Duas condições
básicas são
imprescindíveis para
o desenvolvimento
econômico. A
primeira consiste na
construção de
externalidades
positivas,
configurando um
ambiente
locacional
favorável para os
investimentos. Estas
se baseiam na
disponibilidade de
infraestrutura
física e
humana (esta
última tendo como
epicentro saúde e
educação) e,
concomitantemente,
na existência de
aglomerações. Assim,
as aglomerações
viabilizam
economicamente a
construção da
infraestrutura, a
qual gera mais
aglomerações,
configurando um
círculo virtuoso
(do desenvolvimento)
ou vicioso
(do
subdesenvolvimento).
Indiretamente, a
disponibilidade de
infraestrutura
viabiliza a formação
de aglomerações de
MPMEs, as quais são
também produtoras de
importantes
externalidades, que
se tornam
decisivas para a
construção de um
ambiente
locacional
favorável.
A segunda condição
consiste na
construção de uma
Base de Exportação (BE)
de bens e serviços,
a mais dinâmica e
diversificada
possível. Esses
negócios
competitivos do
país têm por pilar
todas as
externalidades
positivas, ao mesmo
tempo em que as
incrementam,
configurando o
círculo virtuoso do
desenvolvimento.
A macroeconomia do
mainstream,
autodenominada "a
corrente principal
do pensamento
econômico", trabalha
com a hipótese da
concorrência
perfeita,
considerando que
tais externalidades
positivas
(simplesmente a base
estrutural para o
desenvolvimento
econômico) são
apenas
exceções,
portanto,
irrelevantes para a
análise econômica.
Para os
investimentos serem
dinamizados,
bastaria a volta da
confiança,
centrada no ajuste
fiscal e outras
variáveis
macroeconômicas.
Assim, por hipótese,
instituições como o
BNDES seriam
desnecessárias.
Como a questão dos
investimentos é uma
questão de
crença
ideológica,
poderíamos
sintetizá-la na
seguinte frase: "se
Deus quiser,
cumpridos todos os
purgamentos,
os investimentos
virão". Mas Deus
pode não querer... e
aí precisaremos de
instituições como o
BNDES.
1. O papel mais
importante do BNDES:
ajudar na construção
da infraestrutura
brasileira
Sinteticamente, uma
instituição como o
BNDES poderia
realizar três tipos
de ações em prol do
desenvolvimento
econômico:
Uma primeira, e
talvez a mais
importante, seria
baseada em sua
antiga e reconhecida
expertise em
projetos, atuar na
viabilização da
construção da
infraestrutura
física do país. Uma
vez que,
historicamente, o
investimento estatal
tem problemas
estruturais de
governança,
tornou-se
consenso, no
Brasil, em todos os
governos desde a
democratização,
incluídos os 13 anos
de governo petista,
que os investimentos
em infraestrutura
precisam ser
privatizados. E
essa privatização,
podendo até incluir,
eventualmente, a
riqueza
velha, já
criada, teria de ter
por eixo o
investimento novo.
Viabilizar isso
deveria ser uma das
primeiras e mais
importantes
missões do
BNDES, na verdade
aperfeiçoando o que
já vem fazendo ao
longo de toda a sua
história, e, em
especial, nos
últimos 20 anos.
Ações de três tipos
poderiam ser
realizadas pelo
BNDES em seu apoio à
construção da
infraestrutura. Uma
primeira, básica,
seria simular os
possíveis cenários e
estimar a taxa de
retorno dos
projetos. Com essa
caracterização, o
poder público seria
devidamente balizado
para uma definição
da política
governamental a ser
adotada para
determinado
segmento. A segunda,
mais complexa, seria
definir o
funding
adequado
para a viabilização
de cada projeto. A
terceira seria
participar, se
necessário, da
viabilização deste
funding
adequado, o
qual,
sinteticamente,
poderia prever duas
situações de
enquadramento:
i) Se, por acaso, a
taxa de retorno
simulada for
inteiramente
compatível com
soluções de mercado,
seja do ponto de
vista do
financiamento, seja
ponto de vista do
funding
(consolidação do
capital), o BNDES
poderia, se
necessário, atuar
complementarmente no
financiamento, ao
lado das
instituições
financeiras do
mercado;
ii ) Se, por outro
lado, a taxa de
retorno for inferior
ao mínimo necessário
a uma solução de
mercado, a missão do
BNDES será
estruturar
alternativas de
funding
que venham a
viabilizar o
empreendimento.
