Hélio
Pires da Silveira (*)
Gustavo Galvão dos Santos (*)
Finalizamos
o último “BNDES sempre!” afirmando que, ao
contrário da dupla “Tesouro-Fed”, que atua
sintonizada com os níveis da atividade
econômica e o de desemprego nos EUA, aqui o
Banco Central, de forma independente, foca sua
atuação apenas na meta de inflação. Vemos,
preocupados, que a utilização unicamente da
elevação da taxa de juros de curto prazo,
apreciando o Real, poderá prejudicar seriamente
o balanço de pagamentos. Como contraponto,
apresentamos a tese de que o BNDES, atuando em
dupla com o Tesouro, e à luz das “Finanças
Funcionais”, poderia agir, à semelhança do
Tesouro-Fed, focado em metas de crescimento e
desenvolvimento.
Lembramos,
no texto, que o Brasil seguiu, na década de 90,
junto com outros países, os ditames do
“Consenso de Washington”, e o resultado
foram anos de baixo crescimento. Agora,
contrariando as regras do “Consenso”, as
autoridades norte-americanas agem como
“segurador e emprestador de última
instância”, cientes de suas responsabilidades
de manter a higidez e solvabilidade do seu
sistema financeiro privado, a despeito das
críticas dos economistas ortodoxos. Em resumo,
lembramos que, ao contrário da pregação
liberal, de minimização da atuação do
Estado, o mundo aprendeu desde os anos 30 “que
só a intervenção conjunta do ‘Grande
Governo’ e do ‘Grande Banco’, em outras
palavras, da dupla Banco Central-Tesouro,
corrige e segura os excessos das crises
financeiras recorrentes, bem como mantém a
Economia no rumo do pleno emprego”.
Então,
a partir da análise de nosso momento
econômico, vemos que o governo não está
aprendendo as verdadeiras lições que vêm do
Norte.
Nas
horas críticas, o Estado e o Congresso
norte-americanos autorizam gigantescas emissões
monetárias, sem contrapartidas fiscais, para
segurar as irresponsabilidades e excessos do
sistema financeiro. Em suma, neste momento,
deveríamos fazer o que eles fazem e não o que
eles “recomendam” que façamos.
Nesse
contexto, onde vemos, preocupados, a atuação
do nosso Banco Central voltado, apenas, para o
curto prazo, sem nenhuma visão estratégica,
nos sentimos na obrigação de lançar, ao
debate, nossa tese de atuação conjunta
BNDES-TESOURO, para atuação no médio e longo
prazos, visando Desenvolvimento & Pleno
Emprego.
Finanças
Funcionais
(Para
desenvolvermos a tese “BNDES-TESOURO – Por
uma Política Monetária de Longo Prazo”,
contamos com a colaboração de nosso colega
Gustavo Antônio Galvão dos Santos, economista
e Doutor
em Finanças Funcionais
pela UFRJ, que também participa do Conselho de
Colaboradores do Círculo do Desenvolvimento e
do Conselho Deliberativo da AFBNDES).
Nossa
preocupação é não perder a janela de
oportunidade que o contexto nacional e
internacional está nos oferecendo e não
desperdiçar o crescimento que estamos
vivenciando, que poderá ser abortado pela
elevação dos juros. Isto só beneficia os
“rentistas – detentores da dívida
pública”, além de prejudicar o equilíbrio
das contas externas. Por outro lado, nos
preocupamos com o não aproveitamento das
lições internacionais que estão minando a
“fortaleza do pensamento ortodoxo” e que nos
permitiriam avançar para uma verdadeira
política de desenvolvimento, para o resgate da
dívida social, e caminhar para o Pleno Emprego.
Mas,
afinal, o que são as Finanças Funcionais?
Finanças
Funcionais foi uma idéia desenvolvida pelo
economista keynesiano Abba Lerner, preconizando
que, dentro do conceito da “Demanda Efetiva”
de Keynes/Kalecki, nenhum Estado, livre emissor
de sua própria moeda, através do Tesouro,
está impedido de realizar gastos públicos de
forma não-inflacionária. Esse poder decorre da
capacidade de “impor” impostos,
porém a teoria mostra que não há qualquer
necessidade de metas fixas na relação entre
gastos e arrecadação. Ou seja, o valor do
déficit ou da dívida pública não é
restrição à capacidade de gasto do Estado,
como mostra claramente a experiência americana
atual e a história mundial.
