Colegas Benedenses,
Vivemos um dos momentos mais graves
da história do Banco. Pedimos a
atenção e reflexão de todos.
A
imprensa vem noticiando há duas
semanas que uma mudança na
metodologia de cálculo da TJLP está
em curso. Trata-se de uma mudança
profunda na precificação do crédito
do BNDES, com impactos
significativos sobre o Banco e sobre
o investimento em capital fixo no
Brasil. A mudança basicamente
consiste em que a TJLP flutuará como
uma taxa de juros de mercado, mais
especificamente a taxa de juros de
títulos do governo federal de "longo
prazo" (NTN-B de cinco anos). A
proposta está em estado adiantado de
elaboração, uma vez que há
informações de que um projeto de lei
está para ser encaminhado ao
Congresso Nacional.
Onde essas mudanças vêm sendo
planejadas? Dentro do próprio BNDES,
por um pequeno grupo ligado à
Diretoria. Parece que há alguns
meses trabalham no tema. Depois que
a imprensa publicou o que está
acontecendo, a Diretoria resolveu,
no final da semana passada,
comunicar aos superintendentes a
mudança em curso.
A
Diretoria da AFBNDES possui algumas
posições sobre o tema e gostaríamos
de compartilhá-las com os
funcionários do Banco. Essas
posições dizem respeito a três
questões: sobre transparência na
relação entre Diretoria do Banco e
quadro funcional; questões
preliminares sobre a natureza da
proposta de precificação da TJLP; e
sobre a natureza da luta em defesa
do BNDES.
Em
primeiro lugar, não podemos aceitar
que um projeto de lei dessa
importância seja encaminhado para
Brasília sem a devida discussão com
a Casa. Isso é um desrespeito
completo ao quadro funcional. Não
adianta mencionar retoricamente, em
encontros sociais internos, que se
preza a capacitação técnica dos
funcionários do BNDES e, ao mesmo
tempo, redefinir a forma de atuação
da instituição sem nenhum debate
interno. Pelo que podemos julgar,
não fosse a imprensa, talvez nem os
superintendentes estivessem a par da
mudança de curso à vista.
Em
segundo lugar, é fundamental que os
funcionários do BNDES avaliem a
proposta de uma perspectiva
ampliada, buscando captar o sentido
mais profundo das mudanças em curso.
Nesse sentido, é preciso olhar a
proposta de nova TJLP à luz das
demais propostas que a atual
Diretoria encaminhou e está
encaminhando para entender como
devemos reagir a elas. A pergunta
que todos devemos fazer é para onde
está apontando uma Diretoria que
reduz deliberadamente o funding de
longo prazo do BNDES, e agora propõe
uma TJLP de mercado? Além da
possível elevação da taxa de juros
de longo prazo, bem como do aumento
de sua instabilidade, talvez a mais
grave consequência da medida seja a
mudança do papel que até hoje se
atribuiu à TJLP.
A
TJLP tem sido tratada como a taxa
que deveria incentivar ou induzir o
setor privado em direções
consideradas meritórias pelo governo
(onde, por exemplo, para citar um
clichê que a atual direção costuma
fazer uso, como se fosse uma
orientação mais concreta do que
realmente é: "os benefícios sociais
são maiores que os privados").
Note-se que essa é a interpretação
prevalecente, não apenas numa
abordagem desenvolvimentista, ligada
à tradição do BNDES, ou mesmo
prevalecente na administração do
professor Luciano Coutinho, mas
também é a visão que está implícita
na Política Operacional (PO) recém
lançada, com toda pompa e
coordenação midiática! Pois é,
contraditoriamente, a nova TJLP vai
de encontro ao papel da TJLP
presente na nova PO.
