Opinião

Edição nº1396 – sábado, 13 de junho de 2020

Eu, eu mesmo e a inovação

Paulo Faveret

Economista do BNDES

Eu e a gestão da inovação 

Em 2008, fui certificado como “Instrutor de Gestão da Inovação”. Inovação era uma das prioridades operacionais e o VP do Banco convidou dois professores da Universidade de Brighton para ministrar um treinamento intensivo em Gestão da Inovação a sete empregados do Banco e três da Finep. Então ocupando Geset de Biocombustíveis, fui indicado pelo superintendente da Área Industrial para participar do curso.

Para resumir uma longa história, após um começo hesitante, quando eu continuava me perguntando “o que estou fazendo aqui?”, a Gestão da Inovação se tornou uma das minhas ferramentas de gerenciamento favoritas, ajudando-me a pensar e agir diferentemente de uma maneira muito estruturada e disciplinada. Para mais informações, visite http://centrim.mis.brighton.ac.uk/. 

Uma das características mais interessantes dessa metodologia, que hoje todos chamam de “Design Thinking” é a ênfase na aprendizagem experimental, no papel crítico das mentalidades e do conjunto de habilidades, e na centralidade das normas no apoio a uma inovação bem-sucedida.  

Em breve resumo, sugere que uma jornada de inovação comece com uma intenção estratégica, ou seja, um objetivo claro de inovação. Seu fim seria a criação de mais valor do que no ponto de partida, independentemente do critério usado para definir valor (econômico, estratégico, social, ambiental ou pessoal). 

O grupo de pesquisadores liderado por Francis Davis identificou cinco fases da jornada da inovação, uma distintamente marcada por um grupo de mentalidades e conjuntos de habilidades.  

1. A jornada deve sempre começar com a “Busca”, a fase em que os participantes procuram novas ideias, caçam e colhem essas ideias. Facilitar a criatividade e identificar oportunidades são habilidades críticas para a eficácia. 

2. Depois de produzir e registrar muitas ideias, os participantes devem passar para a segunda fase, ao “Explorar” atividades. Agora, é hora de investigar e selecionar ideias promissoras, procurando um campo de trabalho mais restrito, até o momento da validação. 

3. “Compromisso” é a fase de tomar uma decisão acertada, que permite uma realização tranquila posteriormente. Não se trata apenas de “poder” ou “chefe”, mas, acima de tudo, garantir que várias partes interessadas estejam alinhadas e que os recursos sejam alocados de acordo. Isso criará as bases para uma boa realização, a fase em que as ideias são postas em prática. 

4. Na quarta fase, uma equipe de alto desempenho é essencial para alcançar resultados. O diretor também deve ser capaz de gerenciar processos operacionais e questões políticas, tendo sempre em mente a necessidade de buscar recursos em tempo hábil. 

5. Finalmente, depois que a inovação chegou ao mercado, ainda há muito espaço para otimização, que gerará mais valor do que o esperado. Para extrair “toda gota de valor disponível”, a equipe deve avaliar o valor criado, obter o máximo valor, melhorar o processo de inovação e, por último, mas não menos importante, celebrar conquistas. 

Ao contrário da abordagem processual, por etapas, a do CENTRIM sugere maior fluidez, sendo possível retornar a fases anteriores em caso de necessidade. Por exemplo, muitas vezes a otimização dos resultados de uma inovação requer revisitar a fase inicial, em busca de possíveis reposicionamentos ou redesenhos. 

A dupla natureza do BNDES e seu impacto na jornada da inovação 

O BNDES possui uma natureza dupla inevitável, expressa em um grupo de pares aparentemente contraditórios: Estado - Mercado; público - privado; sustentabilidade financeira - benefícios sociais; econômico - social; nacional - global; e assim por diante. A organização e seus empregados estão sempre lutando para equilibrar essas dimensões. Se um dos polos se torna predominante, a instabilidade ocorre e a missão de longo prazo está em risco. 

Tentando lidar com a dualidade, o BNDES desenvolveu uma espécie de hibridismo, combinando elementos de ambos os lados. De certa forma, o Banco tornou-se uma organização “anfíbia”, adaptada ao seu contexto de negócios, operando nos confusos e sempre cambiantes limites entre Estado e Mercado. Registre-se que essa maneira de apresentar as coisas é bastante ocidental ou, mais especificamente, anglo-saxônica. Em outras regiões do globo, a divisão entre os dois não é tão clara. 

“BNDES, nesta ordem” diz uma antiga expressão corrente. A mentalidade do banqueiro vem em primeiro lugar, não apenas na sigla. A disciplina associada a fazer parte do setor financeiro está incorporada nos principais processos e ferramentas da organização. Mesmo quando seduzido por um projeto com muitas externalidades sociais e ambientais positivas, o empregado do BNDES deve sempre investigar sua sustentabilidade financeira e capacidade de pagamento. A resposta é “não”, se o proponente não provar que poderá pagar o empréstimo. Sem fluxo de caixa positivo, sem garantias... sem empréstimos.

Desde o início, o processo de concessão de crédito foi projetado para classificar os projetos como viáveis ​​e inviáveis. Metas macroeconômicas, sociais, tecnológicas e ambientais são sempre levadas em consideração na análise de crédito. Mas, no final do dia, os indicadores financeiros têm uma natureza de “ir - não ir”. O objetivo é preservar a dimensão bancária da organização. Como um ex-superintendente da Área Industrial disse logo após se aposentar do BNDES: “Olhando para trás, às vezes tenho mais orgulho dos projetos ruins que não aprovei, do que dos bons que apoiei”.