Sobre o funding
adequado no contexto
desta segunda
hipótese, poderíamos
dizer que a solução
clássica tem sido a
criação formal ou
informal de PPPs,
cabendo ao poder
público complementar
o capital do
empreendimento,
tornando-o
compatível com a
taxa de retorno do
mercado. Como o
problema estrutural
das PPPs é a não
confiabilidade do
próprio poder
público, uma solução
mais simples seria a
criação, por
programas, de
moedas
especiais
(subsidiadas, tendo
como referência o
custo de
financiamento da
dívida pública),
sendo a TJLP mais
conhecida e
utilizada em termos
de volume e tempo de
duração. O custo
fiscal da criação de
uma moeda
especial poderia
ser equacionado por
programas.
Os termos deste
equacionamento, já
realizado a nível
mais agregado por
técnicos do BNDES,
incluem desde os
impostos e
dividendos embutidos
nos spreads
do Banco, até os
impostos embutidos
nos efeitos
multiplicadores e
aceleradores. 1
Ponderando todas as
variáveis, chega-se
ao resultado fiscal
esperado de
determinado
programa. Se tal
resultado for
positivo, um simples
financiamento com
moeda
especial seria
suficiente para
viabilizar o
investimento,
tornando-o
financeiramente
sustentável tanto
para o setor público
quanto para o
privado.
Ainda assim, mesmo
com a definição de
programas e projetos
com consistência
fiscal, seu
funding apropriado
pode não estar
garantido, seja pela
concentração e
escassez de virtuais
operadores com
capacidade de
capital (equity),
seja porque, em
vista disso, a
solução
estrutural
historicamente
recorrente nas
economias
periféricas – o
recurso ao capital
estrangeiro em
projetos de
infraestrutura – é
macro-economicamente
inviável.2
Aqui, mais uma vez,
o BNDES poderia
ajudar, seja
configurando um
programa de renda
variável, em
consonância com uma
proposta de
moeda
especial para o
financiamento, seja
criando uma moeda
especial para
a previdência
complementar, saindo
daí o equity
vital para os
projetos de
infraestrutura.3
Entretanto, mesmo
com moedas
especiais para o
financiamento e para
o equity, há
projetos de
infraestrutura,
imprescindíveis para
o desenvolvimento,
cuja taxa de retorno
obrigaria
necessariamente à
utilização explícita
dos esquemas de PPPs.
Seria o caso, por
exemplo, da
construção da rede
metroviária, da rede
ferroviária (na
maioria dos casos) e
da universalização
do saneamento
básico. Partindo do
suposto de que a
governança privada
ajudaria muitíssimo
na minimização de
custos de
investimentos dos
projetos nesses
setores, o BNDES
poderia, mais uma
vez, ajudar como
interveniente da
execução das
garantias,
viabilizando a
participação privada
nas PPPs.4
2. Segunda missão do
BNDES: apoio
decisivo às MPMEs
Na verdade, ao lado
da infraestrutura,
que por sua própria
natureza é
caracterizada pelas
externalidades,
constituindo um
entrave a
ser superado para se
alcançar o
desenvolvimento, as
MPMEs mostram-se
imprescindíveis para
a realização das
mais diversas
tarefas
microeconômicas,
desde a banal gestão
de mão de obra pouco
qualificada até as
etapas iniciais de
surtos de
inovação
tecnológica. Em sua
forma mais
eficiente, elas
tendem a existir e
buscar formas de
aglomeração,
produzindo, nesta
condição,
externalidades.