Historicamente, é fundamental que
todos tenham conhecimento disso, a
mudança de precificação do crédito
do BNDES na direção de uma taxa de
mercado faz parte do que já foi
chamado de "Proposta Arida". O
economista e ex-presidente do BNDES
Pérsio Arida, num texto para
discussão da Casa das Garças de
2005, sugeriu um conjunto de
reformas para os chamados mecanismos
compulsórios de poupança, em
referência à forma como operam BNDES
e a Caixa Econômica (o texto é
facilmente acessado na internet,
"Mecanismos Compulsórios e mercado
de capitais: proposta de política
econômica". Desde então o
ex-presidente tem se empenhado numa
cruzada anti BNDES e Caixa
Econômica, que pode ser acompanhada
em vários vídeos no Youtube). Além
da precificação por taxas de
mercado, a proposta prevê também
mudanças na gestão do FAT. Ao invés
de confiar na administração dos
recursos dos fundos pelo BNDES,
Arida sugere "leilões em que
instituições financeiras privadas
competiriam pela aplicação dos
recursos do FAT ou do FGTS em
setores ou atividades
pré-selecionados. Essas modificações
atenuariam os efeitos do monopólio
exercido pela CEF e pelo BNDES e
reduziriam o escopo de pressão dos
grupos de interesse". Não pode haver
dúvida quanto à visão de mundo ao
qual a proposta da nova TJLP está
vinculada. Não podemos discutir a
proposta de mudança de precificação
desligada da direção para a qual ela
aponta. Do nosso ponto de vista,
ontem anteciparam o pagamento de um
funding precioso para o banco; hoje
estamos propondo a precificação do
crédito a mercado; amanhã estaremos
possivelmente sendo mais uma vez
surpreendidos com a notícia da
organização dos leilões mencionados
na citação acima.
Nossa terceira consideração diz
respeito à legitimidade da luta em
defesa do Banco. O BNDES é uma
conquista histórica do povo
brasileiro. Se democraticamente for
compreendido que a instituição deve
sair de cena para deixar o setor
financeiro privado assumir as
funções de promoção de política de
desenvolvimento e política
industrial, temos que aceitar, isso
é parte do jogo democrático. Vimos
nos EUA um debate eleitoral que opôs
visões diferentes sobre uma
instituição afim, como é o Exim Bank.
Que se discuta em eleições futuras o
que se espera do BNDES, até mesmo a
necessidade de sua existência, mas
não podemos aceitar que se esvazie
uma instituição dessa importância
para o Brasil com campanhas de
mídia. Não temos medo do debate
democrático nacional. Temos
convicção que nenhum candidato a
presidente ganhará eleição
prometendo desmantelar o BNDES como
indutor do desenvolvimento nacional.
Que se estabeleça o debate sobre o
BNDES, que a proposta Arida seja
apresentada, de forma transparente,
num debate democrático.
Finalmente, caros e caras colegas,
nosso diagnóstico é que o momento é
gravíssimo. Ao mesmo tempo, não é
hora para abatimentos, para
desesperança. Podemos muito se
estivermos unidos. Sabemos também
que não somos os senhores da
verdade, longe disso, vemos nosso
papel de forma modesta. Queremos
apenas o debate, internamente e na
sociedade brasileira. Na discussão
sobre a devolução antecipada dos 100
bi, vimos como o debate pode
transformar o que aparentemente são
grandes justificativas técnicas em
discutíveis estratégias de imagem e
adesão a valores culturais
autoritários.
Enquanto isso, acompanhamos como os
tradicionais centros do saber
econômico (universidades americanas
e europeias, FMI, Banco Mundial
etc.) estão questionando a validade
de diversas premissas teóricas
consideradas até a crise de 2008
como canônicas, inclusive a relação
entre juros e inflação (vide recente
artigo de André Lara Rezende). Temos
observado como o debate
internacional sobre as necessidades
de investimento em infraestrutura,
no mundo desenvolvido e emergente,
está levando à formação de um
consenso sobre a importância do
papel dos bancos de desenvolvimento
para o financiamento de longo prazo
(e a recuperação das economias em
crise).
Nesse intuito, a Diretoria da
AFBNDES conclama todos os
funcionários do BNDES a refletir
sobre os rumos do BNDES e sobre as
consequências do desmantelamento da
instituição para o desenvolvimento
brasileiro. Estamos abertos para o
debate e para o contraditório.
Precisamos reunir forças e nos
articular com amplos setores da
sociedade civil para que essa
discussão tenha na Casa o seu centro
referencial, mas que extrapole as
fronteiras internas e se transforme,
de forma democrática, em um amplo
debate nacional. E, principalmente,
conclamamos os funcionários a que
manifestem aos seus superiores o
entendimento de que não estão de
acordo com o envio de uma proposta
de projeto de lei sem a prévia
discussão na Casa. Contamos com
vocês.
A Diretoria da AFBNDES |