Editorial

Edição nº1396 – sábado, 13 de junho de 2020

Obrigações dos democratas, partidarismo, liderança e democracia

Na edição do VÍNCULO 1389, de 25/04/2020, em editorial intitulado “Brasil: crise política, econômica e sanitária”, apresentamos a posição polêmica de que “em defesa da democracia brasileira, em defesa da saúde e da vida dos brasileiros ameaçadas pela pandemia do novo coronavírus, entendemos que Jair Bolsonaro não tem mais condições de continuar na Presidência da República”. Aparentemente, alguns sócios da AF só tomaram conhecimento dessa posição no editorial da semana passada, talvez por conta do seu título: “Apoiamos todos os movimentos pelo afastamento do presidente”, onde simplesmente extraímos a consequência do posicionamento anunciado no final de abril. O outro propósito do último editorial foi nos posicionarmos em relação à polêmica sobre o quão ampla deve ser a frente democrática. Para nós, ela deve ser a mais ampla possível. 

Mas é importante esclarecer algumas questões fundamentais sobre o nosso posicionamento. 

Em primeiro lugar, trata-se de uma posição da diretoria da AFBNDES. Uma posição dos empregados do BNDES ou dos sócios da AFBNDES só poderia ser proclamada formalmente após uma plenária ou assembleia geral. Quando for oportuno, submeteremos a posição da diretoria a uma assembleia, como fizemos em relação a várias posições que a diretoria da Associação assumiu ao longo dos últimos quatro anos.  

Em segundo lugar, tal posicionamento nada tem a ver com “partidarismo” da atual diretoria. É tão ampla a gama de partidos que assumiram posição a favor do afastamento, que talvez o oposto pudesse ser dito, ou seja, que manter uma posição a favor ou neutralidade em relação ao atual governo seria sinal de partidarismo.  

Quando a diretoria da AFBNDES publicou o editorial mencionado acima (de 25/04) já haviam se manifestado publicamente, do mesmo modo, o ex-presidente FHC e o presidente do partido Novo, João Amoêdo, sem mencionar todos os partidos que podem ser considerados de esquerda e centro-esquerda (PT, PDT, PSOL, PCdoB, PSB, Rede e Cidadania – antigo PPS). O que significa dizer que quase todos os partidos e lideranças que apresentaram candidaturas nas últimas eleições haviam assumido essa postura. João Amoêdo, do Novo, não é a única liderança que apoiou Bolsonaro no segundo turno que passou a defender o afastamento do presidente. Entre as várias organizações conservadoras/liberais que surgiram a partir de 2013 e que apoiaram Bolsonaro no turno final, o MBL – certamente a mais conhecida e bem-sucedida politicamente – não só declarou posição a favor do impedimento do presidente, como protocolou pedido de impedimento na Câmara. No movimento social, as centrais sindicais iniciaram campanha pelo impedimento em 21 de maio e mais de 400 entidades (associações, sindicatos etc.) entraram também com pedido coletivo de impeachment.  

Do lado do presidente, partidariamente, restaram parte do PSL e os partidos do Centrão, para quem Bolsonaro já criou até ministério.

Em resumo, a posição da diretoria da AFBNDES é certamente política, mas de forma alguma é partidária, muito menos eleitoral. Esses conceitos são comumente confundidos, mas é fundamental distingui-los. Cada um usa o termo que quiser. Esperamos apenas que os que discordam da posição da diretoria sejam explícitos sobre suas definições. Já mencionamos diversas vezes – em editoriais e em comunicações diretas com os empregados do Banco – que conhecemos a tradição de partidarização de boa parte do movimento social e somos completamente contrários a tal imiscuidade. Nunca tivemos, entre os membros da diretoria, posicionamento partidário e eleitoral comum, nunca procuramos ter e somos contra o uso eleitoral ou partidário da AFBNDES.  

Em terceiro lugar, acreditamos, sim, que é papel da AFBNDES se posicionar sobre grandes temas da política nacional. Como já citamos algumas vezes nas páginas desse jornal, reivindicamos com muito orgulho a história do posicionamento da AFBNDES no movimento da ‘Diretas, Já!’ nos anos 80 (que ao contrário do que podem pensar alguns, certamente não foi consensual à época). Entendemos que a AFBNDES é também um entidade civil comprometida com a democracia no Brasil e temos a obrigação de defender o regime democrático.  

Em quarto lugar, estamos plenamente conscientes de que todo posicionamento está sujeito a erro, mas é papel mínimo de qualquer liderança tomar posições e submetê-las à base. É um tipo de risco inerente à função. Estamos plenamente conscientes de que quando nos posicionamos não teremos o pleno acordo do conjunto dos associados. Esperamos ter o da maioria.  

Isso nos leva a um ponto de grande importância. Como lidar com a diversidade de posições dentro da AFBNDES? Acreditamos que garantindo a expressão das diversas posições nas plenárias e, de forma mais corriqueira, no nosso semanário, o VÍNCULO. Nossa coluna de Opinião sempre esteve e estará aberta aos que discordam da diretoria da AFBNDES. Infelizmente, entre os poucos que expressam divergências predomina mais uma indignação com o fato de a diretoria se posicionar, do que (o que seria mais construtivo) a articulação de argumentos contra os posicionamentos da diretoria.  

