Querida,
Quando você diz
que esta
instituição está
repleta de um
quadro de
funcionários
desmotivados,
mimados e
arrogantes, você
tem TODA a
razão! E quando
você diz que não
era assim lá
atrás... sim,
não era assim lá
atrás.
O BNDES de
quando entrei,
Collor
recém-saído, era
uma instituição
cujo funcionário
modal fora um
dia um
adestrando. O
que era um
adestrando? Na
sua maioria um
economista/engenheiro/administrador/advogado
oriundo de uma
das melhores
universidades
cariocas e/ou de
famílias de
classe média da
Zona Sul. Mais
"e" do que "ou",
diga-se de
passagem.
Entraram como
estagiários,
fizeram uma
provinha para
trainee, viraram
funcionários de
carreira. Talvez
circule ainda
por aí algum: o
sopão que durou
até 2012
aposentou os
remanescentes,
levando a um
total rearranjo
demográfico
deste Banco.
Vejamos então:
estamos falando
de pessoas que
foram
universitários
nos anos 70, que
não tiveram
formação
neoliberal,
sendo que um
grupo
significativo,
mais no sentido
de destaque na
ocupação de
postos na
instituição do
que propriamente
numérico, era de
militantes/simpatizantes
do clandestino
Partidão (PCB).
Era presidente
Marcos Vianna,
aconteciam
coisas como
Marcelo
Cerqueira – vice
de Serra na UNE
– sendo
contratado sem
concurso para
uma das empresas
que viraria a
BNDESPAR (pela
qual ele se
aposentou,
diga-se de
passagem) uns
três anos antes
de virar
deputado
federal. Quando
a porta dos
adestrandos se
fechou, alguns
tardios que não
entraram por
concurso
entraram por
outras janelas:
Prêmio, BNDESPAR.
Eram: pessoas
jovens, de uma
mesma classe, de
um mesmo meio
social, de uma
mesma região de
uma metrópole,
compartilhando
conjunto
ideológico comum
no qual o papel
de uma
instituição que
puxava o
investimento da
economia nada
tinha de
discrepante com
o que eles
tinham
aprendido. Época
do Castro e
Lessa. Não era
só a instituição
em si que dava a
identidade, mas
a própria
sociedade. Reis
Velloso, o
ministro do
Planejamento de
boa parte desse
período, é, até
hoje, uma das
figuras mais
respeitadas por
esta
instituição.
Ao longo dos
anos 90 muitos
souberam bater
continência para
a intervenção
neoliberal e
fizeram algumas
coisas bacanas,
já que, para a
maioria dos que
entraram aqui à
época com menos
de 21 anos, isto
era realmente a
Casa, o lugar
onde sempre
trabalharam,
casaram,
separaram, a
única realidade
que conheciam.
Pulemos para o
mundo do qual
faço parte: os
últimos PUCs, os
PECs.
Gradualmente as
pessoas
provenientes das
melhores
universidades
passaram a ser
mais diversas.
Negros eram
virtualmente
inexistentes,
mulheres uma
raridade na
minha geração de
engenharia no
raiar dos 80.
Mesmo com uma
presença forte
dessas mais
importantes
universidades
cariocas no
concurso, mais
engenheiras
passaram a
existir (e a
passar no
concurso do
Banco). Mais
gente de fora do
estado passou a
fazer o concurso
e a passar no
concurso. Mais
pessoas com
história de
trabalho prévia
passam a entrar.
Isto quer dizer
que aquele tipo
de sociabilidade
que decorreu de
processos
relacionais
prévios (ter
estudado junto
com o irmão ou
ser amigo de
outro
funcionário), de
pessoas serem da
mesma classe
social, hoje
encontra-se
reduzido.
Os concursos
subsequentes
adicionaram
desafios além de
trazer
diversidade para
o Banco. Os
concursos
trouxeram
pessoas que são,
em geral,
tecnicamente
muito boas. E
não só agora: na
sua trajetória
escolar, no
vestibular,
mesmo nas turmas
onde estudaram
na universidade.
