Opinião

Edição nº1359 – quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Vida longa ao fomento!

Lucas Linhares e Bruna Casotti

Economistas do BNDES

Nos últimos anos, o BNDES tem passado por importantes transformações, com impactos estruturais na sua forma de atuação. O elemento catalisador desse processo foi a instituição da TLP como principal indexador dos contratos de crédito celebrados a partir de 2018. Com isso, o Banco passou a ter uma estrutura de funding referenciada a condições de mercado. Essa novidade, conjugada a um longo período de recessão econômica (o país caminha para o sexto ano consecutivo de crescimento medíocre ou negativo), baixíssimo investimento e convergência da taxa básica de juros para um patamar historicamente baixo, formaram um cenário que ensejou um reposicionamento amplo do Banco, envolvendo inovações no portfólio de produtos e busca por maior fluidez e agilidade nos processos associados, com destaque para a digitalização intensiva dos canais de crédito indireto (ADIG); a criação de novos produtos diretos com esteiras semiautomáticas (Finame Direto, Crédito Direto Médias Empresas, BNDES Direto 10); e a instituição do processo de habilitação, que alterou de forma significativa o fluxo operacional e a forma de acesso do cliente ao BNDES.

Um componente importante do reposicionamento do Banco face ao cenário acima descrito foi justamente a estruturação de um novo arcabouço de relacionamento com o cliente. A criação de uma Área de Fomento (AFO) derivou da compreensão sobre a necessidade de realizar uma gestão estratégica das ações de fomento do BNDES, que permitisse a identificação de oportunidades de investimento e a intensificação da busca ativa por novos clientes potenciais em todas as regiões do país.

Nesse sentido, foi posto em marcha um esforço inédito de inserção regional do BNDES. Os escritórios regionais do Banco (DENOC-Brasília-DF, DESUL-São Paulo-SP e DENOR-Recife-PE), antes com funções principalmente de representação institucional e apoio operacional, foram mobilizados para foco intensivo em ações de fomento e originação de negócios, estabelecendo relacionamento ativo e sistemático com os atores de suas respectivas regiões. No Rio de Janeiro, uma equipe de gestão e inteligência de prospecção ficou responsável por delinear a estratégia, definir públicos-alvo e as táticas de fomento; coordenar a interlocução com as áreas operacionais que são responsáveis pela análise e contratação das operações captadas; além de monitorar e reportar os resultados.

E os resultados são dignos de nota. Em pouco mais de um ano de atividades, foram captadas 62 novas operações diretas, que correspondem a R$ 2,4 bilhões em carteira de crédito. São operações de tíquete médio de R$ 38 milhões, um pouco menor que o observado historicamente nas operações diretas do BNDES. Esse perfil de operações menores pode ser explicado, por um lado, pela já mencionada baixa propensão conjuntural a investir, mas, por outro lado, pelo apoio a um perfil de cliente também de porte menor que o observado historicamente, o que promove a diversificação da carteira de crédito e caracteriza a aproximação do BNDES com clientes que enfrentam maior restrição de crédito, usualmente premidos por uma oferta bancária curtoprazista e de custo elevado, incompatível com suas necessidades de investimento e planos de crescimento sustentado.

Adicionalmente a esse volume de operações tramitando internamente no BNDES, há um pipeline de R$ 5,6 bilhões já em estágio maduro (em processo de habilitação) e outras oportunidades estimadas em R$ 14,8 bilhões em estágios mais iniciais de prospecção.

Além dos resultados operacionais concretos acima descritos, é possível observar ganhos intangíveis de imagem e reputação para o BNDES junto à sociedade. A construção de um relacionamento próximo com atores locais dos setores público e privado impulsiona a percepção do BNDES como potencial parceiro de longo prazo para apoiar dinâmicas econômicas regionais. Nos trabalhos de prospecção, foram abordados mais de 1.700 clientes potenciais, em 500 municípios do país. Vale destacar que 97% desse público não tinha relacionamento direto com o BNDES e que 51% desses clientes estão sediados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (regiões que respondem por 29% do PIB nacional).

Para a estruturação das ações de fomento, foram desenvolvidos instrumentos de inteligência para suporte à prospecção e gestão do pipeline. A Cosmobase, acessível para utilização de todo o Banco, é uma ferramenta que integra um amplo conjunto de informações disponíveis sobre mais de 30 mil empresas com potencial de tomar crédito direto junto ao BNDES, das quais 17 mil não têm nenhum relacionamento com o BNDES. Essa ferramenta facilita a caracterização dos públicos e a busca por clientes potenciais com maior aderência aos propósitos estratégicos do BNDES, o que tende a tornar as abordagens de fomento mais efetivas.

Cabe destacar também a implantação de um sistema de CRM (gestão de relacionamento com o cliente) que permite visão atualizada sobre o status de cada uma daquelas 1.700 oportunidades de fomento trabalhadas, além de análises agregadas que subsidiam a gestão da carteira por parte dos agentes de fomento e o acompanhamento dos resultados pelos comitês gerenciais. Permite ainda conhecer e entender as razões de insucesso mais frequentes, o que gera aprendizado para eventuais propostas de mudanças em processos ou produtos. Assim, as informações contidas no CRM dão visibilidade sobre tudo ao que acontece antes de um cliente chegar ao BNDES e oferece visão consolidada sobre o perfil da carteira futura, indicando ações antecipativas, correções de rota e redirecionamento dos esforços caso se identifique algum descompasso entre o pipeline em fomento e as diretrizes estratégicas da instituição.

A reestruturação organizacional em curso no BNDES sinaliza uma inflexão de diretriz estratégica que reorienta o foco do Banco rumo à prestação de serviços de estruturação e construção de soluções financeiras voltadas para o setor público. O aprendizado e o ativo gerado pela Área de Fomento certamente têm a contribuir nesse novo cenário e parte de suas atividades está sendo incorporada pela nova Área de Governos e Relacionamento Institucional.

É importante preservar e dar continuidade também ao legado das ações de fomento realizadas junto aos setores produtivos privados. O compromisso com o desenvolvimento produtivo e a geração de emprego é constitutivo da ação do BNDES, em especial se considerarmos sua fonte principal de funding, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ademais, não há Estado ou governo sólido sem um setor produtivo dinâmico, que gere empregos de qualidade e recolha os impostos que vão contribuir com a solidez fiscal e o financiamento da prestação de serviços públicos que impactam a qualidade de vida da população.

Os passos dados pela AFO são bastante recentes, o que limita uma avaliação mais acurada dos impactos do seu legado. Porém, os resultados parciais já atestam a importância das atividades de fomento estruturado e autorizam projetar uma perspectiva de amadurecimento rápido que pode culminar com um efetivo reposicionamento do BNDES como um Banco mais apto a oferecer produtos e serviços aderentes às demandas sociais e econômicas do país, contribuindo para gerar emprego, renda, modernização do Estado e dos setores produtivos, reafirmando assim nosso compromisso com o desenvolvimento que transforma a vida de gerações de brasileiros.

 

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