“O Papa! Quantas
divisões ele
tem?”
(Joseph
Vissarionovich)
Pilchados, com
suas meias
bizarras, dois
caçadores partem
ao encalço da
exuberante
criatura que irá
saciar de forma
definitiva seus
vorazes
apetites: um
garboso,
glorioso veado.
Cada um por um
caminho, em meio
ao emaranhado de
frondosa flora,
de troncos que
se erguem rijos,
cada um na
expectativa da
ação do outro.
Em meio ao
caminho um dos
caçadores se
depara com uma
arisca lebre ao
alcance das
mãos. “não tem tu,
vai tu mesmo”,
pensa o caçador.
A magra, nada
imperial lebre
não é bem o que
ele gosta, mas é
melhor que nada.
Segue ele de
volta a aldeia,
seu problema
resolvido; o
outro caçador
ficará na seca
sem ter o que
comer, pois um
só não dá conta
de caçar o
veado.
Este problema de
teoria dos
jogos,
Stag Hunt,
vem de uma
história contada
por Rousseau no
Discurso sobre a
desigualdade.
Basicamente, ela
é como se fosse
um Dilema do
Prisioneiro,
no qual
você mudou o
incentivo para
não cooperar
para um em que
ambos cooperarem
é o melhor
resultado. Mas
se é assim, qual
o sentido?
Imediatismos,
incapacidade de
segurar a
fissura de comer
o marshmellow,
desconfiança
sobre seu
parceiro: tudo
isso pode levar
a uma situação
como a
formalizada
nesse jogo.
Guardemos esse
ingrediente.
Presidencialismo
de coalizão.
Poucas coisas
são tão mal
interpretadas
quanto esta
brilhante
percepção de Sergio
Abranches, ideia
pela primeira
vez anunciada ao
mundo numa
salinha na Rua
da Matriz na
segunda metade
dos 80,
lançamento de um
número da Dados
que continha o
artigo. Uma
percepção de
Abranches: um
núcleo de três
ministérios
ficava
ferreamente na
mão do PSD, o
maior partido de
governo de
praticamente
toda
a República
de 46. Fazenda
(a caneta que
assina os
cheques),
Justiça (polícia
e outros
afazeres) e
Viação e Obras
Públicas (acho
que dispensa
explicações)
estiveram sempre
na mão do PSD.
O que é
presidencialismo
de coalizão? É a
construção de um
Executivo
em que você
busca uma
aliança com a
maioria do
conjunto de
governadores –
que não
necessariamente
são da aliança
que elegeu o
presidente – e
com a maioria do
Congresso – que
não
necessariamente
é da coalizão
que elegeu o
presidente. O
resultado é uma
maioria
congressual para
a maioria das
situações
cotidianas que
vai muito além
do necessário
para se ter
maioria. Isso
produz um tipo
de maioria não
predatória
e
reduz o problema
da exploração da
minoria pela
maioria... quê?
Você estará se
perguntando,
cara leitora, o
que quer dizer
essa última
bobagem que
escrevi.
Fazendo um
pequeno
‘paulosplaining’,
imagine uma
festa em que se
decide se vai
ter guaraná ou
cerveja. E só
vai ter um.
Todos vão
contribuir igual
para a festa. A
maioria quer
cerveja. Quão
maior a maioria
dos que querem
cerveja, menor a
exploração de
pessoas pagando
por uma bebida
que não querem
(falo do
coletivo, não do
abstêmio
individual).
Concretamente,
partes do
governo são
entregues a
grupos desta
nova aliança que
se constrói,
após a eleição,
para governar de
fato. Não se faz
essa coalizão em
cima do que é a
idealização das
pessoas mais
notáveis,
brilhantes, seja
lá que atributo
individual você
considerar.
Faz-se em cima
da relevância
política de cada
grupo.
Um bom exemplo
disso, que
testemunhei
pessoalmente,
foi
Gastão Vieira
de
ministro
do Turismo no
primeiro governo
Dilma. Gastão
esteve aí no
Banco, trazido
pela equipe de
Helena Lastres,
um daqueles
modestos e
maravilhosos
eventos que a
equipe da Helena
fazia. Um senhor
simpático,
inteligente, se
você olhar o
currículo dele
você se
perguntará: mas
por que Turismo
e não Educação
ou C&T? Afinal,
Dilma acabou o
nomeando para
presidente do
FNDE, quando ele
não era mais
deputado. Gastão
foi um deputado
federal
maranhense
entrando no
ministério numa
cota da facção
de Sarney. Isso
dá, no máximo,
cacife para o
Turismo. Sim, os
Sarney indicaram
um dos seus
melhores
quadros, alguém
que foi
secretário de
Planejamento
e de
Educação
de Roseana e de
Lobão. Mas ainda
assim, Turismo
era a cota que
lhes cabia na
aliança.
Gastão veio a
romper com os
Sarney para
apoiar Dino.
Totalmente
entendo. Dino é
brilhante, Dino,
o Lacrador Geral
da República, é
de uma
sagacidade
ímpar. É só
olhar a sutileza
da emenda na
Lei
de
Ficha
Limpa
que foi usada
para podar as
asas de Deltan.
Brilhante! Não
consigo imaginar
nome mais
perfeito para
ministro da
Justiça.
Não obstante,
Dino é um erro,
um erro crasso
do governo Lula.
Há mais erros,
brilhantes erros
políticos no
governo
Lula. Nísia
talvez o mais
significativo.
Erros
semelhantes,
erros
diferentes.
Erros na forma
como ministérios
foram criados,
erros na forma
como foram
ocupados. Vamos
a alguns.
