Aproximadamente três
meses após a
diretoria do Banco
Nacional de
Desenvolvimento
Econômico e Social
(BNDES) ter
divulgado nova
política operacional
da instituição, que
trouxe apreensão aos
seus trabalhadores e
a especialistas por
restringir e
suprimir o apoio a
programas setoriais,
veio golpe certeiro:
em 31 de março
último, o Banco
Central e o
Ministério da
Fazenda anunciaram
extinção da Taxa de
Juros de Longo Prazo
(TJLP) e sua
substituição pela
Taxa de Longo Prazo
(TLP) – criada pela
Medida Provisória
777, de 26 de abril
– nos contratos a
partir de 1º de
janeiro de 2018.
Para o
vice-presidente da
Associação dos
Funcionários do
BNDES (AFBNDES),
Arthur Koblitz, a
proposta ameaça o
papel da instituição
de fomentar o
investimento em
projetos ao País.
"Enquanto países
desenvolvidos como a
Alemanha contam com
bancos de
desenvolvimento com
apoio subsidiado,
estamos abrindo mão
disso. O resultado
será a redução ainda
maior da capacidade
do Estado brasileiro
de conduzir qualquer
estratégia de
desenvolvimento".
Professor-doutor do
Instituto de
Economia da
Universidade Federal
do Rio de Janeiro
(UFRJ), João Sicsú
explica: "A TJLP
(definida pelo
Conselho Monetário
Nacional), usada
como taxa de
referência para
empréstimos do
BNDES, é
relativamente baixa
e atrativa para
investimentos
industrial e em
obras de
infraestrutura". Já
a TLP, conforme ele,
não deve no longo
prazo ser
determinada pelo
governo, mas por
leilões específicos
de títulos da dívida
pública, já que a
ideia é que em cinco
anos se iguale a
esses. Com isso,
incorporam-se
riscos, oscilando
conforme a
conjuntura,
dependente das
tensões do mercado.
"Em momentos
desfavoráveis, tende
a ser mais alta,
justamente quando é
necessário que seja
mais baixa. O BNDES
terá taxa de juros
pró-cíclica, volátil
e sempre mais alta
do que a TJLP. Hoje,
essa está em 7% e a
TLP estaria entre
11,5% e 12%. O BNDES
vem se assemelhando
a um banco privado,
com taxas de juros
elevadas,
empréstimos pouco
atrativos para
atividades de longa
maturação",
enfatiza. Na sua
avaliação, desse
modo, o banco perde
sua função de
financiar o
desenvolvimento
brasileiro, ou seja,
a construção de
metrôs, ferrovias,
hidroelétricas,
máquinas,
equipamentos.
O projeto em
implantação, segundo
Koblitz, não é novo.
"Foi gerado na Casa
das Garças
(instituto privado
de estudos de
política econômica)
há mais de dez anos,
circulou desde então
nos gabinetes do
Banco Central e do
Ministério da
Fazenda, mas sempre
foi contestado pelo
BNDES. Parece que
finalmente
conseguiram emplacar
uma diretoria no
banco que topa esse
projeto.
Implementada essa
proposta, a
instituição estará
seriamente amarrada
para ter uma atuação
efetiva".
Descapitalização
Além dessa medida,
outra também tem
preocupado os
trabalhadores do
BNDES, segundo o
vice-presidente da
associação que os
representa: o
esvaziamento dos
ativos do banco com
novas rodadas de
devolução de aportes
do Tesouro. "O BNDES
está ficando
descapitalizado. No
ano passado, recebeu
R$ 86 bilhões e foi
obrigado a devolver
R$ 100 bilhões",
completa Sicsú.
"Nossa presidente
(do banco) parece
obcecada por
questões fiscais. Em
primeiro lugar, essa
não deveria ser a
principal
preocupação da
diretoria. Em
segundo, discordamos
que os argumentos de
custo fiscal
procedam. O
verdadeiro vilão é o
nível da taxa de
juros fixada pelo
Banco Central.
Restringir e
desmantelar o BNDES,
que tem sido o único
instrumento em
defesa do
desenvolvimento, da
indústria, sem nada
ser colocado em seu
lugar além de fé no
mercado, é uma
aventura em que o
governo brasileiro
parece determinado a
embarcar", salienta
Koblitz.
Para Sicsú, a
instituição perde
sua função de
fomentar a retomada
do crescimento
econômico.
Consequentemente,
como ressalta o
professor da UFRJ, a
atratividade para
empréstimos não mais
estará no Brasil.
"Isso amplia a
vulnerabilidade do
País, exposto a
variações cambiais.
A justificativa é de
que a nova regra
serve à
modernização, mas na
realidade representa
volta ao passado",
alerta. E denuncia:
"Temer emitiu um
decreto pouco
divulgado que
permite a
multinacionais o
acesso à garantia de
empréstimos de
bancos públicos se
forem investir em
setores de alto
interesse nacional,
ampliando sua
abrangência.
Turismo, comércio,
saúde, educação,
têxtil, tudo se
enquadra". Ou seja,
enquanto se impede
acesso a linhas de
crédito para
projetos de
interesse do País,
facilita-se a
desnacionalização da
economia
oferecendo-se
dinheiro às empresas
estrangeiras. Sicsú
aponta que as
mudanças no BNDES
são parte de um
modelo de política
econômica que visa
favorecer o sistema
financeiro privado e
o rentismo.
Parar o rolo
compressor O
professor aposta na
mobilização e
conscientização da
sociedade para
reverter tais
decisões. É o que
propugna a AFBNDES.
"Defendemos primeiro
que cessem as
devoluções de
recursos ao Tesouro
Nacional. Em segundo
lugar, que a TJLP
não seja extinta,
mas colocada num
patamar que a torne
um estímulo
realmente efetivo
para influenciar
decisões de
investimento e
contribuir à
retomada do
crescimento.
Finalmente, que a
atuação do BNDES
nessa retomada seja
marcada por uma
revisão num aspecto
fundamental: é
preciso estipular de
forma mais clara
contrapartidas ao
apoio do banco",
detalha Koblitz,
para quem a
prioridade é
"resistir ao rolo
compressor
representado pelo
atual governo". Ele
conclui: "Precisamos
de um projeto
nacional".
Tal síntese vai ao
encontro de bandeira
levantada pela FNE,
por meio de seu
projeto "Cresce
Brasil + Engenharia
+ Desenvolvimento".
A receita consta
dessa iniciativa,
como destaca seu
coordenador,
Fernando Palmezan
Neto: ter mais
presença do Estado,
que deve ser o
indutor do
desenvolvimento, não
menos. "Não contar
com um banco público
de investimento,
como o BNDES, num
momento como este, é
uma decisão muito
equivocada, péssima
à engenharia, tomada
sem ouvir quem
entende do assunto.
É miopia política ou
má-fé", frisa. E
finaliza:
"Seguiremos lutando
para fazer com que
quem detém o poder
decisório entenda
que isso não tira o
País da crise, só a
aprofunda".
(*) Matéria de
Soraya Misleh,
publicada no jornal
"Engenheiro", órgão
informativo da
Federação Nacional
dos Engenheiros –
Ano XVIII, nº 180,
maio de 2017. |