Movimento

Edição nº1545 – sexta-feira, 2 de junho de 2023

Marco temporal: “Um genocídio legislado”

Ministério dos Povos Indígenas protesta contra aprovação, na Câmara dos Deputados, do marco temporal na demarcação de terras indígenas

 

agência folha

 
 

 
     

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou nota na terça-feira (30) classificando a aprovação do marco temporal na demarcação das terras indígenas pelos deputados federais como um “genocídio legislado”. Foram 283 votos a favor do Projeto de Lei 490/07, e 155 contra. O projeto seguiu para o Senado.

Pelo que foi aprovado, serão consideradas terras tradicionais, passíveis de demarcação, as que foram ocupadas pelos povos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Após essa data, as áreas não poderão ser demarcadas.

“O PL 490 representa um genocídio legislado porque afeta diretamente povos indígenas isolados, autorizando o acesso deliberado em territórios onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade, nem mesmo com outros povos indígenas, cabendo ao Estado brasileiro atuar também pela proteção dos territórios onde vivem estes povos”, diz a nota.

Nas redes sociais, a ministra Sonia Guajajara afirmou que o PL é “um ataque grave aos povos indígenas e ao meio ambiente. Seguimos lutando pela vida. Ainda no Senado, dialogaremos para evitar a negociação de nossas vidas em troca de lucro e destruição. Não desistiremos!”.

Como noticiou a Folha de S. Paulo, lideranças indígenas brasileiras demonstraram muita preocupação com a aprovação do projeto.

Dario Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, afirma que os povos indígenas estão em uma situação muito complicada com a aprovação do projeto, que abre a possibilidade para um "massacre".

"É uma situação muito grave. É uma irresponsabilidade do Congresso. A gente acompanhou em Brasília com quase 300 povos indígenas, mas não conseguimos participar. Para os povos indígenas, esse PL 490 é morte. Vai derramar muito sangue dos povos indígenas, vai ser um massacre, um genocídio, com violações dos direitos dos povos indígenas, e vai fragilizar muito os territórios que já foram demarcados. Essa aprovação dos deputados representa genocídio. É um projeto inconstitucional", desabafou o líder yanomami.

Beto Marubo, integrante da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), teme que a Amazônia vire um caos caso o projeto seja sancionado.

Para ele, a aprovação do projeto representa retrocesso e uma visão tosca de uma parte da bancada ruralista, sobretudo, a parte vinculada a grileiros, a ladrões de terras públicas, a garimpeiros, que hoje estão no Congresso Nacional, em querer esvaziar os artigos constitucionais. É mais uma anomalia à la Brasil tentando deslegitimar a Constituição Brasileira", comentou. "Esse retrocesso só tende a provocar o caos no interior das terras indígenas, e o exemplo emblemático disso é o que está acontecendo com o yanomami, mas em uma proporção ainda maior, em quase todos os territórios. Saiu pesquisa do perigo que está passando os habitantes da Amazônia que se alimentam com peixes contaminados com mercúrio. Esse vai ser o caos que vai ser o nosso país, e que vai de encontro a todos os discursos que a própria bancada ruralista tem vendido para o mundo de compromisso de proteção ambiental."

A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) destacou que o PL 490 acaba com a esperança dos indígenas no futuro. "Um genocídio legislado. O terno deles não será eterno e enterram hoje esperança de futuro. Aprovado o PL 490, que retira territórios e arranca direitos dos povos indígenas. Seguimos em luta no Senado, onde já houve compromisso de debate e não da urgência de passar a boiada", falou a deputada no Twitter.

Quem também se pronunciou pelas redes sociais foi Joenia Wapichana, presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que afirmou que a Constituição foi "atropelada" pelos deputados.

"É inaceitável ver a Constituição Federal ser atropelada. Neste momento, os direitos dos povos indígenas estão em jogo no plenário da Câmara dos Deputados com a votação do PL 490/2007. O projeto é um RETROCESSO em nossa política socioambiental, indigenista e uma tentativa de RETIRAR DIREITOS dos povos indígenas do Brasil! 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conectas Direitos Humanos, Comissão Arns e o Instituto Socioambiental (Isa) pediram à ONU que reconheça a inconstitucionalidade do PL 490/2007, um projeto de lei que inviabiliza demarcações de terras indígenas, ameaçando territórios homologados e direitos fundamentais das comunidades”.

Segundo as entidades, o PL 490 estabelece o marco temporal e ignora violações de direitos históricos dos povos indígenas. “A inconstitucionalidade da proposta, a falta de consulta e consentimento prévio e informado dos povos indígenas e os riscos à proteção ambiental e às mudanças climáticas são preocupações centrais”, afirmam.

A Apib garante que a luta continua e que as mobilizações do movimento indígena contra “essa proposta anti-indígena seguirá até que o projeto seja derrotado no Congresso Nacional”.

“A nossa voz é a prova de bala! Mesmo assassinando vários indígenas, no Brasil, não adianta tentar nos silenciar, vamos continuar lutando”, afirmou a deputada federal Célia Xakriabá, que coordena a Bancada do Cocar na Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas.

Confira também:

Cartilha preparada pela Apib sobre a luta contra o Marco Temporal. 

 

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