Eu e a gestão da
inovação
Em 2008, fui certificado
como “Instrutor de
Gestão da Inovação”.
Inovação era uma das
prioridades operacionais
e o VP do Banco convidou
dois professores da
Universidade de Brighton
para ministrar um
treinamento intensivo em
Gestão da Inovação a
sete empregados do Banco
e três da Finep. Então
ocupando Geset de
Biocombustíveis, fui
indicado pelo
superintendente da Área
Industrial para
participar do curso.
Para resumir uma longa
história, após um começo
hesitante, quando eu
continuava me
perguntando “o que estou
fazendo aqui?”, a Gestão
da Inovação se tornou
uma das minhas
ferramentas de
gerenciamento favoritas,
ajudando-me a pensar e
agir diferentemente de
uma maneira muito
estruturada e
disciplinada. Para mais
informações, visite
http://centrim.mis.brighton.ac.uk/.
Uma das características
mais interessantes dessa
metodologia, que hoje
todos chamam de “Design
Thinking” é a ênfase na
aprendizagem
experimental, no papel
crítico das mentalidades
e do conjunto de
habilidades, e na
centralidade das normas
no apoio a uma inovação
bem-sucedida.
Em breve resumo, sugere
que uma jornada de
inovação comece com uma
intenção estratégica, ou
seja, um objetivo claro
de inovação. Seu fim
seria a criação de mais
valor do que no ponto de
partida,
independentemente do
critério usado para
definir valor
(econômico, estratégico,
social, ambiental ou
pessoal).
O
grupo de pesquisadores
liderado por Francis
Davis identificou cinco
fases da jornada da
inovação, uma
distintamente marcada
por um grupo de
mentalidades e conjuntos
de habilidades.
1.
A jornada deve sempre
começar com a “Busca”, a
fase em que os
participantes procuram
novas ideias, caçam e
colhem essas ideias.
Facilitar a criatividade
e identificar
oportunidades são
habilidades críticas
para a eficácia.
2.
Depois de produzir e
registrar muitas ideias,
os participantes devem
passar para a segunda
fase, ao “Explorar”
atividades. Agora, é
hora de investigar e
selecionar ideias
promissoras, procurando
um campo de trabalho
mais restrito, até o
momento da validação.
3.
“Compromisso” é a fase
de tomar uma decisão
acertada, que permite
uma realização tranquila
posteriormente. Não se
trata apenas de “poder”
ou “chefe”, mas, acima
de tudo, garantir que
várias partes
interessadas estejam
alinhadas e que os
recursos sejam alocados
de acordo. Isso criará
as bases para uma boa
realização, a fase em
que as ideias são postas
em prática.
4.
Na quarta fase, uma
equipe de alto
desempenho é essencial
para alcançar
resultados. O diretor
também deve ser capaz de
gerenciar processos
operacionais e questões
políticas, tendo sempre
em mente a necessidade
de buscar recursos em
tempo hábil.
5.
Finalmente, depois que a
inovação chegou ao
mercado, ainda há muito
espaço para otimização,
que gerará mais valor do
que o esperado. Para
extrair “toda gota de
valor disponível”, a
equipe deve avaliar o
valor criado, obter o
máximo valor, melhorar o
processo de inovação e,
por último, mas não
menos importante,
celebrar conquistas.
Ao
contrário da abordagem
processual, por etapas,
a do CENTRIM sugere
maior fluidez, sendo
possível retornar a
fases anteriores em caso
de necessidade. Por
exemplo, muitas vezes a
otimização dos
resultados de uma
inovação requer
revisitar a fase
inicial, em busca de
possíveis
reposicionamentos ou
redesenhos.
A
dupla natureza do BNDES
e seu impacto na jornada
da inovação
O
BNDES possui uma
natureza dupla
inevitável, expressa em
um grupo de pares
aparentemente
contraditórios: Estado -
Mercado; público -
privado;
sustentabilidade
financeira - benefícios
sociais; econômico -
social; nacional -
global; e assim por
diante. A organização e
seus empregados estão
sempre lutando para
equilibrar essas
dimensões. Se um dos
polos se torna
predominante, a
instabilidade ocorre e a
missão de longo prazo
está em risco.
