Conforme amplamente
noticiado, na manhã
do último dia doze,
a Polícia Federal
cumpriu trinta e
sete mandados de
condução coercitiva
nas residências de
funcionários e de
ex-funcionários
aposentados do
Sistema BNDES. Tais
mandados, expedidos
pelo Juiz Federal
Substituto da 10ª
Seção Judiciária do
Distrito Federal,
Ricardo Augusto
Soares Leite, a
pedido do Ministério
Público Federal e da
Polícia Federal,
determinavam a
condução dos
funcionários e
ex-funcionários à
Polícia Federal para
prestar
esclarecimentos
relativos à
"Operação Bullish",
a qual, conforme a
decisão judicial,
relaciona-se a
"inquérito policial
com o escopo de
apurar supostas
irregularidades na
concessão de apoios
financeiros pela
BNDESPAR
Participações S/A,
subsidiária integral
do BNDES, à empresa
JBS S/A, a partir de
junho de 2007".
Independentemente de
qualquer
consideração acerca
dos fatos
investigados em si,
os signatários
repudiam as
conduções
coercitivas
realizadas,
desnecessárias e
desproporcionais, em
desrespeito aos
direitos
fundamentais dos
conduzidos,
caracterizando-se
como conduta abusiva
por parte do Estado.
A chamada condução
coercitiva é medida
prevista no Código
de Processo Penal (CPP
- Decreto-Lei 3.689
de 1941, artigos 218
e 260) quando
acusados e
testemunhas "não
atenderem à
intimação para o
interrogatório,
reconhecimento ou
qualquer outro ato
que, sem ele, não
possa ser
realizado", em
processo judicial
criminal.
Assim, depreende-se
que a lei somente
autoriza o uso da
condução coercitiva,
medida de exceção
por natureza,
quando,
injustificadamente,
o intimado deixa de
comparecer à
audiência na qual o
seu depoimento seria
tomado.
As mencionadas
conduções
coercitivas,
realizadas em massa,
incluindo a de uma
grávida de 40
semanas, atentaram,
de forma manifesta,
contra o texto do
mencionado
dispositivo legal e,
sobretudo, contra o
sistema de garantias
individuais
constitucionalmente
estabelecido, na
medida em que
efetuadas em fase
investigativa (ou
seja, antes do
ajuizamento de ação
judicial) e
direcionada a
pessoas que não
foram intimadas
previamente a
prestar
esclarecimentos ao
órgão policial (ou
seja, que não se
recusaram a
colaborar, o que
justificaria o uso
da força policial).
Não se pode admitir
o emprego de métodos
constrangedores e
violentos de forma
injustificada,
quando os órgãos
investigativos
dispõem de outros
meios para perseguir
a verdade.
Importante frisar
que os conduzidos
possuem domicílio e
emprego fixos e
conhecidos e que, em
nenhum momento,
deixaram de
colaborar com o
esclarecimento de
fatos sob
investigação de
órgãos competentes.
Vários dos atingidos
pela medida já
haviam, em outros
momentos, prestado
esclarecimentos à
Polícia Federal e a
outros órgãos, fosse
de forma voluntária
ou atendendo à
regular intimação.
Por outro lado, a
decisão judicial não
fundamenta ou
apresenta os motivos
que justificariam a
adoção de medida tão
extrema.
Lamentavelmente, o
uso indiscriminado
de conduções
coercitivas vem se
tornando uma triste
realidade, o que já
ensejou o
ajuizamento de duas
Arguições de
Descumprimento de
Preceitos
Fundamentais (ADPF
395 e 444), tendo
sido esta última
ajuizada pela Ordem
dos Advogados do
Brasil, questionando
justamente a
condução coercitiva
na fase
investigativa,
entendendo haver, em
linhas gerais,
violação dos
preceitos
fundamentais da
imparcialidade, do
direito ao silêncio,
do direito de não
produzir prova
contra si mesmo, do
princípio do sistema
penal acusatório, do
devido processo
legal, da ampla
defesa e do
contraditório,
questionando, ainda,
a violação literal
ao texto da lei de
se determinar a
condução coercitiva
sem prévia intimação
para comparecimento
à autoridade
pública.
Este cenário se
revela ainda mais
assustador quando se
verifica que a
medida foi requerida
por instituições que
tem como atribuições
e competências
garantir o adequado
cumprimento da lei e
dos ditames
constitucionais, e
que teve o respaldo
do Judiciário.
Percebe-se, pois, a
semente potencial de
um estado
policialesco em que
pessoas são
arrancadas de suas
casas sem motivo nem
fundamento e
conduzidas para
prestarem
depoimentos que
poderiam ser
prestados, de forma
não traumática nem
violenta, dentro dos
ditames da
legislação e sem
nenhum prejuízo à
rapidez ou
eficiência das
investigações. Há
que se ressaltar que
cenário semelhante
já foi vivenciado em
outros tempos pela
sociedade brasileira
e há muito superado
pelo processo de
democratização do
País. Não podemos e
não queremos
retroceder a tempos
sombrios da história
recente brasileira
dominada pelo
autoritarismo e
violência.
Por certo,
repita-se, não se
questiona a
legitimidade da
investigação de
fatos que, em
primeira análise,
possam parecer
irregulares. Mas a
investigação deve
respeitar os limites
legais e
constitucionais
estabelecidos, sem
se valer de métodos
que violem as
garantias
fundamentais já
abordadas. A
banalização de tais
medidas, usadas
indiscriminadamente,
padroniza o excesso,
a violência, a
injustiça e a grave
inobservância dos
direitos individuais
fundamentais de
todos nós. Não se
pode correr o risco
que esta ação traz
para o futuro da
nossa sociedade.
Todos compartilhamos
do desejo de que
investigações sérias
e eficazes a
respeito de
quaisquer
ilegalidades
cometidas no País
sejam realizadas,
levando ao efetivo
esclarecimento dos
fatos e eventual
responsabilização,
mas insistimos que
tais investigações
devem respeitar os
direitos
fundamentais de
todos os
investigados, bem
como aos princípios
básicos de um Estado
Democrático de
Direito.
Rio de Janeiro, 16
de maio de 2017.