Abba
Lerner propõe que, para manter a generalidade
da afirmativa acima, é necessário manter uma
política de câmbio flutuante, controle de
capitais e evitar restrições externas pela
assunção de grandes obrigações em outras
moedas sobre as quais não se tenha ingerência.
Ou seja: o volume correto de gastos públicos
não é aquele pregado pelas “Finanças
Saudáveis” do equilíbrio fiscal sob o regime
“moral” da “responsabilidade fiscal”,
mas, sim, aquele capaz de produzir o pleno
emprego sem gerar um processo de espiral
inflacionária.
Finanças
Funcionais é uma teoria extremamente simples e
lógica. Ela é coerente com diversas obviedades
que a ortodoxia econômica tenta esconder. Um
princípio básico é que o gasto só pode ser
realizado antes da arrecadação dos impostos.
Caso contrário, não haveria como as pessoas
pagarem os impostos, pois eles são pagos em
moeda estatal previamente emitida. E os impostos
precisam ser significativamente menores do que
os gastos públicos previamente realizados, caso
contrário, a maior parte da riqueza financeira
do setor privado retornaria para o governo. Há
uma imagem fácil de entender, se um governo
quer desenvolver uma região nova, ele precisa
primeiro contratar gastos, realizar
investimentos, pagar salários pela emissão de
dinheiro, para depois “impor” impostos (como
a palavra diz, imposto pelo Estado). Por essa
concepção o déficit público é necessário
para que o público detenha numerário em mãos,
na forma de moeda para as transações ou em
títulos públicos, no sentido de atender o
desejo das pessoas de deter um instrumento
público seguro de poupança.
É
importante que fique bem clara a idéia de que o
governo emite moeda ou títulos e “impõe”
impostos para realizar o funcionamento
econômico e levar a Economia ao Pleno Emprego.
Ele pode realizar investimentos públicos sem a
necessidade de um orçamento prévio e cobertura
de impostos, portanto, orçamento público é
apenas uma peça contábil de intenção de
gastos ou de investimento e não uma restrição
econômica real. Se o orçamento “ex-post”
se mostrar deficitário, diz apenas que o setor
privado está mais desejoso em reter ativos
financeiros públicos como reserva de valor do
que fazer gastos e investimentos, não gerando
base para o aumento significativo da
arrecadação de impostos. Ao contrário, se o
orçamento “ex-post” se mostrar
superavitário, antes de mostrar uma
“austeridade responsável”, diz apenas que o
investimento público induziu o setor privado a
gastar mais, e, portanto, gerou grande aumento
de impostos.
(Gustavo
Galvão se compromete a traduzir, didaticamente,
sua tese de Finanças Funcionais e
disponibilizá-la no Círculo do Desenvolvimento
para divulgação dos seus conceitos,
principalmente, no âmbito do BNDES).
Política
Monetária de Longo Prazo
A
partir do resumo dos conceitos das Finanças
Funcionais, podemos explicitar nossa tese do
BNDES-TESOURO: trata-se de livrar o BNDES das
amarras de fontes de financia-mentos prévios
baseadas em impostos.
Toda
a história do BNDES demonstra a importância e
responsabilidade da nossa Casa diante do
Desenvolvimento Nacional. Fomos competentes,
somos reconhecidos por todos os presidentes que
por aqui passaram como um corpo funcional de
excelência. O BNDES, ou seus técnicos, sempre
são lembrados quando se trata de uma missão
nova a ser desenvolvida no âmbito da burocracia
governamental. Que outro órgão de governo pode
dar respostas e soluções para questões sobre
energia, aviação, navegação, saneamento,
hospitais, políticas de emprego, inovação,
indústria, petróleo, transporte,
telecomunicações, software, meio ambiente,
exportações, infra-estrutura latino americana,
desenvolvimento regional, e até financiamento
de longo prazo?
