Santos (*)
Hélio Pires da Silveira (*)
Leonardo de Moura Perdigão Pamplona (*)
Este
artigo segue a seqüência “BNDES sempre!” e
“BNDES-TESOURO”, restando o “BNDES e o PAD”.
No
“BNDES-TESOURO” lançamos a tese, respaldada
na teoria das “Finanças Funcionais”, de
Abba Lerner, em que o Banco, em convênio com o
Tesouro, liberto das fontes fiscais e
parafiscais, não teria limites de recursos para
a promoção do Desenvolvimento &
Pleno Emprego. Salientamos que o aumento
da capacidade produtiva seria, ainda, um vetor
deflacionário a médio prazo. Lembramos as
restrições orçamentárias que o BNDES sofre,
diante da forte demanda por financiamento e
pelas oportunidades que surgem ao país neste
novo século, representadas pela exploração
das reservas do pré-sal e toda a sua demanda
derivada; pelo desenvolvimento dos
biocombustíveis; pelo atendimento da crescente
necessidade de alimentos interna e externa e,
ainda, primordialmente, pelo atendimento das
nossas demandas sociais.
Na
verdade, são 25 anos de baixo crescimento,
resultando num PIB muito aquém do nosso
potencial, com uma infra-estrutura depreciada e
a renda concentrada, resultando em 30% de
desempregados e subempregados, além de altos
índices de violência.
Pleno
Emprego e Cidadania
Reafirmamos
que seguimos os conceitos das Finanças
Funcionais, que hoje têm como um dos principais
expoentes o professor Randall Wray, da
Universidade de Kansas, EUA. É dele a
afirmação que não é ético deixar pessoas
desempregadas, por isso sustenta que o Estado,
atuando como “Grande Governo” e dentro do
conceito de “Empregador de Última Instância
– EUI”, pode eliminar o desemprego
histórico dos EUA, em torno de 5%. Wray, como
já citamos nos artigos anteriores, esteve no
BNDES no Seminário Projeto Cidade Cidadã, nos
dias 9 e 10 de maio, organizado pelo Professor
José Carlos Assis, que teve como objetivo
apresentar e discutir experiências de programas
de emprego garantido desenvolvidas com sucesso
em diversos países.
Relembramos
a recente atuação, nos EUA, da dupla
Fed-Tesouro, agindo, respectivamente, como
“Grande Banco” e “Grande Governo”,
reduzindo a taxa de juros e fazendo emissões
diretas de dinheiro para sustentar o nível de
atividade e consumo, com a finalidade de evitar
o desaquecimento econômico e o desemprego
provocado pelo estouro da grande bolha
especulativa a partir do fim de 2007.
Como
desenvolvimentistas, não poderíamos deixar de
estar alertas, e é de nossa responsabilidade
revelar que o momento é propício para
fortalecer a tese “BNDES-TESOURO – Por uma
Política Monetária de Longo Prazo”, já que
fica cada vez mais notório o protagonismo da
ação estatal como vetor do desenvolvimento. Os
próprios EUA dão claras indicações de que a
sua retórica para os países em
desenvolvimento, especialmente na América
Latina, é a do “façam o que eu digo, não
façam o que eu faço”. A recente
estatização de duas instituições do setor
imobiliário e da AIG, gigante do setor de
seguros, enterraram de vez qualquer
possibilidade de sobrevivência das políticas
neoliberais.
Nossa
opção, uma vez deflagrada, deve focar na
criação de nova capacidade e de novos
empregos, numa perspectiva de médio e longo
curso, a fim de atender a enorme dívida social
decorrente de um quarto de século de atraso.
Daí é natural a idéia da expansão da
atuação da Área Social do BNDES, o BNDESOCIAL.
Tecnicamente, é fácil atender o financiamento
da construção de escolas, hospitais, prédios
públicos, rede de saneamento, dentro de um
plano pró-ativo em convênio com o Governo
Federal: “Plano de Desenvolvimento
Municipal e Regional”. Reafirmamos que é
fácil, é extremamente fácil, porque não
demanda: novas tecnologias, materiais
importados, e nem precisa relembrar os efeitos
positivos em cadeia que isso gera e a enorme
demanda derivada do movimento inicial. Também
não custa relembrar que o orçamento prévio
– ex-ante – será apresentado ao Congresso
Nacional. Hoje, para citar um exemplo, o
crescimento da China está sendo continuado,
porque o forte crescimento da demanda pública
compensará a queda das exportações.
Seminário
na Área Social
No
dia 27 de agosto aconteceu um Seminário sobre
Economia Solidária no Auditório Reginaldo
Treiger. Organizado pelo Departamento de
Economia Solidária da Área de Inclusão Social
do BNDES, contou com a presença de Marcio
Pochmann, presidente do Ipea e de Paul Singer,
secretário nacional de Economia Solidária –
SENAES/Ministério do Trabalho.
