Foram dois
exemplares na mesma
encomenda, 4 de
dezembro de 2012,
menos de 15 dias
após o lançamento.
Um pra mim, um que
dei de presente para
o Frota. Devo ter
lido pouco mais de
um ano depois – a
fila anda, mas
demora.
Fato é que NNT é um
dos santos de minha
devoção. Se alguém
me fez abjurar dos
números, Iludido
Pelo Acaso
certamente está na
identity parade.
O Cisne me levou a
desaprender a
planejar e a pregar
por aí O Deserto dos
Tártaros. Portanto,
poucas vezes me vi
tão perplexo quanto
ver sua foto em meio
à apresentação de
final de ano do
Presidente. E mais
perplexo ainda com o
que foi dito.
"E aí ele cita as
características que
são nutrientes da
fragilidade: o
centralismo, o
controlismo, e,
eventualmente
também, a ideia do
dogmatismo." Será
que ele realmente
quis dizer algo na
linha do que está
neste parágrafo da
review do
povo de Wharton?
Narrowly, the
fragilista is marked
by a preoccupation
with theory, risk
assessment and
strategic planning —
all of which Taleb
disdains. More
broadly, the
fragilista is
symptomatic of the
fundamental
shortcomings of
modernity, which the
author defines as "humans’
largescale
domination of the
environment, the
systematic smoothing
of the world’s
jaggedness, and the
stifling of
volatility and
stressors."
Modernity has made a
religion of
rationalism,
optimization and
efficiency. By
contrast, Taleb
invokes Nietzsche
and his embrace of
the "Dionysian": the
"dark, visceral,
wild, untamed, hard
to understand."
(1)
Já que o Presidente
pede, vamos aqui dar
um pequeno mergulho
em como pensa e o
que pensa Taleb.
A primeira coisa a
entender, caro
colega benedense, é
que ele é libanês.
Tenho um grande
amigo da mesma
matriz –
descendência
libanesa + formação
matemática – e isso
me fez perceber o
quanto certas
excentricidades de
NNT são um traço
cultural bastante
específico. Quão
mais novo é um livro
de Taleb, mais os
milênios atávicos de
mercador num bazar
do Mediterrâneo
estão presentes,
libertos de rigores
e obrigações
acadêmicas,
apregoando de forma
avantajosa o que
está sendo vendido.
Os exageros, as
fanfarronadas, tudo
isso deve ser
entendido com o
olhar surpreso,
maravilhado e
distanciado de
quando somos
turistas. Ele é uma
pessoa diferente de
nós, burocratas
brasileiros. Como
nessa observação
dele próprio sobre o
comportamento de
Trump, "Donald
Trump is the fellow
who never had a
supervisor in his
life. No boss. So he
does not know how to
express things in a
way that a
supervisor can
understand." (2)
A segunda coisa é
que forma e estilo
por vezes se
misturam e se
sobrepõem ao
conteúdo. "Some
people think they
attend the opera for
the story. It is the
same with language.
Language is largely
made to show-off,
gossip, confuse
people, delude them,
charm them, seduce
them, scare them,
exploit them, etc.
And, as a side
effect, convey
information. Just a
side effect, you
fools." (3)
Qual seja, não o
leve totalmente a
sério, nem pense que
ele é uma fraude.
Ele é ao mesmo tempo
uma fraude genial,
ao mesmo tempo uma
piada séria, sem
nunca deixar de ser
divertido se sua
mente estiver aberta
para isso. Leiam-no,
vejam suas
palestras.
Mas voltemos a como
Taleb se aplicaria
cá, nisto que parece
um cubo de vidro
preto sustentado num
pino, o cofre de
Dâmocles. Há que se
entender que, como
disse o Presidente,
"nós somos uma
instituição de
concessão de
crédito". Qualquer
operação pura de
financiamento é
necessariamente
côncava – há uma
grande possibilidade
de um pequeno ganho
em juros versus uma
pequena
possibilidade de uma
perda grande de
principal. Portanto,
operações de
financiamento são,
por definição,
frágeis.
Que raios é Frágil?
Frágil em talebianês
é aquilo que sofre
com a mudança de
condições. Um copo
de cristal apoiado
na mesa é muito
frágil: tire a mesa
e ele deixa de
existir se
esfacelando no chão.
