Ai, hein?
Pensa que eu
não sei?
Toma cuidado
pois um dia
Eu fiz o
mesmo e me estrepei!
Aí, hein?
Pensa que eu
não sei?
Sou camarada
Faz de conta
que eu não sei (Lamartine
Babo)
Semana passada um amigo
querido me envia um
editorial do Estadão, “Os
inimigos do Estado”. “As
informações reunidas pelo
gabinete de transição
revelam mais do que simples
cortes de verbas e
necessários remanejamentos
orçamentários, mas uma
profunda e generalizada
desestruturação do Estado em
suas mais diversas
dimensões” diz o editorial.
Eu rio.
What took you so long, baby?
O Estadão precisou do
pessoal do gabinete de
transição para descobrir
isto? Uau! Debochado que sou
conto a presença da palavra
“militares” e da palavra
“Guedes” no artigo.
Inexistem. É como se
Bolsonaro tivesse governado
sozinho. Jesus, a palavra
“sozinho” dá toda uma outra
conotação a essa frase, como
se Jair fosse outra coisa
senão aquele colega de
faculdade que só assinou o
trabalho.
Eu rio.
Os primeiros nomes de
ministro tornam-se públicos.
Não aqueles que cuidarão de
desenvolvimento, saúde,
fome, educação. Não, esses
não são assuntos complexos
de transição. Esses são a
terra arrasada do consórcio
que assumiu o governo depois
do Golpe, depois do engodo
de se fazer do um dos mais
despreparados dos deputados
do Baixo Clero o Mito. Uma
espécie de Chance o
jardineiro regando com
Brawndo.
Anuncia-se (ainda não
oficialmente, claro) os
Ministros da Defesa e da
Justiça.
Flávio Dino é um nome óbvio,
um nome perfeito se se
considerar sua trajetória.
Afinal, como ex-juiz
concursado, ex-deputado,
ex-governador, tendo um
irmão na PGR, Flávio tem
inserção/experiência de
trabalho em todos os três
poderes. É a experiência
executiva de Flávio Dino que
o torna algo raro nos que
costumam ocupar esse cargo.
Mais do que o jurista, o
governador é o trunfo que
pode fazer dele o homem
certo num momento em que
está tudo errado.
Antes de mais nada, o
ministério da justiça tem
debaixo de si um conjunto
descontrolado de polícias.
Sob a Polícia Rodoviária
Federal, talvez a mais
inserida no projeto de
reeleição do governo que
finda, pairou a suspeita de
atos visando a impedir
eleitores de votar nas
regiões onde Lula era grande
favorito no segundo turno,
além de um corpo mole nas
manifestações de
caminhoneiros. Ilude-se quem
acha que a polícia federal
foi uma organização isenta
no Golpe em 16, que não foi
ativa participante dos
desmandos da Lava Jato, que
mesmo antes não teve algumas
de suas facções atuando para
derrubar governos.
Nada melhor para mostrar
essa relação do que o
pronunciamento de Jair
Bolsonaro à imprensa quando
da demissão de Moro (e do
chefe da PF por ele
indicado):
“Apesar de a lei de 2014
dizer que a indicação para
esse cargo a nomeação é
exclusiva do senhor
presidente da República,
abri mão disso, porque
confiava no senhor Sérgio
Moro. E ele levou a sua
equipe, trouxe a sua equipe
aqui para Brasília.
Todos os cargos-chaves são
de Curitiba. Inclusive, a
Polícia Rodoviária Federal.
Lógico, me surpreendeu. Será
que os melhores quadros da
Polícia Federal, todos
estavam em Curitiba?”
Perca a ilusão de que alguma
vez isso foi ou poderia ter
sido uma “decisão técnica”,
cara leitora. Não é e não é
para ser. Essa a ilusão “eu
sou honesta” que levou ao
Golpe.
