Homenagem a Carlos Lessa

Mantendo o tom
Em 1982, Lessa já defendia papel desenvolvimentista do BNDES e criticava a ausência de estratégia de industrialização para o país

Matéria publicada no VÍNCULO 614, de 5 de fevereiro de 2003, logo após a posse de Carlos Lessa na Presidência do BNDES

A imprensa adora realçar as mudanças que ocorrem nos discursos dos políticos e dos dirigentes públicos. O jornal “O Globo”, por exemplo, costuma avisar com ironia a seus leitores que tal figura “mudou o tom” do seu discurso – ou seja: defendia uma coisa e agora defende outra; atacava determinado político e agora “enaltece seu espírito público”. 

Ainda envolvido pelo clima de mudanças que marca a chegada do economista Carlos Lessa à presidência do BNDES [Lessa tomou posse no Banco em 04/01/2003], o VÍNCULO resolveu olhar para trás e garimpar opiniões do professor em edições passadas. Assim chegamos ao nº 131 do nosso jornal, de setembro de 1982; e ao nº 161, de outubro de 1985. No ano de 82, em palestra realizada na AFBNDE [ainda sem o “S” de Social], Lessa criticava duramente a criação e os objetivos do Finsocial, qualificando-o de “distorção autoritária” das propostas sócioeconômicas defendidas pela oposição (estávamos no governo do general Figueiredo). Já em 85, Lessa tomava posse no BNDES como diretor responsável pelo próprio Finsocial, no fulgor da Nova República. 

Nessas duas ocasiões – assim como na cerimônia de transmissão do cargo de presidente do BNDES, ocorrida em 17 de janeiro passado – Lessa mantém o tom e bate na mesma tecla: defende o compromisso do Banco com a industrialização e o desenvolvimento do país. Percebemos também, nas críticas continuadas do professor, que as mazelas brasileiras são lugar-comum há décadas e décadas.

Em 1982...

 – Lessa criticava “a ausência de qualquer estratégia de industrialização de um Ministro do Planejamento que não acredita na importância do planejar e que opta por uma política de lento crescimento da economia, à taxa prevista de 5% ao ano, que é, na realidade, uma quase estagnação”. 

– Criticava o modelo “neo-primário exportador” do governo: “Fica evidente que, feita essa opção, o BNDE passa a ser figura dispensável e não foi sem razão que se providenciou para ele um “s” a mais, espécie de cirurgia plástica para emasculá-lo no cumprimento do seu papel original”. 

– E atacava: “O Brasil não pode renunciar à industrialização. Frente a um processo de democratização, temos que procurar uma estratégia de desenvolvimento que mova a industrialização em outra direção, compatibilizando-a com o social, mas nunca acabar com ela”. 

– “É preciso superar esse três recordes negativos: a maior inflação, a maior dívida externa e a mais alta concentração de renda”.

Em 1985... 

– Lessa defendia a retomada do desenvolvimento econômico, destacando o papel de vanguarda que o BNDES deveria desempenhar neste processo, e criticava a “privatização da gestão pública”, como causa dos “desmandos, corrupção e incompetência” dos governos passados. 

– Manifestava sua confiança na formação de um quadro constitucional que permitisse amplo debate e dizia que a crise social que o país enfrentava, com “cerca de quarenta milhões de pessoas não incorporadas ao mercado”, exigia a expansão do gasto público para a permanência do aparelho estatal.

Em 2003...

– Lessa voltou à carga: “Não faz sentido que um banco de desenvolvimento assista ao sucateamento e destruição de frações produtivas importantes da economia nacional”. 

– “O banco de desenvolvimento é uma instituição vital para um país periférico que sonha em superar o atraso. Seu compromisso fundamental é com o futuro da economia e da sociedade. É literalmente um construtor de mercados e articulações produtivas”. 

– “Nas últimas décadas, a industrialização, como processo central da construção da civilização brasileira, foi vulnerabilizada por dificuldades macroeconômicas. Ao mesmo tempo, ficou patente a insuficiência de concepção quanto ao social”. 

– “O norte para o Banco está claramente sinalizado pela mudança de projeto nacional. A inclusão social será o centro de um novo esforço de desenvolvimento para o país. Não se trata de estar atento à inclusão – é mais que isto: ela passará a ser o motor de transformações e ampliações na capacidade produtiva”

O canal da AFBNDES no YouTube traz vídeo com mensagens sobre o legado de Carlos Lessa

O Brasil perde um grande Brasileiro

Depoimentos de Pedro Palmeira, Leonardo Pamplona, Pedro Quaresma, Hélio Pires da Silveira e Cid Botelho

Depoimentos de Paulo Faveret, José Eduardo Pessoa de Andrade e Antônio Saraiva

Atrofiar, ‘privatizar’ ou, se possível, fechar o BNDES, por Carlos Lessa

O Brasil perde um grande Brasileiro, com B maiúsculo Reitoria da UFRJ

Nota de Pesar - Falecimento do Prof. Carlos Lessa Instituto de Economia da UFRJ

Carlos Lessa era grande demais  –Corecon-RJ