1990 – Recordando os tempos de Eduardo Modiano
 

Israel Blajberg
Engenheiro aposentado do BNDES
 
É de se lamentar que o Grande Arquiteto do Universo tenha chamado Eduardo Modiano a entregar sua alma de volta, tão cedo. Nenhuma criatura conhece seus desígnios e porque sofremos aqui neste Vale de Lágrimas. Para muitos, a notícia do falecimento prematuro de Modiano evoca o economista brilhante, acadêmico, professor. Para outros, entretanto, saem do armário penosas recordações.

Se um pesquisador no ano de 2052 do centenário do BNDES vier a estudar restos ainda preservados de um boletim em preto e branco de uma folha, lançado nos idos de 1990, concluirá que naquele ano o Banco vivia uma situação da mais candente normalidade, sem nada de mais que pudesse ser registrado naquele recém-lançado informativo, chamado EM DIA.

Não foi isso o que ocorreu, entretanto. A verdade é que depois daquele ano fatídico, o Banco nunca mais foi o mesmo, embora oficialmente nada transparecesse nos restos arqueológicos do, diga-se de passagem, bem elaborado informativo, de primorosa apresentação visual, que se esperava, chegaria aos 100 anos.

O recém-empossado Caçador de Marajás havia determinado cortes lineares nas estatais, e o BNDES deveria também pagar um preço. Nem seria preciso aguardar o veredito da história contemporânea para mostrar que aquele não era o caminho. As próprias páginas dos jornais um ou dois anos à frente se encarregaram.

Mas as chagas permaneceram abertas para sempre. Muitos foram demitidos inopinadamente, nas listas que não eram de Schindler, salvadoras. A verdade é que se temia até atender o telefone, poderia ser uma chamada do DERHU convocando um marcado para a degola. Naqueles tempos mal havia computadores no Banco, internet, celular, Lotus Notes nem pensar. Ainda abundavam as máquinas de escrever... O corpo funcional ensaiou uma reação, reuniões foram feitas no hall, a exemplo das primeiras, ocorridas apenas cinco anos antes quando das Diretas Já!, em que as Associações se mobilizaram, com representações nas passeatas da Av. Presidente Vargas.

Centenas tiveram que abandonar o convívio benedense. Nas duas décadas seguintes, apenas às vezes os encontraríamos. Sempre apressados para rodar a catraca, terminar uma IP urgente, fazíamos um breve cumprimento. Mas, por dentro, nossos corações sofriam, pois sabíamos que contra eles fora praticada uma injustiça.

O máximo que se conseguiu foi um plano de demissão voluntária, que ganhou adesão não só dos mais preocupados, como também de colegas que viram a oportunidade de novos horizontes por conta própria. Como soe acontecer, as camadas de menor poder lobístico foram as mais afetadas.

Alguns tomaram novos rumos, ingressaram em outras empresas, privadas ou estatais, no serviço público. Era a prova de que lhes sobrava competência, aprovados que eram nos mais exigentes concursos. Ao longo de 20 anos, assistimos, porém, a luta ingente pela anistia, pontilhada aqui e ali pelo infortúnio de alguns colegas, desaparecidos precocemente. O impacto foi muito forte, nem todos puderam suportar.

Durante muitos anos observamos os colegas afastados peregrinando pelos corredores do Banco, em reuniões no Centro de Treinamento. Sabíamos das suas idas a Brasília, sensibilizar políticos, negociações com diretores, presidentes, superintendentes.

Certamente nos deram uma grande lição de vida, mantendo a moral elevada, altivos, jamais se deixando abater pelas dificuldades do caminho. Não permitiram que a pátina do tempo obscurecesse suas justas aspirações, e aos poucos fomos os tendo de volta, até que um dia quase todos retornaram à Casa. Nossa alegria, entretanto, jamais poderá ser integral, eis que tantos ficaram pelo caminho, sem poder realizar o sonho do retorno. Como nosso Grande Patriarca Moisés, também estes não puderam ter a glória de entrar na Terra Prometida. A eles dedicamos contristados nossa eterna saudade.

Assim, o mundo deu muitas voltas, e alguns anos atrás os jornais mostraram o idealizador de tudo isso ao lado dos anistiados, minimizando sua participação no episódio.

As Associações foram fundamentais nesta luta, daí a necessidade de serem fortalecidas. Não sabemos o que o horizonte nos reserva, portanto é preciso recordar os acontecimentos de 1990, como uma bandeira simbólica.

Hoje, assim como em 1990, mais uma vez ventos ameaçadores varrem a esplanada da Avenida Chile. Até agora, o monolito negro resistiu, templo sagrado das convicções do seu criador Getúlio Vargas, e de tantos e tantos de nós que só pensávamos no bem do povo brasileiro, a cada projeto analisado.

Mas até quando? Ao lamentar o passamento de Eduardo Modiano, vemos que às vezes um fato triste vem para ensinar alguma coisa. Rebuscar na memória os acontecimentos de 1990 será um alerta para que não sejamos meramente contemplativos dos acontecimentos, porque como já ensinava Balzac, a história é como um bobo... se repete, se repete, se repete...

 
 
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