O
senador
Flávio Dino está
ali meio que na
cota pessoal de
Lula, meio por
ser um nome hoje
reconhecido da
política
nacional. O
apóstata Dino
foi para o PSB
para se livrar
da pecha de
“comunista”,
visando a
nacionalização
de seu nome. Só
que esse não é
ministério que
você entregue a
um aliado, por
mais competente,
fiel, o que quer
que seja esse
aliado. Esse é
ministério em
que você põe um
quadro político
relevante e
inteligente do
seu partido:
Armando Falcão,
Fernando Lyra,
Aloysio Nunes,
Tarso Genro.
Nenhum deles
para sair dali
candidato a
presidente (por
mais que Tarso
sonhasse com
isso). E Dino,
quer fazer
parecer a
imprensa, é
candidatíssimo.
As articulações
em torno de Dino
serão um
problema
político para o
governo.
Administrativamente,
há também o
problema de não
ter se retornado
uma das raras
boas medidas
tomadas pelo
governo golpista
(e obviamente
desfeita pelo
governo “leite
condensado” de
Jair): a criação
do Ministério de
Segurança
Pública. O
ministério da
Justiça era para
ter sido
esvaziado dessas
atribuições
corriqueiras e
se dedicar à
revisão para
ontem da
barafunda que se
tornou o quadro
jurídico
brasileiro. Qual
seja: negociar
com o Congresso,
com o STF, a
recomposição dos
limites deste
poder de pessoas
não eleitas que
é o Judiciário.
Nísia, um nome
excepcional, é
um erro político
de outra
natureza. A
pessoa
tecnicamente
talhada para
construir e
gerir uma
política (policy)
de saúde. Mas o
que ela
acrescenta em
termos de
política (politics)
na saúde? Quem
acompanhou a
eleição
certamente tinha
claramente outra
mulher para o
cargo: Simone
Tebet. Tebet
tinha que ser
ministra, ponto.
Diz a lenda
queria o
Desenvolvimento
Social,
mas isso o PT
não entregaria.
Mas saúde, que
foi o principal
tema dela de
campanha?
Sabe aquele
ingrediente que
deixamos lá
atrás, a caçada?
Vamos voltar a
ele. Os quadros
do PT, este
partido
social-democrata
moderno,
constituído sem
centralismo
democrático e
com movimento
social, acaba
sendo um bando
de caçadores
saindo felizes
com suas lebres
sem levar em
conta que não é
com elas que se
constrói a
política.
Exemplo: se há
algo que em
muito se
aproxima do
espírito do
antigo
Ministério da
Viação,
certamente é o
Ministério das
Cidades. Olívio
Dutra, fundador
chave do PT, foi
o primeiro dos
dois ministros
das Cidades do
governo
Lula. Na
reorganização
política em
torno
da questão do
Mensalão, o
ministério foi
parar nas mãos
de um quadro
“técnico”
indicado pelo PP
e... e aí o
ministério ficou
nas mãos do PP.
Até que no
segundo governo
Dilma, Kassab
passou a
cavalgar essa
parte do “veado”
(noutra, o
incrível Joaquim
Levi). Nem deu
ano e meio e
Temer era
presidente.
Hoje, há um
Barbalho lá.
Apostem num
crescimento do
MDB nas próximas
eleições
municipais.
Apostem na
relativa
fidelidade do
MDB.
Há mais erros em
lebres assim?
Certamente o
esvaziamento do
douto e polido
Sílvio Almeida
para criar o
pro-ONGs de
ministérios
específicos para
índios, negros e
mulheres (Caê,
faltaram os de
padres, bichas e
adolescentes) é
um caso gritante
desses. Sobrou o
que para ele –
debater com
Damares, a qual
agora parece ser
mais um exemplo
da questão do
deep state
que tratei
semana passada?
Leitora, o
presidencialismo
de coalizão
funciona.
O que não
funciona é um
partido de
governo que, ao
invés de ocupar
as posições de
exercício do
poder, fica
atendendo aos
pet projects
dos militantes
do partido. Esse
é um erro
costumeiramente
feito pelo PT,
feito numa visão
de que você
constrói o
futuro
resolvendo os
problemas
imediatos que se
tem pela frente.
Se essa visão
particular não
se articula com
– e se viabiliza
apenas se – o
projeto maior
não for
alcançado, se
você se satisfaz
com essas metas
parciais, nada
de grande vai
acontecer. E se
você abandona a
partidos
conservadores a
capacidade de
seduzir a vida
política
municipal, não
estranhe o pífio
desempenho nas
eleições
parlamentares.
O que não
funciona é um
partido de
governo que
entrega a
elementos da
burocracia – e
dos aparatos
técnicos/acadêmicos
de um tema – o
controle de uma
posição que é
política. Um
ministério é
político, um
ministério é uma
relação de
compromissos. Se
você abandona
aos técnicos os
assuntos
técnicos, eles
acabam virando
um partido que
tem interesses
próprios
distintos dos
seus, vide o
Ministério
Público, comando
escolhido com
suas listas
tríplices,
atuando para
derrubar os
governos do PT.
O que não
funciona é que
uma série de
ministérios de
assuntos
relevantes, que
até contribuem
eleitoralmente
para os partidos
que os
controlarem, mas
não impactam no
controle
político do
Estado, não
estarem
entregues a
aliados
relevantes
vindos do
Congresso.
Educação, por
exemplo, seria
um bom caso de
algo relevante a
ser gerido por
um aliado. As
negociações no
Congresso seriam
muito mais
fáceis com um
senador da base
lá, por exemplo.
Mas sem esse
tipo de
envolvimento, de
parceria, de
compromisso,
resta ao
Legislativo
lembrar que é um
poder, e
exercê-lo com um
pé no
acelerador.