Tentando lidar com a
dualidade, o BNDES
desenvolveu uma espécie
de hibridismo,
combinando elementos de
ambos os lados. De certa
forma, o Banco tornou-se
uma organização
“anfíbia”, adaptada ao
seu contexto de
negócios, operando nos
confusos e sempre
cambiantes limites entre
Estado e Mercado.
Registre-se que essa
maneira de apresentar as
coisas é bastante
ocidental ou, mais
especificamente,
anglo-saxônica. Em
outras regiões do globo,
a divisão entre os dois
não é tão clara.
“BNDES, nesta ordem” diz
uma antiga expressão
corrente. A mentalidade
do banqueiro vem em
primeiro lugar, não
apenas na sigla. A
disciplina associada a
fazer parte do setor
financeiro está
incorporada nos
principais processos e
ferramentas da
organização. Mesmo
quando seduzido por um
projeto com muitas
externalidades sociais e
ambientais positivas, o
empregado do BNDES deve
sempre investigar sua
sustentabilidade
financeira e capacidade
de pagamento. A resposta
é “não”, se o proponente
não provar que poderá
pagar o empréstimo. Sem
fluxo de caixa positivo,
sem garantias... sem
empréstimos.
Desde o início, o
processo de concessão de
crédito foi projetado
para classificar os
projetos como viáveis
e inviáveis. Metas
macroeconômicas,
sociais, tecnológicas e
ambientais são sempre
levadas em consideração
na análise de crédito.
Mas, no final do dia, os
indicadores financeiros
têm uma natureza de “ir
- não ir”. O objetivo é
preservar a dimensão
bancária da organização.
Como um
ex-superintendente da
Área Industrial disse
logo após se aposentar
do BNDES: “Olhando para
trás, às vezes tenho
mais orgulho dos
projetos ruins que não
aprovei, do que dos bons
que apoiei”.
Em várias ocasiões, a
mentalidade certa para
os requisitos de
negócios está em
desacordo com a
inovação. A seleção é
típica da segunda fase
da inovação. Na primeira
fase, a busca de novas
ideias e oportunidades
exige que os
participantes não
julguem muito cedo, não
selecionem desde o
início. O “diferimento
do julgamento” é uma das
regras mais importantes
para se ter uma pesquisa
produtiva. Por outro
lado, no BNDES, o
julgamento rápido e
eficaz é um dos
atributos mais valiosos
de um empregado. Muitos
dos gerentes foram
promovidos exatamente
por causa dessa
característica. A
consequência é que eles
julgam o tempo todo,
frequentemente sufocando
novas ideias e drenando
energia de colegas menos
ousados.
Outra maneira de olhar
para a moeda de dois
lados é considerar a
abordagem “vamos fazer”.
O BNDES tem um forte
compromisso em fazer o
que é exigido por cada
contexto e fase de
desenvolvimento. Isso
significa que o acesso a
posições gerenciais
depende da execução.
Quanto mais alguém é
capaz de executar, maior
a probabilidade de
entrar na trilha
gerencial. Isso
acrescenta outra
dificuldade para a
jornada da inovação: os
gerentes não apenas
tendem a julgar o tempo
todo, mas também
preferem pular para a
execução. A primeira e a
terceira fases da
inovação – busca e
comprometimento – são
frequentemente muito
curtas, não permitindo
um processo equilibrado.
Algumas dimensões são
esquecidas ou mal
consideradas, impondo um
ônus à fase de execução,
quando todos os tópicos
ocultos tendem a
reaparecer.
Além desses preconceitos
de mentalidade, existem
outros elementos que
trazem dificuldades ao
processo de inovação do
Banco.
a) A estrutura
organizacional é muito
tradicional, vertical e
orientada a funções;
b)
Como empresa estatal, o
Banco possui muitos
regulamentos internos e
externos, aumentando a
inércia e mantendo-se
fiel ao que funcionou
bem no passado;
c)
Devido à natureza
colaborativa do trabalho
e do processo de tomada
de decisão, novas ideais
podem levar muito tempo
para serem avaliadas,
sobretudo na falta de
métodos e espaços
adequados;
d)
As iniciativas
corporativas têm sido
erráticas. O concurso de
ideias promovido em 2018
– IdeiasLab – foi
alvissareiro, produziu
frutos, mas não teve
prosseguimento. Algumas
áreas têm sido mais
persistentes na direção
da inovação, com
destaque para a ATI,
porém seguimos sem um
programa corporativo
pró-inovação.
