Opinião

Edição nº1350 – segunda-feira, 24 de junho de 2019

Tripé macroeconômico e o futuro do Brasil

André Nassif

 

Professor do Departamento de Economia da UFF, aposentado do BNDES.

O tripé macroeconômico (metas de inflação, superávits fiscais primários e regime de câmbio flutuante), introduzido em 1999, transformou-se no Santo Graal da política econômica brasileira. Alinhado com o modelo teórico do Novo Consenso Macroeconômico, hegemônico na academia até a crise global de 2008, sua base analítica assenta-se em três proposições:

1. Com abertura ao movimento de capitais, taxas de câmbio flexíveis proporcionariam o equilíbrio do balanço de pagamentos, conferindo independência ao Banco Central para fixar as taxas de juros de curto prazo;

2. A política fiscal não deveria ser usada para assegurar o pleno emprego mesmo em situações de depressão econômica, porque, de acordo com a hipótese da austeridade fiscal expansionista, compromissos com ajustes fiscais permanentes sustentariam a confiança dos credores quanto à capacidade de solvência da dívida pública, ampliando o espaço para manter reduzidas as taxas de juros reais e incrementar o investimento privado;

3. Um regime de metas de inflação ancoraria a estabilização das expectativas futuras de aumento de preços e da própria inflação observada, proporcionando, simultaneamente, a estabilização do nível de produto real com o pleno emprego. Ou seja, estabilizar a inflação seria o mesmo que assegurar o crescimento econômico e o pleno emprego.

O comportamento da economia brasileira desde 1999 não confirma tais preceitos teóricos. Independentemente da política fiscal menos ou mais expansionista, o Banco Central não tem tido total autonomia para fixar a taxa de juros de curto prazo visando à estabilidade monetária no longo prazo. Isso porque, nas fases de elevada liquidez internacional, mesmo que o diferencial entre as taxas de juros domésticas e internacionais caia, entradas excessivas de capitais de curto prazo em busca de prêmios de liquidez mais elevados acabam por apreciar demasiadamente a moeda doméstica em termos reais. Com isso, a taxa de inflação converge temporariamente para a meta, porém à custa de déficits em conta corrente crescentes e insustentáveis no médio prazo.

Qualquer reversão do ciclo financeiro internacional provoca fugas repentinas de capitais e o acirramento das posições compradas nos mercados futuros de câmbio, desdobrando-se em ciclos curtos, mas intensos de depreciação do real brasileiro e, em face do impacto sobre a inflação, em novos aumentos da taxa de juros básica. Com isso, a inflação no Brasil não é explicada apenas por problemas de expectativas desancoradas ou excesso de demanda agregada, mas também pela inconsistência do regime macroeconômico.

Seria melhor revogar a Emenda do Teto, substituindo-a por uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo.

Frente aos efeitos deletérios das elevadas taxas de juros reais e da tendência recorrente de apreciação do real, no longo prazo o tripé macroeconômico não proporciona nem a estabilidade de preços nem o crescimento econômico sustentável no Brasil.

Como discutido em livro recente1, após a crise global de 2008 o Novo Consenso Macroeconômico passou a ser considerado "velho" no debate econômico nos Estados Unidos, uma vez que há concordância com que a política fiscal, embora deva se pautar pelo equilíbrio orçamentário ao longo dos ciclos expansivos, deve ser ativada, de forma contracíclica, nas fases de forte recessão ou lenta recuperação econômica, ao passo que a política monetária não deve se limitar ao objetivo exclusivo de assegurar a estabilidade de preços por meio da taxa de juros nominal de curto prazo como único instrumento de política. No Brasil, entretanto, como mostramos em artigo acadêmico no prelo2, os policy-makers continuam presos à armadilha do tripé macroeconômico, que, como subproduto do Novo Consenso, não é utilizado em nenhum país do mundo.

Para que o objetivo de perseguir a estabilidade monetária não comprometa o de assegurar o crescimento econômico no Brasil, será preciso que o governo redesenhe o regime macroeconômico vigente. No âmbito da política fiscal, a melhor opção seria, tão logo aprovada a reforma da Previdência (eliminados seus aspectos socialmente inaceitáveis), negociar com o Congresso a revogação imediata da Emenda do Teto, substituindo-a por uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo que contemple, simultaneamente, o ajuste pelo lado das despesas e receitas correntes, mas criando válvulas de escape para que os investimentos governamentais aumentem como proporção do PIB.

Com respeito à política monetária, o Brasil deveria se espelhar na experiência da maioria dos países que adotam metas de inflação, mudando seu modus operandi. Como sugeriu Janet Yellen3, países com regimes de metas de inflação devem se pautar por metas flexíveis, perseguindo mais de um objetivo e utilizando mais de um instrumento de política econômica. Diferentemente da maioria dos países que adotam metas de inflação, o Brasil é um dos poucos que persegue a meta apenas ao longo de um ano-calendário, quando a maioria adota um horizonte temporal de entre 3 e 5 anos. A ampliação do timing para atingir a meta proporcionaria maior autonomia ao BC para manter as taxas de juros reais em níveis estruturalmente mais baixos, satisfeitas as demais condições estruturais para assegurar este último objetivo.

Por fim, diferentemente dos países desenvolvidos, que, por deterem moedas conversíveis no topo da pirâmide hierárquica de moedas, podem se dar ao luxo de subordinar a política cambial a todos os demais instrumentos de política econômica, o Brasil precisa seguir o exemplo dos países asiáticos e, uma vez que a taxa de câmbio tenha alcançado seu nível de equilíbrio de longo prazo, como parece ser a situação atual, introduzir mecanismos mais eficazes para impedir a tendência recorrente de apreciação do real brasileiro em termos reais. O cardápio de instrumentos varia dos mecanismos ordinários de intervenção nos mercados à vista e futuro, passando por medidas macroprudenciais, à adoção de controles de capitais, os quais, embora considerados heréticos no passado, contam agora com o beneplácito até de órgãos insuspeitos como o Fundo Monetário Internacional.

1. Akerlof, George., Blanchard, Olivier., Romer, David. e Stiglitz, Joseph. What have we learned? Macroeconomic policy after the crisis. Cambridge, Ma: The MIT Press, 2014.

2. Nassif, André, Feijó, Carmem. e Araújo, Eliane. "Macroeconomic policies in Brazil before and after the 2008 global financial crisis: Brazilian policy-makers still trapped in the New Macroeconomic Consensus. Cambridge Journal of Economics, 2019, no prelo.

3. Yellen, Janet. "Many Targets, many instruments: where do we stand?" In: G. Akerlof, O. Blanchard, D. Romer e J. Stiglitz, op. cit., 2014.

 

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