Advogados, funcionários do Banco
Nacional de
Desenvolvimento
Econômico e Social –
BNDES e demais juristas
e entidades que assinam
o presente documento vêm
a público manifestar o
seu repúdio às conduções
coercitivas
injustificadas de
empregados do BNDES,
ocorridas na manhã de
doze de maio de 2017,
realizadas pela Polícia
Federal, para prestarem
depoimento no âmbito da
Operação "Bullish".
Conforme amplamente
noticiado, na manhã do
último dia doze, a
Polícia Federal cumpriu
trinta e sete mandados
de condução coercitiva
nas residências de
funcionários e de
ex-funcionários
aposentados do Sistema
BNDES. Tais mandados,
expedidos pelo Juiz
Federal Substituto da
10ª Seção Judiciária do
Distrito Federal,
Ricardo Augusto Soares
Leite, a pedido do
Ministério Público
Federal e da Polícia
Federal, determinavam a
condução dos
funcionários e
ex-funcionários à
Polícia Federal para
prestar esclarecimentos
relativos à "Operação
Bullish", a qual,
conforme a decisão
judicial, relaciona-se a
"inquérito policial com
o escopo de apurar
supostas irregularidades
na concessão de apoios
financeiros pela
BNDESPAR Participações
S/A, subsidiária
integral do BNDES, à
empresa JBS S/A, a
partir de junho de
2007".
Independentemente de
qualquer consideração
acerca dos fatos
investigados em si, os
signatários repudiam as
conduções coercitivas
realizadas,
desnecessárias e
desproporcionais, em
desrespeito aos direitos
fundamentais dos
conduzidos,
caracterizando-se como
conduta abusiva por
parte do Estado.
A
chamada condução
coercitiva é medida
prevista no Código de
Processo Penal (CPP -
Decreto-Lei 3.689 de
1941, artigos 218 e 260)
quando acusados e
testemunhas "não
atenderem à intimação
para o interrogatório,
reconhecimento ou
qualquer outro ato que,
sem ele, não possa ser
realizado", em processo
judicial criminal.
Assim, depreende-se que
a lei somente autoriza o
uso da condução
coercitiva, medida de
exceção por natureza,
quando,
injustificadamente, o
intimado deixa de
comparecer à audiência
na qual o seu depoimento
seria tomado.
As
mencionadas conduções
coercitivas, realizadas
em massa, incluindo a de
uma grávida de 40
semanas, atentaram, de
forma manifesta, contra
o texto do mencionado
dispositivo legal e,
sobretudo, contra o
sistema de garantias
individuais
constitucionalmente
estabelecido, na medida
em que efetuadas em fase
investigativa (ou seja,
antes do ajuizamento de
ação judicial) e
direcionada a pessoas
que não foram intimadas
previamente a prestar
esclarecimentos ao órgão
policial (ou seja, que
não se recusaram a
colaborar, o que
justificaria o uso da
força policial). Não se
pode admitir o emprego
de métodos
constrangedores e
violentos de forma
injustificada, quando os
órgãos investigativos
dispõem de outros meios
para perseguir a
verdade.
Importante frisar que os
conduzidos possuem
domicílio e emprego
fixos e conhecidos e
que, em nenhum momento,
deixaram de colaborar
com o esclarecimento de
fatos sob investigação
de órgãos competentes.
Vários dos atingidos
pela medida já haviam,
em outros momentos,
prestado esclarecimentos
à Polícia Federal e a
outros órgãos, fosse de
forma voluntária ou
atendendo à regular
intimação.
Por outro lado, a
decisão judicial não
fundamenta ou apresenta
os motivos que
justificariam a adoção
de medida tão extrema.
Lamentavelmente, o uso
indiscriminado de
conduções coercitivas
vem se tornando uma
triste realidade, o que
já ensejou o ajuizamento
de duas Arguições de
Descumprimento de
Preceitos Fundamentais
(ADPF 395 e 444), tendo
sido esta última
ajuizada pela Ordem dos
Advogados do Brasil,
questionando justamente
a condução coercitiva na
fase investigativa,
entendendo haver, em
linhas gerais, violação
dos preceitos
fundamentais da
imparcialidade, do
direito ao silêncio, do
direito de não produzir
prova contra si mesmo,
do princípio do sistema
penal acusatório, do
devido processo legal,
da ampla defesa e do
contraditório,
questionando, ainda, a
violação literal ao
texto da lei de se
determinar a condução
coercitiva sem prévia
intimação para
comparecimento à
autoridade pública.
Este cenário se revela
ainda mais assustador,
quando se verifica que a
medida foi requerida por
instituições que tem
como atribuições e
competências garantir o
adequado cumprimento da
lei e dos ditames
constitucionais, e que
teve o respaldo do
Judiciário.
Percebe-se, pois, a
semente potencial de um
estado policialesco em
que pessoas são
arrancadas de suas casas
sem motivo nem
fundamento e conduzidas
para prestarem
depoimentos que poderiam
ser prestados, de forma
não traumática nem
violenta, dentro dos
ditames da legislação e
sem nenhum prejuízo à
rapidez ou eficiência
das investigações. Há
que se ressaltar que
cenário semelhante já
foi vivenciado em outros
tempos pela sociedade
brasileira e há muito
superado pelo processo
de democratização do
País. Não podemos e não
queremos retroceder a
tempos sombrios da
história recente
brasileira dominada pelo
autoritarismo e
violência.
Por certo, repita-se,
não se questiona a
legitimidade da
investigação de fatos
que, em primeira
análise, possam parecer
irregulares. Mas a
investigação deve
respeitar os limites
legais e constitucionais
estabelecidos, sem se
valer de métodos que
violem as garantias
fundamentais já
abordadas.
A
banalização de tais
medidas, usadas
indiscriminadamente,
padroniza o excesso, a
violência, a injustiça e
a grave inobservância
dos direitos individuais
fundamentais de todos
nós. Não se pode correr
o risco que esta ação
traz para o futuro da
nossa sociedade.
Todos compartilhamos do
desejo de que
investigações sérias e
eficazes a respeito de
quaisquer ilegalidades
cometidas no País sejam
realizadas, levando ao
efetivo esclarecimento
dos fatos e eventual
responsabilização, mas
insistimos que tais
investigações devem
respeitar os direitos
fundamentais de todos os
investigados, bem como
aos princípios básicos
de um Estado Democrático
de Direito.