Da Forma Errada (2) – Anti o que?
 

Paulo Moreira Franco
Economista do BNDES
 

"Otra, no menos vil, razona que es indiferente afirmar o negar la realidad de la tenebrosa corporación, porque Babilonia no es otra cosa que un infinito juego de azares."

(La Loteria en Babilonia – Jorge Luis Borges)

"Calunismos. Eu também sou meio socialista. Não da ponta esquerda... do meio de campo, caindo pra direita!"

(Odorico Paraguaçu)

Foram dois exemplares na mesma encomenda, 4 de dezembro de 2012, menos de 15 dias após o lançamento. Um pra mim, um que dei de presente para o Frota. Devo ter lido pouco mais de um ano depois – a fila anda, mas demora.

Fato é que NNT é um dos santos de minha devoção. Se alguém me fez abjurar dos números, Iludido Pelo Acaso certamente está na identity parade. O Cisne me levou a desaprender a planejar e a pregar por aí O Deserto dos Tártaros. Portanto, poucas vezes me vi tão perplexo quanto ver sua foto em meio à apresentação de final de ano do Presidente. E mais perplexo ainda com o que foi dito.

"E aí ele cita as características que são nutrientes da fragilidade: o centralismo, o controlismo, e, eventualmente também, a ideia do dogmatismo." Será que ele realmente quis dizer algo na linha do que está neste parágrafo da review do povo de Wharton?

Narrowly, the fragilista is marked by a preoccupation with theory, risk assessment and strategic planning — all of which Taleb disdains. More broadly, the fragilista is symptomatic of the fundamental shortcomings of modernity, which the author defines as "humans’ largescale domination of the environment, the systematic smoothing of the world’s jaggedness, and the stifling of volatility and stressors." Modernity has made a religion of rationalism, optimization and efficiency. By contrast, Taleb invokes Nietzsche and his embrace of the "Dionysian": the "dark, visceral, wild, untamed, hard to understand." (1)

Já que o Presidente pede, vamos aqui dar um pequeno mergulho em como pensa e o que pensa Taleb.

A primeira coisa a entender, caro colega benedense, é que ele é libanês. Tenho um grande amigo da mesma matriz – descendência libanesa + formação matemática – e isso me fez perceber o quanto certas excentricidades de NNT são um traço cultural bastante específico. Quão mais novo é um livro de Taleb, mais os milênios atávicos de mercador num bazar do Mediterrâneo estão presentes, libertos de rigores e obrigações acadêmicas, apregoando de forma avantajosa o que está sendo vendido. Os exageros, as fanfarronadas, tudo isso deve ser entendido com o olhar surpreso, maravilhado e distanciado de quando somos turistas. Ele é uma pessoa diferente de nós, burocratas brasileiros. Como nessa observação dele próprio sobre o comportamento de Trump, "Donald Trump is the fellow who never had a supervisor in his life. No boss. So he does not know how to express things in a way that a supervisor can understand." (2)

A segunda coisa é que forma e estilo por vezes se misturam e se sobrepõem ao conteúdo. "Some people think they attend the opera for the story. It is the same with language. Language is largely made to show-off, gossip, confuse people, delude them, charm them, seduce them, scare them, exploit them, etc. And, as a side effect, convey information. Just a side effect, you fools." (3)

Qual seja, não o leve totalmente a sério, nem pense que ele é uma fraude. Ele é ao mesmo tempo uma fraude genial, ao mesmo tempo uma piada séria, sem nunca deixar de ser divertido se sua mente estiver aberta para isso. Leiam-no, vejam suas palestras.

Mas voltemos a como Taleb se aplicaria cá, nisto que parece um cubo de vidro preto sustentado num pino, o cofre de Dâmocles. Há que se entender que, como disse o Presidente, "nós somos uma instituição de concessão de crédito". Qualquer operação pura de financiamento é necessariamente côncava – há uma grande possibilidade de um pequeno ganho em juros versus uma pequena possibilidade de uma perda grande de principal. Portanto, operações de financiamento são, por definição, frágeis.