Por
outro lado, apesar da reconhecida excelência,
esse órgão sempre esteve preso a fontes de
financiamentos prévios. Adicionais de Imposto
de Renda, Pis/Pasep, FAT, sempre estivemos
restritos a limites, impostos pelas “Finanças
Saudáveis”, conforme Abba Lerner – ou
“Finanças Responsáveis”, conforme Kalecki.
Se
o BNDES antes navegava relativamente bem com os
recursos limitados pela arrecadação de
impostos específicos, hoje essas restrições
estão se mostrando completamente disfuncionais.
O desenvolvimento do Brasil está hoje na sua
mais séria encruzilhada. O retorno do
crescimento econômico depois do quarto de
século de estagnação, o pré-sal, os
biocombustíveis, a volta da importância do
urânio e a necessidade de uma verdadeira
solução coletiva para a Amazônia elegeram o
Brasil como a mais nova potência mundial. Essa
eleição ainda se deu pelos grandes
estrategistas e pela imprensa internacional. O
Brasil ainda não acordou para essa realidade.
Ela ainda precisa do nosso aval. Vamos ser uma
potência ou voltar a ser uma colônia de
super-exploração de recursos naturais? A
experiência histórica dos grandes exportadores
de petróleo e recursos naturais costuma não
ser nada bonita. É uma história de sucessivas
revoluções, ditaduras, corrupção, golpes e
intervenções externas. O mundo está de olho
em nossas riquezas na plataforma submarina, na
Amazônia e em diversas partes do território.
Querem adquiri-las com o mínimo custo e sem
agregação de valor internamente. Como podemos
mudar isso? Com política pública e
financiamento de longo prazo.
Todavia,
o BNDES está operando no limite e está sem
condições de financiar essa fabulosa mudança
de patamar. Se quisermos transformar o pré-sal
em riqueza para a população, teremos de
produzir as plataformas, navios e quase dobrar
nossa capacidade de refino de petróleo. Só
isso demandará centenas de bilhões de
dólares. Temos ainda que investir na Amazônia,
nos biocombustíveis, na produção extra de
energia elétrica. Mas não podemos esquecer
nossas outras responsabilidades. A indústria
brasileira sempre precisou do BNDES, em
particular agora com taxas de juros tão altas.
As pequenas empresas precisam de maior
atenção. A infra-estrutura do país está
deficiente. O BNDES tem ainda o lado social que
cada vez é mais importante. Isso significa que
o orçamento do BNDES precisa mudar de patamar.
E isso não vai acontecer com aumento de
impostos. O aumento de impostos significa tirar
recursos de uma aplicação presente para se
colocar
em outra. Mas
o momento é de investir, para isso é preciso
financiamento. Um casal recém-casado enfrenta
sempre uma encruzilhada. Precisa de
financiamento para comprar sua casa própria,
pois se ficar 20 anos pagando aluguel,
desperdiçará a chance de construir uma
família com segurança e qualidade de vida. O
Brasil está em situação parecida: vamos
construir nosso novo lar, mais justo e com maior
conforto com as novas riquezas descobertas, ou
vamos vacilar por medo e deixar a riqueza
escorrer pelos nossos dedos para o exterior?
Precisamos
mudar o patamar do investimento nacional e, para
isso, um novo BNDES será fundamental. Será o
BNDES do pré-sal, o BNDES-TESOURO.
Imaginem
o BNDES livre das falsas restrições da
arrecadação parafiscal para realizar os
investimentos necessários; imaginem o BNDES
associado ao TESOURO, BNDES-TESOURO, e
restringido apenas pelos limites naturais
representados pela plena utilização da
mão-de-obra e pelos recursos abundantes de
nossa natureza. Imaginem um BNDES pró-ativo,
apresentando para a sociedade e para o Congresso
um Plano de Desenvolvimento Municipal e Regional
com cronograma e execução físico-financeira
determinado. O BNDES ficaria restrito à
apresentação de um Orçamento Indicativo (“ex-ante”)
ao Congresso Nacional, e um Demonstrativo de seu
desempenho ao término do ano fiscal (“ex-post”).