Isto faz com que
este conjunto de
pessoas seja
particularmente
arrogante, pois,
na sua
experiência de
vida, em geral
estiveram à
frente. O
concursado do
BNDES é um
conjunto
desviante da
massa de
profissionais de
nível superior,
ao menos na
capacidade de
manter o
sangue-frio e
responder
corretamente a
um monte de
perguntas. Isso
tem uma
correlação
profunda com a
inteligência,
diga-se de
passagem.
Dos noventa para
cá não tem mais
a versão
contemporânea
daqueles caras
do Partidão. A
ideologia
neoliberal, na
qual boa parte
dos economistas
que cá vieram
parar foi
educada, resulta
numa dissonância
absoluta desses
funcionários com
aquela
instituição
concebida pelo
personal-comunista
de Vargas,
Ignácio Rangel.
Esta não é
qualquer
catedral
varguista. As
outras
profissões foram
educadas em
versões ainda
mais
descafeinadas do
papel do setor
público. Há uma
contradição
entre o que se
faz aqui (e o
que é pra se
fazer aqui) e o
discurso
ideológico que
se pratica lá
fora. O discurso
primário e tosco
da "unanimidade"
dos autorizados
pelas redações a
falar na TV a
cabo e escrever
em jornais, o
discurso dos
amigos no
facebook que se
informam
superficialmente
sobre o Banco.
A esse problema
de dissonância
cognitiva se
associa outro:
silos. Que cá
por vezes
chamamos de
feudos.
Gradualmente se
tornando uma
praga sobre a
instituição. O
que levou a
isso? Bem, este
é o meu
algoritmo, Fábio
que conte o seu:
a) No passado
recente houve
necessidade de
acomodar pessoas
que
colaborassem.
Como se resolver
o problema?
Criando-se
funções. Houve
necessidade
concreta dessas
funções na
estrutura
organizacional?
b) Havia um
"estoque de
pessoas" PUCs
que,
"incorporadas" e
sem perspectivas
de ascenderem na
hierarquia, em
meados dos anos
2000 cederam
cargos aos
funcionários que
estavam
entrando. A
possibilidade de
ascensão
gerencial serviu
como barganha
por funcionários
"escolhidos"
para a sucessão.
c) Obviamente,
depois de um
tempo a
organização
estava uma
bagunça, tal a
zona que as
pessoas passaram
a ver como
natural e
intocável.
Qualquer
tentativa de
racionalização
ou troca
substancial de
comando foi
rejeitada.
d) Aí vem, em
seguida, o
problema da
longa gestão de
Coutinho. No
esforço de ter
controle sobre
instituição, o
Banco passou a
ser fragmentado
mais ainda, com
a criação de
instrumentos
colegiados cujo
papel
basicamente era
de constranger
as decisões da
Diretoria. As
áreas-meio
passaram a criar
normas cada vez
mais excessivas,
cada vez mais
contraditórias.
Levou-se à
proliferação dos
projetos
corporativos, de
tentativas de
formalização de
coisas que
deveriam
florescer numa
instituição
saudável, ao
contrário de
serem
enquadradas por
cronogramas,
metas e
powerpoints.
"Mudanças" nas
quais a
organização não
é alterada, onde
raras funções se
criam, nenhuma
se destrói e, na
medida do
possível,
medidas
burocráticas
permitiram aos
"alinhados"
empatar a vida
dos diretores do
PT.
e) A gestão
Coutinho trouxe
outro problema
significativo: a
ideia de que os
executivos não
podem ser
removidos de
suas funções,
rebaixados. A
ideia de se
fazerem coisas
como rodízio de
superintendentes,
como artifício
para perpetuação
no poder. A
função tornou-se
título de
nobreza que não
pode ser
revogado sem
grande
constrangimento
para o Dharma da
instituição. O
que não era
assim.
Certamente o fim
da incorporação
tem influência
relevante nisso.