Se o copo fosse de
plástico ele seria
Robusto, e poderia
ser entregue a uma
criança ou a um
mágico capaz de
sumir com mesas. Mas
não seria
Antifrágil. Para ser
Antifrágil ele teria
que ficar mais
resistente ao cair
da mesa. Ou
tornar-se dois. O
que é meio estranho
se pensarmos num
copo. A menos,
claro, que seja um
copo da Hydra sendo
derrubado pelo
Doutor Estranho.
O próprio Taleb
explica que
antifragilidade é a
convexidade (4) que
ele tanto idolatra
(e que lhe deu seu
fuck off money
no crash de 87).
Situações onde há um
pequeno risco de
grandes ganhos mas
não há risco de
grande perda. Isso
pode acontecer
diretamente, isso
pode ser construído
(uma Barbell
Strategy, por
exemplo –
explicações mais
tarde). Mas os
exemplos de
antifragilidade mais
óbvios são de
natureza biológica
(evolução,
desenvolvimento
muscular) ou
financeira (opções).
E, nesses casos, não
só convexidade mas a
sua associação com
volatilidade e
tempo.
Tirando a
perspectiva dos
"revolucionários
maoístas" do governo
Temer –, para quem
a situação é
excelente – faz
sentido conectar o
conceito de
antifragilidade com
nossa missão de
promover o
desenvolvimento? Com
uma certa ginástica,
sim. Com e sem
trocadilho. Se
considerarmos que
inovação e progresso
técnico têm uma
natureza convexa,
que os poucos
sucessos darão mais
resultados que os
muitos pequenos
fracassos,
definitivamente
temos uma situação
antifrágil (e Taleb
dá esse exemplo,
recomendando dar-se
uma "medalha" (5)
para esses soldados
desconhecidos do
capitalismo que são
os empreendedores
fracassados).
Portanto, esforço e
fracasso são
necessários em
pequenas medidas, em
grandes quantidades.
Mas do ponto de
vista da nossa
missão de fornecer
crédito, qual seja,
de quem opera como
banco, ser a
contraparte desse
processo social de
grandes ideias,
pequenos fracassos,
não é uma coisa boa.
Venture Capital pode
(e deve) ver o mundo
assim. Mas uma
operação bancária,
definitivamente,
não. E, neste
sentido, eu me
pergunto aonde nos
argumentos em
qualquer dos livros
que compõem Incerto
se justifica o ponto
do Presidente de que
devemos correr mais
risco? Aonde se
justifica
incorporarmos essa
concavidade cuja
curva desconhecemos,
a de um BNDES
Direto?
O que seria uma
estratégia
antifrágil no BNDES?
Qual seria, por
exemplo, uma (entre
as possíveis)
estratégia de Barra
De Pesos (Barbell)
do Banco? Tal como
consigo ver, com
minha miopia e
minhas limitações de
mero economista do
Banco (6), seria
contrabalançar o
grande conjunto de
operações com baixo
risco que fazemos
hoje – algo
longamente testado e
bem sucedido – com
uma componente na
carteira de
investimentos de
pequena monta
financeira, sem
prazo definido de
maturação, com
possibilidades de
grandes ganhos a
relativamente baixo
custo – quer em
termos de
desenvolvimento,
quer em termos
financeiros. Como?
Participação de
capital em novas
empresas com alto
potencial de
crescimento. Dá pra
fazer? Humm... dá.
Mas até que dê
resultado o
"Diarista" já foi
embora e eu mesmo
deverei estar
aposentado. Bem,
quando menino estive
sob pinheiros
plantados antes de
meu avô nascer.
Os que o acompanham
na rede sabem que
Taleb está
escrevendo um novo
tomo do Incerto
chamado Skin in the
Game. Curiosamente,
a expressão
brasileira de uso
corriqueiro mais
relacionável à
situação é
exatamente o
contrário disso:
Tirar da Reta.
Atentem que a noção
de skin in the
game não é uma
noção positiva em
termos de ganhos
para quem participa
de uma aposta. Não é
uma ideia de que os
ganhos serão
repartidos, mas que
os prejuízos serão
incorridos por quem
errou na decisão. E
olha que isso não é
letra miú-da que
passe desapercebida
na obra do Taleb.
A pergunta final que
faço: cabe
planejamento
estratégico numa
perspectiva de
antifragilidade?
Mas isso – e uma
história do Frota, e
um ponto do Kahneman
– ficará para
fevereiro, quando
retornam as edições
normais do VÍNCULO.
Até lá!