O tripé macroeconômico
(metas de inflação,
superávits fiscais
primários e regime de
câmbio flutuante),
introduzido em 1999,
transformou-se no Santo
Graal da política
econômica brasileira.
Alinhado com o modelo
teórico do Novo Consenso
Macroeconômico,
hegemônico na academia
até a crise global de
2008, sua base analítica
assenta-se em três
proposições:
1. Com abertura ao
movimento de capitais,
taxas de câmbio
flexíveis
proporcionariam o
equilíbrio do balanço de
pagamentos, conferindo
independência ao Banco
Central para fixar as
taxas de juros de curto
prazo;
2. A política fiscal não
deveria ser usada para
assegurar o pleno
emprego mesmo em
situações de depressão
econômica, porque, de
acordo com a hipótese da
austeridade fiscal
expansionista,
compromissos com ajustes
fiscais permanentes
sustentariam a confiança
dos credores quanto à
capacidade de solvência
da dívida pública,
ampliando o espaço para
manter reduzidas as
taxas de juros reais e
incrementar o
investimento privado;
3. Um regime de metas de
inflação ancoraria a
estabilização das
expectativas futuras de
aumento de preços e da
própria inflação
observada,
proporcionando,
simultaneamente, a
estabilização do nível
de produto real com o
pleno emprego. Ou seja,
estabilizar a inflação
seria o mesmo que
assegurar o crescimento
econômico e o pleno
emprego.
O comportamento da
economia brasileira
desde 1999 não confirma
tais preceitos teóricos.
Independentemente da
política fiscal menos ou
mais expansionista, o
Banco Central não tem
tido total autonomia
para fixar a taxa de
juros de curto prazo
visando à estabilidade
monetária no longo
prazo. Isso porque, nas
fases de elevada
liquidez internacional,
mesmo que o diferencial
entre as taxas de juros
domésticas e
internacionais caia,
entradas excessivas de
capitais de curto prazo
em busca de prêmios de
liquidez mais elevados
acabam por apreciar
demasiadamente a moeda
doméstica em termos
reais. Com isso, a taxa
de inflação converge
temporariamente para a
meta, porém à custa de
déficits em conta
corrente crescentes e
insustentáveis no médio
prazo.
Qualquer reversão do
ciclo financeiro
internacional provoca
fugas repentinas de
capitais e o acirramento
das posições compradas
nos mercados futuros de
câmbio, desdobrando-se
em ciclos curtos, mas
intensos de depreciação
do real brasileiro e, em
face do impacto sobre a
inflação, em novos
aumentos da taxa de
juros básica. Com isso,
a inflação no Brasil não
é explicada apenas por
problemas de
expectativas
desancoradas ou excesso
de demanda agregada, mas
também pela
inconsistência do regime
macroeconômico.
Seria melhor revogar a
Emenda do Teto,
substituindo-a por uma
proposta de ajuste
fiscal de longo prazo.
Frente aos efeitos
deletérios das elevadas
taxas de juros reais e
da tendência recorrente
de apreciação do real,
no longo prazo o tripé
macroeconômico não
proporciona nem a
estabilidade de preços
nem o crescimento
econômico sustentável no
Brasil.
Como discutido em livro
recente 1,
após a crise global de
2008 o Novo Consenso
Macroeconômico passou a
ser considerado "velho"
no debate econômico nos
Estados Unidos, uma vez
que há concordância com
que a política fiscal,
embora deva se pautar
pelo equilíbrio
orçamentário ao longo
dos ciclos expansivos,
deve ser ativada, de
forma contracíclica, nas
fases de forte recessão
ou lenta recuperação
econômica, ao passo que
a política monetária não
deve se limitar ao
objetivo exclusivo de
assegurar a estabilidade
de preços por meio da
taxa de juros nominal de
curto prazo como único
instrumento de política.
No Brasil, entretanto,
como mostramos em artigo
acadêmico no prelo2, os
policy-makers continuam
presos à armadilha do
tripé macroeconômico,
que, como subproduto do
Novo Consenso, não é
utilizado em nenhum país
do mundo.
Para que o objetivo de
perseguir a estabilidade
monetária não comprometa
o de assegurar o
crescimento econômico no
Brasil, será preciso que
o governo redesenhe o
regime macroeconômico
vigente. No âmbito da
política fiscal, a
melhor opção seria, tão
logo aprovada a reforma
da Previdência
(eliminados seus
aspectos socialmente
inaceitáveis), negociar
com o Congresso a
revogação imediata da
Emenda do Teto,
substituindo-a por uma
proposta de ajuste
fiscal de longo prazo
que contemple,
simultaneamente, o
ajuste pelo lado das
despesas e receitas
correntes, mas criando
válvulas de escape para
que os investimentos
governamentais aumentem
como proporção do PIB.
Com respeito à política
monetária, o Brasil
deveria se espelhar na
experiência da maioria
dos países que adotam
metas de inflação,
mudando seu modus
operandi. Como sugeriu
Janet Yellen 3,
países com regimes de
metas de inflação devem
se pautar por metas
flexíveis, perseguindo
mais de um objetivo e
utilizando mais de um
instrumento de política
econômica.
Diferentemente da
maioria dos países que
adotam metas de
inflação, o Brasil é um
dos poucos que persegue
a meta apenas ao longo
de um ano-calendário,
quando a maioria adota
um horizonte temporal de
entre 3 e 5 anos. A
ampliação do timing para
atingir a meta
proporcionaria maior
autonomia ao BC para
manter as taxas de juros
reais em níveis
estruturalmente mais
baixos, satisfeitas as
demais condições
estruturais para
assegurar este último
objetivo.
Por fim, diferentemente
dos países
desenvolvidos, que, por
deterem moedas
conversíveis no topo da
pirâmide hierárquica de
moedas, podem se dar ao
luxo de subordinar a
política cambial a todos
os demais instrumentos
de política econômica, o
Brasil precisa seguir o
exemplo dos países
asiáticos e, uma vez que
a taxa de câmbio tenha
alcançado seu nível de
equilíbrio de longo
prazo, como parece ser a
situação atual,
introduzir mecanismos
mais eficazes para
impedir a tendência
recorrente de apreciação
do real brasileiro em
termos reais. O cardápio
de instrumentos varia
dos mecanismos
ordinários de
intervenção nos mercados
à vista e futuro,
passando por medidas
macroprudenciais, à
adoção de controles de
capitais, os quais,
embora considerados
heréticos no passado,
contam agora com o
beneplácito até de
órgãos insuspeitos como
o Fundo Monetário
Internacional.
1.
Akerlof, George.,
Blanchard, Olivier.,
Romer, David. e
Stiglitz, Joseph. What
have we learned?
Macroeconomic policy
after the crisis.
Cambridge, Ma: The MIT
Press, 2014.
2.
Nassif, André, Feijó,
Carmem. e Araújo,
Eliane. "Macroeconomic
policies in Brazil
before and after the
2008 global financial
crisis: Brazilian
policy-makers still
trapped in the New
Macroeconomic Consensus.
Cambridge Journal of
Economics, 2019, no
prelo.
3.
Yellen, Janet. "Many
Targets, many
instruments: where do we
stand?" In: G. Akerlof,
O. Blanchard, D. Romer e
J. Stiglitz, op. cit.,
2014. |