Mas esse tipo de
coisa gera uma
cultura de "whatever"
de que os atos
de mediocridade
não têm
consequências.
f) Só que tem um
problema nessa
história: o
conjunto dos
funcionários sem
função passou no
mesmo concurso,
tem a mesma
qualidade
técnica. Pior:
os últimos que
entraram são
provavelmente
aqueles mais "meritosos",
que passaram em
concursos mais
competitivos. E
chegando cá eles
encontram
pessoas que a
fortuna, para
usar de
Maquiavel,
colocou lá.
Porque virtù
técnica
companheira, o
benedense modal
tem e muita.
Para a maioria
das pessoas essa
estrutura
estática,
congelada, acaba
dando um
sentimento
pesado de
injustiça. O
ocupante de
função, no
entanto, nutre a
ilusão de que a
sorte pouco
contribuiu para
ele estar lá,
que seu esforço
técnico levou a
isso. Essa é uma
ilusão mapeada
por vários
campos da
ciência do
homem, o
confortável
engodo da
meritocracia.
Desse processo
decorreu uma
instituição
onde, nos
últimos anos,
qualquer
alinhamento
ideológico ao
governo – que já
era difícil pela
ideologia
neoliberal –
fosse restrito,
desestimulado.
Onde um número
significativo de
pessoas se veem
injustiçadas,
pois todos se
julgam muito
melhores que a
média – e de
fato o são fora
destas vidraças,
e de fato têm
razão de se
sentir
injustiçados.
Pois o trabalho
aqui torna-se
crescentemente
uma encenação
desagradável,
onde é negada a
criatividade a
um conjunto
"brilhante" de
pessoas.
O que fazer?
Como transformar
esse conjunto de
assholes
num grupo
saudável de
seres humanos,
de pessoas
motivadas a
realizar não só
o
extraordinário,
mas o ordinário,
o necessário?
Assumindo o
papel de Red
Team – e isto
falta a esta
instituição, Red
Teams, proponho:
a) A função tem
que perder
relevância na
estrutura
salarial. É
simples, resolve
inclusive parte
dos problemas
associados à
FAPES. Todos os
funcionários de
nível superior
passam a ter a
função de
coordenador,
todos de nível
técnico a de
secretário de
superintendente.
Com isso,
discussões como
GEP passam a ser
irrelevantes.
Isso pode ser
feito, por
exemplo, a
partir de dois
anos, de forma
ao salário não
aparecer
publicamente
como tão
atrativo. Mas
isso reduz a
distância sem
afetar a FAPES,
sem mudar o
plano de cargos
e salários e sem
um custo tão
alto assim. A
disputa por
funções passa a
ocorrer não mais
porque isso tem
um significado
financeiro
exagerado sobre
o salário de
quem está cá há
pouco tempo.
b) A estrutura
organizacional
tem que fazer
sentido, tem que
ser reconstruída
gradual e
permanentemente,
e não estar
sujeita a
entraves
burocráticos, de
forma a atender
à necessidade de
poder/relevância
de áreas-meio.
Isso é
prerrogativa que
deve ser
devolvida
plenamente à
Diretoria como o
colegiado maior
que é. E
exercida como
tal. A estrutura
precisa ser
revitalizada,
viva.
c) Qualquer
ideia de se
buscar um
desempenho
passível de
medição,
burocraticamente
definido,
pessoalmente
atribuível, deve
ser banida. Isso
leva a
comportamentos
não
cooperativos, a
um tipo de
instituição que
é incapaz de
atuar em
conjunto, de se
mover e defender
solidariamente.
Cabeças devem
rolar
regularmente,
sem razão
explicita mas
que todos sabem.
Os atos de
mediocridade são
visíveis, mas
não precisam ser
medidos (pois
isso leva à
manipulação) ou
mencionados
(pois cria
conflito).
d) Uma vez que a
questão de
funções esteja
resolvida, os
processos de
discussão devem
ser estimulados
no Banco, de
forma a
gradualmente se
construir alguns
consensos. Não
consensos
únicos, mas com
diferentes
visões capazes
de traduzir as
demandas de cada
momento – e de
atender a
qualquer governo
com disposição e
respeito.
e) Isso é
trabalho para
alguns anos. Há
que se ter
paciência.