Mas não se resume a polícias
sob seu comando o problema
de Dino. Sob seus colegas
governadores há também
polícias insubordinadas. Há
graves problemas de
contravenção, de crime, que
alimentam a insatisfação da
população, que alimentam
esquemas políticos, que
deram vida ao governo que
cessa. Melhorar a questão de
segurança sem cair em
cloroquinagens é o segundo
grande desafio.
O outro ministro, o da
Defesa, bem, este é outra
história. José Múcio
Monteiro foi uma escolha dos
militares. À primeira vista,
incauta leitora, a ideia de
que alguém que até o século
XXI foi membro do Maior
Partido do Ocidente™ (e de
seus dois herdeiros, PDS e
PFL) agradaria aos nossos
militares, tão relembrados
pelos que protestam nos
muros de seus quartéis,
parece óbvia. Mas o óbvio é
aquilo que os mágicos usam.
Devemos pensar em outra
hipótese. Que atributos mais
teria José Múcio para ser
tão querido pelos militares?
Façamos uma primeira volta
ao cão que não latiu no
editorial do Estadão: cadê
os militares? Sabe a tal da
destruição verificada? São
os milhares de membros das
forças armadas a conduziram,
com sua inexperiência para
os cargos que foram nomeados
durante o Governo Bolsonaro.
Tá certo, eles o fizeram sob
o controle de despesas
conduzido por Guedes e sua
entourage. Mas os
atos administrativos são
deles. Em geral, qualquer
coisa que você faça no
Governo implica em anos de
perseguição pelo TCU e
assemelhados. Vós, do BNDES,
sabeis disso melhor do que
ninguém. Não só como
instituição tendo que
desmobilizar recursos sob os
mais absurdos argumentos,
mas as perseguições a
indivíduos, o tempo perdido
respondendo a
questionamentos
despropositados, as mudanças
extemporâneas de
interpretação, as reputações
danificadas por pessoas que
não respondem às
consequências de seus atos.
Pense cá comigo: quantos
desses militares tem
pequenos deslizes, atos
inocentes de incompetência
burocrática? Quantos terão
seus atos devassados pelo
TCU? Não é nem necessário
que se quebre o tabu de
investigar o que fizeram
dentro das forças armadas:
basta o estrago para a
corporação ao se investigar
os milhares de militares que
foram ocupar “as boquinhas”,
os cargos com DAS da
administração federal.
Os militares não estão
querendo um camarada
ministro ou ministro
camarada: eles querem um
lobista, um advogado, um
negociador. Eles querem um
insider que possa
livrar esse conjunto de
parças que um dia comandaram
praças da caneta ávida do
Sistema U.
Por fim, desfaz-se o erro,
erro sintomaticamente também
cometido por Collor, de
unificar toda área
econômica-fiscal sob um
mesmo ministério. Mercadante
diz que vem por aí um novo
MDIC, turbinado, de novo com
BNDES. Isso discuto num
próximo artigo.
Mas nesta semana, não sei se
por obra e graça de algum
burocrata do Senado mal ou
bem intencionado, uma menção
a MMT apareceu numa PEC que
mexe com esta estupidez que
é o teto de gastos. Uma
menção simples, a questão de
que o emissor de uma moeda
soberana nunca fica
inadimplente na própria
moeda. O Mercado, esta
entidade pela qual reza o
silêncio dos atos de Guedes
e sua entourage, teve
um acesso de comportamento
histriônico.
Desses três ministérios que
vem por aí, ao que parece,
um vai ter o ex-professor do
INSPER Fernando Haddad (não
se sabe qual). Outro, o MPOG
sem a parte ligada ao
desenvolvimento a se escutar
o que disse Mercadante, há o
persistente rumor de que
ficaria com Pérsio Arida
(ainda não solte fogos com
isso, Arthur), um dos
economistas mais conectados
com o Vice-presidente. Creio
dificilmente que uma
política de MMT venha a ser
exercida pelo governo que
entra. |