É
possível que uma
organização como essa
aumente a taxa de
inovações? Minha
resposta é positiva. O
foco de um programa de
mudança deve estar na
dimensão soft da
inovação – mentalidades,
habilidades e regras. Em
vez de tentar lançar um
programa abrangente, sou
a favor de um conjunto
gradual de atividades
destinadas a demonstrar
de maneira experimental
o poder de uma mudança
comportamental. A
disseminação de novas
atitudes facilitaria a
jornada da inovação. Por
sua vez, o nível
reduzido de conflito
criaria um contexto
político e cultural
permeável a novas
mudanças.
Para finalizar, um
pouco de antropologia
Definida como “a
extensão em que os
membros menos poderosos
das instituições e
organizações de um país
esperam e aceitam que o
poder seja distribuído
de maneira desigual”, a
distância de poder no
Brasil atingiu uma
pontuação de 69 em 100.
Essa alta pontuação
expressa uma crença
difundida de que “a
hierarquia deve ser
respeitada e as
desigualdades entre as
pessoas são aceitáveis.
(...) Nas empresas,
existe um chefe que
assume total
responsabilidade. Os
símbolos de status de
poder são muito
importantes para indicar
posição social e
‘comunica’ o respeito
que poderia ser
demonstrado” (ver
https://www.hofstede-insights.com/country/brazil/).
Vivemos em uma
sociedade onde ainda é
disseminado o uso da
expressão “manda quem
pode, obedece quem tem
juízo”. A clássica
diferenciação proposta
por Roberto DaMatta
entre “rua” – lugar da
impessoalidade e da
coisa pública – e “casa”
– lugar dos afetos e
favorecimentos – segue
sendo fluida, a julgar
por tantas evidências.
No mundo das corporações
o cargo de “confiança” é
entendido como a
confiança da pessoa que
manda na pessoa que é
escolhida, quando o
critério deveriam ser os
encaixes entre os
requisitos da função e
as competências das
pessoas, independente do
conhecimento pessoal
entre as partes.
A
citação a seguir é
longa, mas resume bem o
espalhamento dessas
atitudes pela sociedade,
a começar pelas escolas,
o que sugere quão
profundas são as raízes:
“Quando olho o Brasil,
vejo um sistema
educacional que tem
muitas estruturas
verticais. Os
professores estão sempre
olhando para cima, os
alunos sempre olham para
cima”, avaliou
Schkeicher (presidente
do PISA). “Precisamos de
algo diferente. É muito
raro o professor
aprender com o próximo,
que está ao lado, em vez
de olhar para cima (e
seguir um modelo). No
Brasil as pessoas são
tão colaborativas, e
quando olhamos as
escolas, essa cultura
está totalmente ausente.
Vocês passam muito tempo
tentando levar ideias
para a escola e pouco
tempo tentando achar as
boas ideias que já estão
ali dentro”.
Essas características
são muito negativas para
a fluidez e a velocidade
da jornada de inovação.
Por exemplo, geram certa
apatia dos
“não-executivos” por
variadas razões. Isso
implica em menos
contribuições, menor
diversidade e, portanto,
redução do potencial de
inovação, além de
subavaliação de riscos
potenciais.
Tendo em vista tais
características sociais,
culturais e de poder,
parece essencial para o
sucesso de um programa
de inovação que certos
comportamentos sejam
contidos, até
sancionados quando
necessário. Ou seja,
para além das regras
positivas – faça isso ou
aquilo –, é fundamental
definir regras negativas
– não faça isso ou
aquilo. Estas últimas
evitarão que a cultura e
os jogos de poder
tradicionais prejudiquem
os bens intencionados
esforços de aumento da
frequência da inovação
em organizações
conservadoras.
Sobre o título
O
objetivo inicial era dar
um tom pessoal à
reflexão sobre inovação.
O caminho seguido foi
outro, como há de ter
percebido quem chegou
até aqui. Porque gostei
do título, deixo como
pensado inicialmente,
prometendo uma
continuação mais
intimista em breve.
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