O
BNDES-TESOURO, livre de conceitos micros, do
tipo lucro/retorno, fontes de financiamento, e
preocupado, apenas, com os aspectos macros, tais
como: custo/benefício, avaliação do efeito
multiplicador do BNDES na taxa de crescimento do
PIB, efeito gerador de impostos e investimentos
derivados. É tecnicamente possível, no âmbito
das Finanças Funcionais, e politicamente
começa a ser viável pela aceitação do
conceito, primeiramente, por uma parcela
significativa do corpo funcional.
E
a inflação?
Como
muitos já entenderam, os recursos de um órgão
de desenvolvimento de longo prazo só são
liberados nas comprovações da efetivação do
aumento da capacidade produtiva, significando
dizer que, como eles estão condicionados ao
aumento da produção, estarão contribuindo com
um vetor deflacionário no médio prazo.
Enfim,
um novo conceito, no primeiro momento, enfrenta
naturalmente desconfiança, entretanto, se ele
tem uma base sólida e um terreno fértil, ele
certamente frutificará!
E
ainda reduz a dívida pública!
Segundo
a teoria das Finanças Funcionais, o aumento da
dívida pública é resultado apenas do aumento
da riqueza da sociedade, pois na medida em que
essa acumula riqueza em investimentos
imobilizados, como fábricas e casas, precisa
ter um colchão de liquidez para garantir as
transações, o pagamento das dívidas, dos
impostos e uma reserva precaucionária. Essas
coisas só podem ser supridas por títulos ou
moeda pública, porque os títulos privados
estão sempre associados à dívida privada,
não aumentam a liquidez da economia. Aumentar a
dívida pública não é critério para
restringir um investimento público.
Todavia
o BNDES-TESOURO ainda reduz muito a dívida
pública!
Quando
o Tesouro repassa recursos para o BNDES
emprestar para o setor privado fazer
investimentos, não está aumentando a dívida
publica, pois o governo federal está adquirindo
um título do setor privado. Quando o tomador
receber esse dinheiro, colocará na sua conta
corrente, que levará o banco privado a adquirir
títulos públicos. Isso tende a aumentar a
emissão de dívida pública, mas sempre menos
do que o valor do investimento. Ou seja, de
imediato há uma pequena redução da dívida
líquida. Todavia, na medida em que o setor
privado realiza os investimentos, aumenta a
renda da economia através da aquisição de
equipamento e obras. Isso gera de imediato um
significativo aumento de impostos – 35%
do valor do investimento, segundo nossa carga
tributária.
Mas
não é só isso, numa hipótese bem
conservadora, no mínimo 70% do valor do
investimento retornará em impostos nos três
anos posteriores ao investimento, em
decorrência do efeito multiplicador. Se
considerarmos os efeitos em cadeia e as
economias externas decorrentes do investimento,
é muito provável que boa parte dos
investimentos financiados pelo BNDES retornem
100% em impostos poucos anos após o
financiamento, eliminando toda a dívida
pública que o financiamento possa ter gerado. E
o setor privado ainda tem que pagar o
financiamento com juros, o que fará com que a
dívida pública líquida se reduza em
decorrência dos financiamentos do BNDES. Isso
vale independentemente da diferença entre a
Selic e a TJLP, a menos que o valor da Selic
seja completamente absurdo, como 40% ao ano.
Situação
precária
Nos
dias que antecederam a produção desse texto,
acompanhamos o esforço do presidente Luciano
Coutinho junto ao Conselho de Administração,
em busca de mais recursos do FAT, para
complementar a necessidade de financiamento,
diante da boa demanda de novos empréstimos para
o crescimento econômico.
Quanto
tempo demorará para os dirigentes desse país
entenderem que têm, ao seu dispor, um poderoso
instrumento de Desenvolvimento, bastando, para
isso, rever conceitos retrógrados e desgastados
diante das novas evidências internacionais?
Quando nos livraremos dessa situação
precária?
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