Marcio
Pochmann
trouxe algumas reflexões sobre as perspectivas
para o desenvolvimento sustentável, elencadas a
seguir:
Devido
à excessiva concentração econômica atual é
necessária a construção de um novo padrão
civilizatório. Segundo ele, o poder político e
a produção mundial se concentram em 500
empresas, cujo faturamento representa 44% do PIB
mundial. “Como fazer governança desse novo
sistema?”, indaga. O modelo da “Economia do
Ter” representada pelo consumo de bens de alto
valor só é permitido para 20% da população
mundial.
Disse
ainda que, se excluirmos a China da conta,
veremos que a pobreza no planeta aumentou. Parta
ele, insistir nesse padrão, é aprofundar o
subdesenvolvimento.
O
centro dinâmico industrial, com todos os seus
empregos, se transferiu para a Ásia, com o
modelo “toyotista” de planejamento
centralizado no Estado, que permite “custos
decrescentes com salários estáveis”. Este
modelo veio se sobrepor ao “fordismo”,
baseado na expansão do poder de compra do
mercado consumidor. A nova estrutura econômica
mundial caminha para que somente 2% da força de
trabalho seja alocada na agricultura e 10% no
setor industrial, o restante alocado no setor de
serviços.
Segundo
Pochmann, o desemprego pode ser solucionado a
partir de uma quebra de paradigma quanto à
necessidade de trabalho de cada um. Atualmente,
dada a produtividade existente, é possível
cada pessoa trabalhar 12 horas semanais, o
restante do tempo podendo ser dedicado ao
trabalho imaterial, lúdico.
O
presidente do Ipea aposta que nesse novo padrão
de sociabilidade baseado no conhecimento, o
jovem deverá entrar no mercado de trabalho
somente após os 25 anos. Ele ressalva que, no
século
21, a
educação e o aperfeiçoamento: “é
para a vida toda!”
No
caso do Brasil, Pochmann é crítico, lembra que
a área econômica se preocupa com metas de
inflação e de endividamento, como a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), mas desconsidera
a área social. “A economia virou tema de
debate, mas não a área social. Esta é uma
terra de ninguém, totalmente fragmentada, sem
coordenação. Distribuir terras para reforma
agrária, por exemplo, é a parte mais fácil.
Mas tem que haver escolas, postos de saúde, etc,
próximos às áreas distribuídas. Como dar
esse salto do ponto de vista das políticas
públicas?”, indagou.
Pochmann
afirmou que, no Ipea, está se discutindo com a
Secretaria de Finanças do Ministério da
Fazenda a criação de indicadores de orçamento
(qualidade do gasto). “Constituímos seis
grandes redes de integração e mobilização da
inteligência nacional para avançar na
criação de novos indicadores, como
sustentabilidade, medição da riqueza
imaterial, etc.”.
Por
fim, disse que vê como uma possibilidade real
para a inclusão, a economia solidária, por
caminhar na direção dessa nova sociabilidade,
onde a sustentabilidade sócio-ambiental é o
conceito chave.
Outro
palestrante deste seminário foi Paul Singer.
Ele considera que responsabilidade social é
dever do Estado e, portanto, considera melhor o
governo cobrar impostos do que delegar ações
públicas para entidades privadas. Para ele, a
tendência que vê, hoje, é privatizar as
tarefas públicas, “mas é preciso escolher
quais atividades, pois nem todas são
transferíveis”.
Singer
defende um conceito mais ambicioso de inclusão
social, que estaria em harmonia com o de
economia solidária: “Originalmente, inclusão
social significa oferecer emprego e renda. Um
conceito mais amplo, no entanto, deve incluir a
necessidade de sermos felizes”. Na economia
solidária, um dos objetivos é a valorização
do trabalho e do trabalhador, que é ao mesmo
tempo dono do seu negócio. Se num primeiro
momento os empreendimentos de economia
solidária foram criados como solução para o
desemprego, hoje eles se configuram como
alternativa ao emprego de carteira assinada, por
oferecem possibilidade de obtenção de renda
conjugada com a liberdade e responsabilidade de
ser seu próprio patrão. Citando Amartya Sem,
economista indiano, afirmou que
“desenvolvimento é liberdade para optar, e a
sociedade deve patrocinar o básico para
garantir essa liberdade”.
Quanto
à “Educação Permanente”,
concordando com Pochmann, Singer advoga que a
escola democrática – ou autogestionária –
é a essência da economia solidária. “Essa
nova sociedade vem de nós e o Estado tem papel
a desempenhar. A educação vitalícia
(permanente durante toda a vida) não é apenas
necessária, mas possível, se a entendermos
como educação autônoma e no trabalho. Um
trabalho não ‘emburrecedor’, mas que
desaliena eemancipa o trabalhador – ressalvou.