Que raios é Frágil? Frágil em talebianês é aquilo que sofre com a mudança de condições. Um copo de cristal apoiado na mesa é muito frágil: tire a mesa e ele deixa de existir se esfacelando no chão. Se o copo fosse de plástico ele seria Robusto, e poderia ser entregue a uma criança ou a um mágico capaz de sumir com mesas. Mas não seria Antifrágil. Para ser Antifrágil ele teria que ficar mais resistente ao cair da mesa. Ou tornar-se dois. O que é meio estranho se pensarmos num copo. A menos, claro, que seja um copo da Hydra sendo derrubado pelo Doutor Estranho.

O próprio Taleb explica que antifragilidade é a convexidade (4) que ele tanto idolatra (e que lhe deu seu fuck off money no crash de 87). Situações onde há um pequeno risco de grandes ganhos mas não há risco de grande perda. Isso pode acontecer diretamente, isso pode ser construído (uma Barbell Strategy, por exemplo – explicações mais tarde). Mas os exemplos de antifragilidade mais óbvios são de natureza biológica (evolução, desenvolvimento muscular) ou financeira (opções). E, nesses casos, não só convexidade mas a sua associação com volatilidade e tempo.

Tirando a perspectiva dos "revolucionários maoístas" do governo Temer –, para quem a situação é excelente – faz sentido conectar o conceito de antifragilidade com nossa missão de promover o desenvolvimento? Com uma certa ginástica, sim. Com e sem trocadilho. Se considerarmos que inovação e progresso técnico têm uma natureza convexa, que os poucos sucessos darão mais resultados que os muitos pequenos fracassos, definitivamente temos uma situação antifrágil (e Taleb dá esse exemplo, recomendando dar-se uma "medalha" (5) para esses soldados desconhecidos do capitalismo que são os empreendedores fracassados). Portanto, esforço e fracasso são necessários em pequenas medidas, em grandes quantidades.

Mas do ponto de vista da nossa missão de fornecer crédito, qual seja, de quem opera como banco, ser a contraparte desse processo social de grandes ideias, pequenos fracassos, não é uma coisa boa. Venture Capital pode (e deve) ver o mundo assim. Mas uma operação bancária, definitivamente, não. E, neste sentido, eu me pergunto aonde nos argumentos em qualquer dos livros que compõem Incerto se justifica o ponto do Presidente de que devemos correr mais risco? Aonde se justifica incorporarmos essa concavidade cuja curva desconhecemos, a de um BNDES Direto?

O que seria uma estratégia antifrágil no BNDES? Qual seria, por exemplo, uma (entre as possíveis) estratégia de Barra De Pesos (Barbell) do Banco? Tal como consigo ver, com minha miopia e minhas limitações de mero economista do Banco (6), seria contrabalançar o grande conjunto de operações com baixo risco que fazemos hoje – algo longamente testado e bem sucedido – com uma componente na carteira de investimentos de pequena monta financeira, sem prazo definido de maturação, com possibilidades de grandes ganhos a relativamente baixo custo – quer em termos de desenvolvimento, quer em termos financeiros. Como? Participação de capital em novas empresas com alto potencial de crescimento. Dá pra fazer? Humm... dá. Mas até que dê resultado o "Diarista" já foi embora e eu mesmo deverei estar aposentado. Bem, quando menino estive sob pinheiros plantados antes de meu avô nascer.

Os que o acompanham na rede sabem que Taleb está escrevendo um novo tomo do Incerto chamado Skin in the Game. Curiosamente, a expressão brasileira de uso corriqueiro mais relacionável à situação é exatamente o contrário disso: Tirar da Reta. Atentem que a noção de skin in the game não é uma noção positiva em termos de ganhos para quem participa de uma aposta. Não é uma ideia de que os ganhos serão repartidos, mas que os prejuízos serão incorridos por quem errou na decisão. E olha que isso não é letra miú-da que passe desapercebida na obra do Taleb.

A pergunta final que faço: cabe planejamento estratégico numa perspectiva de antifragilidade?

Mas isso – e uma história do Frota, e um ponto do Kahneman – ficará para fevereiro, quando retornam as edições normais do VÍNCULO. Até lá!

(1) http://knowledge.wharton.upenn.edu/article/nassim-nicholas-taleb-on-accepting-uncertainty-embracing-volatility/

(2) https://news.ycombinator.com/item?id=14378910

(3) http://www.fooledbyrandomness.com/notebook.htm nota 111

(4) https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1208/1208.1189.pdf

(5) https://www.youtube.com/watch?v=iEnmjMgP_Jo

(6) https://twitter.com/nntaleb/status/942367860709609472

 
 
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