 Em várias ocasiões, a mentalidade certa para os requisitos de negócios está em desacordo com a inovação. A seleção é típica da segunda fase da inovação. Na primeira fase, a busca de novas ideias e oportunidades exige que os participantes não julguem muito cedo, não selecionem desde o início. O “diferimento do julgamento” é uma das regras mais importantes para se ter uma pesquisa produtiva. Por outro lado, no BNDES, o julgamento rápido e eficaz é um dos atributos mais valiosos de um empregado. Muitos dos gerentes foram promovidos exatamente por causa dessa característica. A consequência é que eles julgam o tempo todo, frequentemente sufocando novas ideias e drenando energia de colegas menos ousados. 

Outra maneira de olhar para a moeda de dois lados é considerar a abordagem “vamos fazer”. O BNDES tem um forte compromisso em fazer o que é exigido por cada contexto e fase de desenvolvimento. Isso significa que o acesso a posições gerenciais depende da execução. Quanto mais alguém é capaz de executar, maior a probabilidade de entrar na trilha gerencial. Isso acrescenta outra dificuldade para a jornada da inovação: os gerentes não apenas tendem a julgar o tempo todo, mas também preferem pular para a execução. A primeira e a terceira fases da inovação – busca e comprometimento – são frequentemente muito curtas, não permitindo um processo equilibrado. Algumas dimensões são esquecidas ou mal consideradas, impondo um ônus à fase de execução, quando todos os tópicos ocultos tendem a reaparecer. 

Além desses preconceitos de mentalidade, existem outros elementos que trazem dificuldades ao processo de inovação do Banco.

 a) A estrutura organizacional é muito tradicional, vertical e orientada a funções; 

b) Como empresa estatal, o Banco possui muitos regulamentos internos e externos, aumentando a inércia e mantendo-se fiel ao que funcionou bem no passado; 

c) Devido à natureza colaborativa do trabalho e do processo de tomada de decisão, novas ideais podem levar muito tempo para serem avaliadas, sobretudo na falta de métodos e espaços adequados; 

d) As iniciativas corporativas têm sido erráticas. O concurso de ideias promovido em 2018 – IdeiasLab – foi alvissareiro, produziu frutos, mas não teve prosseguimento. Algumas áreas têm sido mais persistentes na direção da inovação, com destaque para a ATI, porém seguimos sem um programa corporativo pró-inovação. 

É possível que uma organização como essa aumente a taxa de inovações? Minha resposta é positiva. O foco de um programa de mudança deve estar na dimensão soft da inovação – mentalidades, habilidades e regras. Em vez de tentar lançar um programa abrangente, sou a favor de um conjunto gradual de atividades destinadas a demonstrar de maneira experimental o poder de uma mudança comportamental. A disseminação de novas atitudes facilitaria a jornada da inovação. Por sua vez, o nível reduzido de conflito criaria um contexto político e cultural permeável a novas mudanças. 

Para finalizar, um pouco de antropologia 

Definida como “a extensão em que os membros menos poderosos das instituições e organizações de um país esperam e aceitam que o poder seja distribuído de maneira desigual”, a distância de poder no Brasil atingiu uma pontuação de 69 em 100. Essa alta pontuação expressa uma crença difundida de que “a hierarquia deve ser respeitada e as desigualdades entre as pessoas são aceitáveis. (...) Nas empresas, existe um chefe que assume total responsabilidade. Os símbolos de status de poder são muito importantes para indicar posição social e ‘comunica’ o respeito que poderia ser demonstrado” (ver https://www.hofstede-insights.com/country/brazil/). 

 Vivemos em uma sociedade onde ainda é disseminado o uso da expressão “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A clássica diferenciação proposta por Roberto DaMatta entre “rua” – lugar da impessoalidade e da coisa pública – e “casa” – lugar dos afetos e favorecimentos – segue sendo fluida, a julgar por tantas evidências. No mundo das corporações o cargo de “confiança” é entendido como a confiança da pessoa que manda na pessoa que é escolhida, quando o critério deveriam ser os encaixes entre os requisitos da função e as competências das pessoas, independente do conhecimento pessoal entre as partes.

A citação a seguir é longa, mas resume bem o espalhamento dessas atitudes pela sociedade, a começar pelas escolas, o que sugere quão profundas são as raízes: “Quando olho o Brasil, vejo um sistema educacional que tem muitas estruturas verticais. Os professores estão sempre olhando para cima, os alunos sempre olham para cima”, avaliou Schkeicher (presidente do PISA). “Precisamos de algo diferente. É muito raro o professor aprender com o próximo, que está ao lado, em vez de olhar para cima (e seguir um modelo). No Brasil as pessoas são tão colaborativas, e quando olhamos as escolas, essa cultura está totalmente ausente. Vocês passam muito tempo tentando levar ideias para a escola e pouco tempo tentando achar as boas ideias que já estão ali dentro”. 

Essas características são muito negativas para a fluidez e a velocidade da jornada de inovação. Por exemplo, geram certa apatia dos “não-executivos” por variadas razões. Isso implica em menos contribuições, menor diversidade e, portanto, redução do potencial de inovação, além de subavaliação de riscos potenciais.  

Tendo em vista tais características sociais, culturais e de poder, parece essencial para o sucesso de um programa de inovação que certos comportamentos sejam contidos, até sancionados quando necessário. Ou seja, para além das regras positivas – faça isso ou aquilo –, é fundamental definir regras negativas – não faça isso ou aquilo. Estas últimas evitarão que a cultura e os jogos de poder tradicionais prejudiquem os bens intencionados esforços de aumento da frequência da inovação em organizações conservadoras.

Sobre o título 

O objetivo inicial era dar um tom pessoal à reflexão sobre inovação. O caminho seguido foi outro, como há de ter percebido quem chegou até aqui. Porque gostei do título, deixo como pensado inicialmente, prometendo uma continuação mais intimista em breve.

 

 

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