Assim, a formação de
aglomerações de
diversos tipos,
sejam mais
especializadas
(distrito industrial
marshalliano)
ou diversificadas,
constituem também um
passo decisivo para
o desenvolvimento
econômico, cabendo
ao BNDES criar
produtos financeiros
diversos, tendo como
base uma moeda
especial,
para viabilizar a
expansão das MPMEs.
Neste caso,
alternativamente,
poder-se-ia deixar
que as próprias
forças de mercado
conduzissem as
empresas financiadas
à forma aglomerada,
seja apoiando
explicitamente a
formação de
distritos
industriais, no
contexto de
políticas
industriais adotadas
pelos governos.
Ao longo de sua
história, o BNDES
adotou vários
programas para
incentivar as MPMEs,
sendo o mais
conhecido e bem-sucedido o cadastro
FINAME, criado em
1964, cuja
característica
essencial não é a de
constituir uma
política
nacionalista,
mas de prover
efeitos
multiplicadores
(renda, emprego e
impostos) que
viessem a dar
consistência fiscal
a um amplo programa,
baseado em moeda
especial, de
formação de capital
fixo dessas
empresas. Mais
recentemente, o
BNDES
automático e,
sobretudo, o
cartão BNDES
complementaram a
tríade de apoio às
MPMEs. Entretanto, o
passo decisivo, que
seria realizar
operações indiretas
automáticas, em
parceria com agentes
financeiros
diversos, podendo o
Banco compartilhar
ou mesmo assumir
integralmente o
risco dos
empréstimos, não foi
dado.
Os passos iniciais
para se chegar a
esse ponto foram
dados através da
criação do Fundo
Garantidor do
Investimento (FGI),
que constituiu uma
espécie de ensaio
para que,
desenvolvendo uma
metodologia de
compreensão do risco
a la serasa,
o BNDES viesse, aos
poucos, construindo
um intangível
que lhe permitisse
criar um novo
produto financeiro:
ao lado das
operações indiretas
automáticas
tradicionais, nas
quais o risco do
empréstimo é do
agente financeiro,
seria criado o
BNDES
mandatário, em
que o risco dos
empréstimos seria
compartilhado ou
integral e o agente
financeiro um
mandatário com
funções específicas. 5
Isso destravaria
definitivamente o
investimento das
MPMEs, resolvendo um
dos entraves
estruturais para que
o país viesse a
alcançar o
desenvolvimento
econômico.
3. Terceira missão
do BNDES: apoio à
expansão e
diversificação da
Base de Exportação
Destravada a questão
da infraestrutura e
dinamizado o
processo de expansão
das MPMEs, o
terceiro tripé do
desenvolvimento é a
sua transmutação em
Base de Exportação
de bens e serviços,
que deveria se
caracterizar pelo
dinamismo e pela
diversificação. Como
um Eximbank,
o BNDES poderia
realizar três tipos
de ações em prol da
dinamização da Base
de Exportação. Uma
primeira, como um
corolário da
política junto às
MPMEs, seria apoiar
um conjunto de ações
que viabilizassem
suas exportações de
bens e serviços, os
quais estivessem no
cadastro Finame
ou no Cartão
BNDES, seja
com produtos
financeiros, seja
com ações de
cooperação na
organização de
feiras e outros
eventos. Uma segunda
seria apoiar
decididamente as
exportações (de
empresas de qualquer
porte) de bens de
capital do cadastro
Finame. E,
finalmente, uma
terceira, reiterar e
retomar a política
de exportação de
serviços de
engenharia, que
atualmente vem
sendo, de forma
descabida e
irracional,
criminalizada por
segmentos dos órgãos
de controle e da
opinião pública.
Essa agenda, que até
recentemente poderia
ser considerada como
permanente, não
apenas para o BNDES,
mas para a economia
brasileira,
infelizmente, no
momento atual, só
pode ser considerada
uma agenda para o
futuro, uma vez
que, no presente, a
diversificação e
dinamização da Base
Exportadora
brasileira é uma
questão que passa
longe até mesmo dos
setores
pretensamente
racionais do atual
governo brasileiro.