Para o Secretário Nacional do Trabalho, essa
nova sociedade já está sendo construída no
Brasil.
“Há
muito interesse mundial pela economia solidária
e nós estamos na vanguarda, apostando no
desenvolvimento local a partir dos agentes
públicos de desenvolvimento, que orientam e
acompanham o desenvolvimento de atividades
produtivas no campo da economia solidária”.
“No
mundo desenvolvido se faz pressão pela
responsabilidade social de empresas. É positivo
que as empresas busquem fazer isso, mas não
creio que seja possível substituir o Estado”,
reiterou. Acrescentou ainda que a motivação
das empresas é o lucro, e que a competição
entre as grandes em busca de imagem é o que
motiva a responsabilidade social.
Relacionando
a economia solidária com a economia dominante,
assumiu que há diferenças inegáveis em
relação aos custos, pois quando se fala de
competitividade, as empresas capitalistas
“não têm espírito público, pois com os
rivais no cangote elas são levadas a agir de
forma predatória com a natureza e com seus
empregados. Por sua vez, os empreendimentos
solidários não são baseados na competição,
mas na associação em redes e cadeias
produtivas. Uma câmara discute preços entre os
elos da cadeia. E os preços finais não são os
de mercado, mas o preço justo. Existe inclusive
a moeda hora de trabalho”, esclareceu.
Sintetizando,
concordamos com ambos, e entendemos que,
avançando com a parceria BNDES-TESOURO teremos
capacidade para construir o novo: a
vitalização de municípios e o desenvolvimento
regional, por meio de projetos integrados que
contemplem investimentos em infra-estrutura
urbana, saneamento, transportes, saúde,
educação e o estímulo ao desenvolvimento de
cadeias produtivas baseadas nos princípios da
autogestão, tanto no setor urbano e no rural,
além do consumo sócio-ambientalmente
consciente. Trabalho e renda com qualidade de
vida, liberdade, participação e controle
social.
A
Área Social Expandida – O BNDESOCIAL e o
BNDESOLIDÁRIO:
O
antigo BNDE foi criado para construir a grande
infra-estrutura nacional, participou no
financiamento, expansão e consolidação das
grandes empresas estatais: a Vale; a Petrobras;
na consolidação do complexo siderúrgico, a
Siderbrás; na consolidação do sistema
elétrico, a Eletrobrás; e no de
telecomunicações, a Telebrás.
Essa
atuação induzia o investimento derivado nos
setores automobilístico, auto-peças,
metalurgia, bens de capital e contribuía para
que a taxa média de crescimento do PIB
girasse em torno de 7% a.a. Infelizmente,
ao país, a partir dos anos 60, sob nova ótica
política, aos recursos do BNDE foram
acrescentados a captação dos recursos externos
para complementar o crescimento nacional. A
infelicidade ocorreu na década seguinte, com a
crise do petróleo. A necessidade de recursos
externos adicionais para financiar a conta
petróleo – e, posteriormente, o aumento dos
juros americanos – levou à crise da dívida
externa das décadas seguintes. Foi um longo
período de desaquecimento econômico, com
manutenção da concentração da renda e
hipertrofia da atividade financeira, com aumento
da precarização e da informalidade no mercado
de trabalho.
A
Área Social do BNDE – o “S” – foi
criada neste contexto de crise, em 1982.
Politicamente, tinha a finalidade de compensar
as agruras do sistema concentrador desenvolvido
nas décadas anteriores, e piorado a partir da
década de 70. Até meados da década de 90, o
enfoque da atuação social foi compensatório,
mas a partir de fins dessa década, o BNDES, a
partir de sua experiência, pôde construir
programas de desenvolvimento social mais
consistentes. Passou a atuar na modernização
da gestão pública – PMAT, no desenvolvimento
urbano – PMI, e em ações de incentivo aos
microempreendedores sem acesso a crédito –
PMC, que atuassem de forma coletiva ou não, por
meio do microcrédito e do apoio a empresas
industriais recuperadas pelos trabalhadores –
PACEA, além de cooperativas de produção no
contexto do fomento ao desenvolvimento regional
e dos APLs – PROINCO.
Esses
programas, desenhados para atender a ampla
diversidade sócio-cultural brasileira, não
tiveram condição de se universalizar, não
apenas por dificuldades de se articular e de se
desprender de modelos de análise de risco
inadequados para atender as demandas de
inclusão social, mas também por falta de
recursos humanos e financeiros. De fato, desde
os anos 90, o orçamento do “S” nunca foi
suficiente para dar significância ao papel de
promotor de inclusão social.
