Para um Brasil gerenciável
 
Mário Assis Causanilhas Rodrigues
Aposentado do BNDES, graduado e pós-graduado em Administração Pública
 
A fase em que o país atravessa, de incertezas políticas, jurídicas, sociais e ambientais, com o discurso de reformas em pauta, diariamente, me autoriza a também apresentar ideias para a construção de um Brasil viável, do ponto de vista institucional-administrativo. Sou um municipalista convicto. O município é o concreto na vida do brasileiro, territorial, social e ambientalmente. É onde nascemos, crescemos e vivemos. Portanto, no meu entendimento, para o bem-estar social da população, ele deve ser privilegiado. Essa é uma ideia básica, ampla e que, é claro, requer várias etapas de aprofundamento legal, estrutural e de ajustes.

A dimensão territorial, as características e peculiaridades regionais de clima, relevo, cultura popular, urbanização, folclore, tradições, culinária, hábitos, linguajar, enfim as profundas diferenciações reinantes no nosso país orientam para a conveniência e necessidade de se ter um outro tipo de modelagem organizacional e gerencial no Brasil. Temos no país um conjunto de características marcadamente regionalizadas, que devem e precisam ser respeitadas e preservadas para o bem da identidade cultural do povo brasileiro, funcionalidade e a concretização de programas e projetos.

Um dos aspectos, a dimensão territorial, pode ser ilustrada com a comparação entre tamanhos de importantes países e estados brasileiros: França (544.000 Km2), Minas Gerais (588.000 Km2); Portugal (91.000 Km2), Pernambuco (98.000 Km2); Inglaterra (130.000 Km2), Ceará (147.000 Km2); Itália (300.000 Km2), Maranhão (330.000 Km2); Holanda (37.000 Km2), Espírito Santo (39.000 Km2); Alemanha (376.000 Km2), Bahia (563.000 Km2) – e, finalmente, a Dinamarca está empatada com o nosso Estado do Rio de Janeiro, com algo em torno de 43.000 Km2. Todas as comparações de superfície territorial devem servir de reflexão para percebermos como é difícil administrar um país cujos estados são maiores do que os principais países europeus.

De forma alguma vemos nessas diferenciações entraves ou óbices para a nossa sociedade, seu desenvolvimento e integração. Pelo contrário, representam uma riqueza pelos aspectos das manifestações artístico-culturais, ecologia, turismo, diversidades e outras. É uma potencialidade que ostentamos e não usufruímos em favor do nosso povo porque praticamos um estilo de gestão do Estado que homogeneíza, centraliza e padroniza os atos, ações e decisões, anulando a riqueza dessas diferenciações.

O que queremos defender é a tese segundo a qual há uma dificuldade no atual modelo de gestão do Estado brasileiro, com a centralização das ações e decisões no governo federal – aliás, modelo instituído no período dos governos militares, que entrava o desenvolvimento harmônico do país, não resolve o problema dos desequilíbrios regionais e não contribui para o usufruto das potencialidades e vocações oferecidas pela diversificação e riqueza das características regionais. Queremos defender a ideia de soluções locais para problemas locais, sem a quebra da harmonia e integração territorial e nacional, mas respeitando a informação, o conhecimento e a cultura regionais. Propugnamos por um modelo político, econômico e sociocultural que referende as características regionais do país.

Concretamente, a ideia que colocamos em pauta para o debate é a da modelagem organizacional do Brasil que privilegie as cinco regiões geográficas do país. Sul, Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte teriam governos regionais. Para dirigir esses governos teríamos vice-presidentes. Nesta proposta, em lugar de elegermos um vice-presidente, elegeríamos cinco. Assim, as chapas concorrentes ao executivo nacional seriam compostas por um candidato à Presidência da República e cinco vice-presidentes. Cabendo definir qual dos vices seria o substituto imediato do presidente da República.

Ao governo central, dirigido pelo presidente da República, caberiam as ações de coordenação e integração nacionais, as relações exteriores, Justiça Federal, segurança nacional e defesa territorial, arbitragem dos possíveis conflitos de interesses entre as regiões, articulação institucional, política econômica e de setores estratégicos para o país.

As administrações regionais ficariam com as competências sobre educação, saúde, desenvolvimento regional, políticas tributárias e fiscais regionais, segurança pública, Justiça Regional. Cada região teria um poder legislativo regional. E, na esteira dessa reforma gerencial teríamos o fortalecimento do municipalismo com a extinção do ente federativo Estado. As regiões teriam uma divisão político-administrativa baseada nos municípios. Haverá ainda a necessidade de se promover a reforma constitucional, de modo a dar o legítimo amparo legal a essa reestruturação nacional e reformas político-eleitoral, fiscal e tributária – permitindo às regiões ter uma autonomia na definição dos seus respectivos modelos de administração tributária. O modelo, aberto ao debate, ainda propicia significativa redução nas despesas públicas, notadamente com a extinção das Assembleias Legislativas e todo o arcabouço administrativo dos atuais estados. Ao mesmo tempo, poderá ser debatida a redução do número de deputados federais e senadores. A redução de despesas também atinge o governo central, uma vez que o número de ministérios, secretarias, enfim, toda a atual estrutura administrativa-funcional poderá ter uma sensível redução.

As inovações ainda são exceção e são necessários mais estímulos à cooperação intermunicipal, como fez a Lei dos Resíduos Sólidos. De todo modo, persiste a questão original do artigo: os eleitores votam para prefeito e o debate se concentra nos temas locais. É verdade que o prefeito tem hoje múltiplas e importantes atribuições, não sendo mais um Odorico Paraguaçu a construir cemitérios. Contudo, nenhuma prefeitura resolverá sozinha todos os problemas coletivos sem ações cooperativas com os municípios vizinhos. O eleitor não escolherá um super-homem municipal, mas um líder com responsabilidades locais que precisa se articular regionalmente.

É inócua a discussão sobre o tamanho ou a robustez do Estado brasileiro. Grande ou pequeno, forte ou fraco, não importa. Queremos um Estado nacional realizador de suas funções e com controle social, que democraticamente universalize o atendimento das demandas sociais e distribua equitativamente as suas ações. Precisamos agir no sentido de desprivatizar o Estado, isto significando um Estado atuante para todos os estratos da sociedade e não apenas voltado para atender os grupos de influência, corporativos e com poder de pressão.

Para concluir, recorro a Rousseau que, no Pacto Social, estabelece: "o homem abdica da sua condição natural de liberdade para viver em sociedade, e sob a sua proteção. Mas, a sociedade organizada em Estado e este sem realizar a sua função precípua, violenta e escraviza o homem, trazendo a sua infelicidade. Assim, precisa o Estado fazer valer o seu poder, variando a forma conforme as condições, para resguardar os direitos subjetivos do cidadão, perfazendo o bem comum e promovendo a paz social".

 
 
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