Ao fim e ao cabo,
considerando todas
as ações
imprescindíveis para
o desenvolvimento e
que o BNDES estaria
perfeitamente apto a
realizar, podemos
ter uma certeza: sem
o BNDES, Deus
não vai
querer, os
investimentos não
virão, a pauta de
exportações, calcada
em bens primários,
continuará a sua
marcha forçada em
direção aos tempos
da República Velha e
o Brasil continuará
avançando em direção
ao deserto,
cada vez mais
periférico e
marginalizado.
_______________
1 Suponha-se, por
exemplo, que o
investimento
financiado com moeda
especial seja uma
estrada com pedágio.
Além dos impostos e
dividendos embutidos
nos spreads, os
impostos embutidos
nos efeitos
multiplicadores dos
bens e serviços
envolvidos na
construção da
estrada e,
posteriormente, o
produto da estrada
(tráfego futuro
projetado) e os
impostos embutidos
na renda de pedágio
(efeitos
aceleradores)
determinarão o
retorno fiscal do
projeto, em
determinado
horizonte de tempo.
2 Esse recurso, tão
celebrado como
solução para a
infraestrutura no
Brasil atual, foi o
modelo brasileiro
que vigorou até o
início dos anos 50
em alguns dos
principais
segmentos, como a
energia elétrica. É
fácil observar que
seu problema
estrutural está no
fato de tais setores
serem tipicamente no tradables,
sobrecarregando o
balanço de
transações
correntes,
especialmente tendo
em vista que a Base
Exportadora
brasileira é
limitada, pouco
dinâmica e
diversificada. Este
é um problema
recorrente e
permanente, mesmo em
períodos de baixo
crescimento, como
aqueles anteriores
aos anos cinquenta e
posteriores aos anos
70, o que evidencia
inviabilidade
estrutural da
solução via capital
estrangeiro.
3 O BNDES poderia
organizar, em
interação com a
previdência
complementar, um
título financeiro
lastreado
inteiramente em
renda variável
ligada aos programas
em infraestrutura.
Isso viabilizaria a
formação de
consórcios em que a
capacidade de gestão
de determinado grupo
privado passaria a
ser mais importante
do que sua
capacidade de aporte
de capital. Essa
alternativa não
apenas ajudaria a
destravar a
limitação estrutural
de equity e de
número de grupos
privados com
capacidade de
operação, como
também seria a
solução real e
efetiva para que a
previdência
complementar passe a
finalmente existir
no Brasil.
4 No caso de uma PPP
federal, por
exemplo, a garantia
poderia ser de
títulos públicos
depositados no Banco
Central.
Acompanhando o
processo de
investimento da PPP,
de acordo com um
cronograma e
pari passu ao
investimento
privado, o BNDES
sinalizaria para o
TN o momento e
adequação do aporte
devido que cabe ao
governo. Havendo
omissão de
pagamento, o BNDES
autorizaria junto aBCo saque dos
títulos dados em
garantia. Seja o TN
pagando diretamente,
seja recorrendo ao
saque dos títulos, o
momento em que isso
ocorrer é que estará
produzindo resultado
primário, quer a
metodologia de
medição seja por
caixa ou
competência. Nos
últimos 25 anos,
idiotas normativos
argumentaram que a
simples emissão de
títulos, mesmo que
depositados no BC,
seria fato gerador
de resultado
primário,
contrariando normas
contábeis nacionais
ou internacionais,
inviabilizando, por
hipótese, uma
solução estrutural
para a construção da
infraestrutura
brasileira.
5 Outro passo
essencial para a
implementação desse
produto também já
havia sido dado pela
Área de Operações
Indiretas do BNDES,
que é o
relacionamento
direto, via TI, com
o amplo e massivo
universo das MPMEs,
de forma a que o
Banco viesse a
aceitar clientes (e
assumir o risco dos
empréstimos) com
base em seus
próprios critérios,
e não
instrumentalizado
indevidamente pelos
agentes financeiros. |