Assim,
acreditamos que a AS, dentro do conceito
BNDES-TESOURO, poderá ser a executora
pró-ativa do Plano de Desenvolvimento Municipal
e Regional – PDMR, no convênio BNDES-GOVERNO
FEDERAL-ESTADUAL-MUNICIPAL. Nosso papel será
financiar a infra-estrutura civil e acompanhar
os programas de modernização da gestão
pública, os investimentos multi-setoriais
integrados e o incentivo às atividades
econômicas regionais dentro do âmbito de
programas da economia solidária.
Para
a execução dessas tarefas será necessária a
articulação do BNDES para a formação de uma
Rede de abrangência nacional. A princípio,
identificamos a participação acionária do
BNDES para capitalização das atuais e
formação de novas Agências de Fomento
Estaduais – AGF’s. Isso inclui destacar
funcionários para auxiliar na administração
delas e acompanhar suas ações no escopo do
PDMR.
O
PDMR deverá fazer parte do processo de Planejamento
Corporativo do BNDES, que está sendo
conduzido de forma participativa pela gestão
Luciano Coutinho.
O
PDMR deve ser executado de forma sinérgica com
a gestão macroeconômica feita pelo Ministério
da Fazenda, de forma a não forçar em demasia a
capacidade produtiva da economia e os níveis de
preço.
O
BNDES deve utilizar, ainda, Indicadores de
Desenvolvimento Social para avaliar o
impacto e a evolução do PDMR.
Portanto,
explicitamos o conceito do BNDESOCIAL e
BNDESOLIDÁRIO, significando dar relevância
e recursos para a AS atuar de forma substantiva
no resgate do passivo social.
Conclusão
O
BNDES, sempre com uma visão estratégica do
desenvolvimento, teve como prioridade, nos anos
50, o financiamento e o gerenciamento dos
projetos para o desenvolvimento da
infra-estrutura e a criação das grandes
empresas estatais no setor de bens de capitais e
de produção de insumos.
Para
exemplificar, a equipe que criou o BNDE ajudou a
pensar a Petrobras, criada um ano depois. Foram
funcionários do BNDE que idealizaram e
estruturam a Eletrobrás. O Plano de Metas foi
elaborado e acompanhado principalmente por
funcionários do BNDE. Foi no BNDE que Celso
Furtado imaginou a criação da Sudene. Foram
funcionários do BNDE que criaram o Cebrae, como
órgão público e que no início dos anos 90
virou Sebrae como instituição para-pública. O
BNDES foi o órgão responsável pela criação
e apoio à maior parte da indústria brasileira
de Bens de Capital.
A
arquitetura pública de apoio ao desenvolvimento
– onde esta instituição tinha papel
fundamental – garantiu, através de
financiamentos dos investimentos, a manutenção
de taxas médias de crescimento de 7% a.a., até
fins dos anos 70. Nesses anos, apesar do
crescimento acelerado, havia a crítica correta
de que a política econômica privilegiava o
ca-pital em detrimento do desenvolvimento
social. O governo da época alegava que era
necessário o crescimento do bolo, para depois
reparti-lo. Faltava o “S”.
Entretanto,
o pior ainda estava por vir. Nos anos
neoliberais da última década do século 20,
por decisão do governo, o bolo foi dividido
entre grandes empresários privados com
diminuição absoluta da fatia dos
trabalhadores. Mesmo nessa época, a
criatividade dos funcionários do BNDES ainda
conseguiu gerar frutos. Funcionários do BNDES
idealizaram e criaram as bases para a mania pela
Qualidade nos anos 90. Mania essa que foi
fundamental para a sobrevivência da indústria
nacional naqueles difíceis anos. Além disso,
foi criada, ainda que timidamente, uma estrutura
para o “S”.
Assim,
acreditamos que, para nós desenvolvimentistas,
é o momento do BNDES se tornar um “Grande
Banco” de desenvolvimento, nas palavras de
Wray – O BNDESOCIAL, o BNDESOLIDÁRIO.
No século 21, fomentar a infra-estrutura
sócio-ambiental e resgatar esse passivo que nos
constrange, que fere o nosso senso de
civilidade, diante de todo o potencial de
riqueza que nosso país nos brinda, é o nosso
dever prioritário.
Enfim,
não se trata de redistribuir patrimônios
atuais. Não percamos tempo com discussões
políticas. Estamos falando em desenvolver o
novo, com mão-de-obra, tecnologia e materiais
que estão à disposição. Só precisamos
adicionar vontade de realização.
Nossa
casa precisa se tornar pró-ativa, e enraizar o
espírito do Planejamento Estratégico,
aproveitando a oportunidade aberta pelo grande
processo de discussão dos rumos do BNDES que
está sendo desenvolvido atualmente. Com intuito
de avançar nossas idéias e contribuir nesse
processo, discutiremos no próximo trabalho:
“O BNDES e o PAD”.
|