O pleno “respeito” que alguns reivindicam pela diversidade de visões dos membros da AFBNDES levaria à impossibilidade de ação efetiva da Associação. A diversidade de posições, note-se, vale para grandes e pequenas questões. Então, sugerimos aos que se sentem muito indignados em ler nas páginas do VÍNCULO posições que contrariam suas convicções, que transformem essa indignação em coragem, determinação, esforço, para se contraporem, explicitamente, à linha editorial do nosso semanário. Temos muito poucos exemplos de ações como esta, e, infelizmente, é mais fácil lembrar alguns exemplos da atitude mais fácil, covarde e destrutiva, de tentar contrapor essas posições por meio da difusão de insinuações e desconfianças infundadas sobre a diretoria da Associação.  

Em quinto lugar, aos que estão preocupados com a negociação do acordo coletivo de trabalho e outras questões com a atual direção do Banco, lembramos que essa equação depende muito menos da boa vontade da diretoria do BNDES com a Associação do que da capacidade de mobilização dos empregados. Foi assim no passado, continua sendo assim no presente. Para dar um exemplo, defendemos nossa cláusula de estabilidade no último acordo de forma exemplar, e se depender da atual diretoria, faremos o mesmo novamente. Mobilização significa várias coisas: se associar à AFBNDES, acompanhar nossas comunicações, prestigiar os eventos por ela convocados... Significa espírito de solidariedade e identificação entre os empregados do BNDES.  

Gostamos de acreditar que somos uma organização que dialoga e prioriza o diálogo. Temos tido uma experiência de aproximação extraordinária com a FAPES nos últimos anos. Temos orgulho do papel que cumprimos no sentido de criar respeito e confiança na relação entre a diretoria da Fundação e seus beneficiários. Que fique claro: tivemos custo para seguir nesse caminho. Articulamos entendimento com uma diretoria da FAPES sobre a qual havia profunda desconfiança de vários segmentos de empregados e aposentados do Banco e no momento em que essa diretoria realizava uma reestruturação organizacional pesada. Enfrentamos os incendiários e irresponsáveis que queriam fazer uma guerra santa contra a Fundação por conta dessa reestruturação. Soubemos manter independência e solidariedade com os colegas da FAPES. Mantivemos nossa vigilância sobre as atitudes da diretoria da entidade, mas não deixamos que essas questões contaminassem a necessidade de dialogar sobre o que era de interesse dos beneficiários.

Do mesmo modo, soubemos separar divergência de convergências com administrações anteriores do BNDES. Mantemos ótimas relações com alguns ex-presidentes e diretores do Banco, mesmo que tenhamos divergido de todos em algum momento e em alguns pontos. Algumas vezes de forma dura. Alegra-nos ter contado com Paulo Rabello de Castro e Dyogo Oliveira no histórico evento contra a PEC da Previdência, no Auditório do Banco, assim como com o depoimento de Joaquim Levy na justa homenagem a Carlos Lessa.  

Infelizmente, a atual diretoria é excepcional – no sentido negativo. Revelou-se hostil à instituição e especialmente truculenta. Ignorou pedido de informação e diálogo vindo da Associação, nega-se a defender o BNDES no Congresso e na imprensa, esbanja declarações que comprometem empregados do Banco e chegou a demitir da forma mais injusta e covarde um colega do Banco. Surpreende-nos que a atual diretoria conte com a proximidade de vários colegas da Casa. Ficamos perplexos em ver na prática o que esses colegas pensam e são capazes de aprovar sobre a instituição em que construíram suas carreiras profissionais. Mas nunca nos negamos a dialogar nas poucas ocasiões em que fomos convocados. Continuamos dando sugestões construtivas, e apoiando as iniciativas da diretoria que nos parecem positivas.

Finalmente, em sexto lugar, já procuramos apresentar a fundamentação de nossa posição sobre o atual governo nos últimos editoriais e não nos alongaremos aqui. Mas não é com satisfação que sustentamos a posição sobre a necessidade do afastamento do presidente da República. Vivemos uma situação dramática e estamos nos encaminhando para uma experiência nunca vista por gerações de brasileiros. É a vida de irmãos, principalmente alguns dos mais frágeis compatriotas, que está em risco. Estamos falando de pessoas com idade avançada, estamos falando dos milhões que têm pior condição social. Estamos falando de um governo que desorganizou completamente o Ministério da Saúde no meio da pior crise sanitária que o país já enfrentou; de um governo que não tem pudor em tentar dificultar acesso a informações sobre o avanço da pandemia; que falhou seguidamente em organizar o atendimento hospitalar; que incentiva seus apoiadores a invadir hospitais e a cometer uma série de crimes em nome do constante ‘negacionismo’; que falhou em produzir ou adquirir testes. Estamos falando de um governo que já deu prova de total despreparo no enfretamento das consequências econômicas da pandemia.  

É difícil ainda vislumbrar o fim desse governo, mas isso aumenta – não diminui – a importância do posicionamento de todos os democratas brasileiros. Esse movimento é necessário, se não para alcançar o impedimento, para manter o presidente recuado em suas investidas mais antidemocráticas. Isso aumenta a responsabilidade dos democratas, e dos que estão à frente de entidades da sociedade civil. É por compromisso com esses caros princípios, e não por qualquer outra razão, que tomamos nossa posição quanto ao afastamento do presidente e a submeteremos, em breve, ao conjunto dos empregados do BNDES.

 

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