Carlos Lessa – Ex-presidente do BNDES
O BNDES, se executar em 2005 o orçamento de 60
bilhões de reais, será maior que o Banco
Mundial. Tem 52 anos de fundação, é 100% de
propriedade do Estado brasileiro, e tem uma
equipe com alta qualificação e ótimo padrão
ético. Nos anos 1990, os neoliberais
desmantelaram os bancos de desenvolvimento
estaduais e preservaram, pragmaticamente, o
BNDES como um instrumento de privatização,
articulando e financiando a venda de ativos
públicos pré-existentes. Deram início à
“privatização” do BNDES mesmo, fazendo-o dividir
com bancos privados, a pretexto de Basiléia,
riscos de projetos de empresas tipo Petrobras.
Uma delícia, pois co-financiariam com recursos
do próprio BNDES. Passaram a financiar múltis e
adotaram o project financing, e tenderam
a dispensar as holdings de prestar
garantias colaterais. O novo objetivo neoliberal
é fechar o BNDES. O secretário do Tesouro
Nacional, Joaquim Levy, disse, em 10/02 ao
“Estadão”, que “deve haver sintonia entre os
diversos instrumentos de governo. Permitir que a
TJLP (taxa básica cobrada pelo BNDES) flutue com
a Selic é uma forma de se dar pleno efeito ao
principal instrumento da política monetária”.
Traduzindo, é subordinar o BNDES ao modelo de
metas monetárias do Bacen e coonestar a
repugnante taxa de juros. Claudio Haddad,
presidente do IBMEC, escreve “É preciso fechar o
Granaduto” (Valor, 25/02): “Se um projeto é bom
e rentável, será feito com ou sem o BNDES. A
diferença é que sem o BNDES seria feito com os
lucros retidos, com outra modalidade de
financiamento, ou através do mercado de capitais
que, aliás, é subdesenvolvido no Brasil, muito
em função da alternativa barata do BNDES”. Em
resumo, o BNDES é inútil e bloqueia ganhos
adicionais dos operadores do mercado de capitais
(MK). Em maio, P. Arida, ex-presidente do BNDES,
apresentou na Casa das Garças o texto:
“Mecanismos Compulsórios e Mercado de Capitais:
Propostas de Política Econômica”, propondo
“cessar novos aportes de recursos para o FAT,
passando sua evolução patrimonial a depender da
balança entre gastos e retornos dos depósitos
anteriormente feitos no BNDES”. Arida sinaliza
para os bancos a disponibilização dos recursos
do FAT. Aliás, seu artigo dá continuidade a um
trabalho conjunto com Edmar Bacha e André Lara
Resende. Três ex-presidentes do BNDES, hoje
banqueiros, assinam proposta de alto interesse
para a Febraban. Os neoliberais estão excitados
pela campanha. Eliana Cardoso, em “O Rei Midas”
(Valor, 19/05), declara: “se a apreciação do
câmbio é indesejada, o governo teria que cortar
gastos, reformar a Previdência, fechar o BNDES e
abandonar as taxas de juros reguladas”. Sem
sutileza, façamos, a machado, o Estado mínimo
sonhado por FHC.
Decepcionados, ouviram meu sucessor dizer que
daria continuidade à política anterior. Demos um
cavalo de pau na marcha pela esterilização
operacional do BNDES, em relação ao
desenvolvimento nacional. Confesso que cutuquei
a fera com vara curta. Colocamos em alto e bom
som que o BNDES era o banco de desenvolvimento,
e não um de investimento. Com os instrumentos do
banco, evitamos que a CVRD se tornasse
binacional. Negociamos duro com múltis
inadimplentes, como a AES. Exigimos das holdings
garantias colaterais ou fiança de primeira
linha. Sugerimos tratamento prioritário à
empresa nacional. Demos ênfase aos APLs
(arranjos produtivos locais). Retiramos bancos
privados do co-financiamento dos projetos tipo
Petrobras, sublinhando a função de capilaridade
para MPMEs nas operações dos agentes.
Reinstalamos o planejamento integrado próprio.
Repisamos o fortalecimento do MK recrutando de
pequenos aplicadores (os adquirentes do PIBB/BNDES
tiveram a rentabilidade de 36,98%, quase o dobro
do Bovespa e acima dos juros acumulados do CDI).
Observamos de perto setores de alta tecnologia
ligados à soberania nacional. Conseguimos dar
lastro à política de integração sul-americana.
Alinhamos o banco à estratégia do governo.
Apesar de tudo, não conseguíamos financiar a
infraestrutura necessária, dadas as imposições
do superávit fiscal. Não executamos
integralmente o orçamento, pelos temores dos
empresários em investir. A onça mostrou as
garras após o esforço em reduzirmos a TJLP para
8% ao ano. Compramos a briga, com o apoio das
centrais sindicais e de todas as federações
industriais brasileiras. Em janeiro de 2004, no
gabinete do senador Aloizio Mercadante (PT-SP),
assinei ofício ao Bacen solicitando a redução da
TJLP. Com relutância, baixaram de 10% para
9,75%. Os neoliberais brasileiros se assustaram
com o potencial do BNDES. Devem ter vertido
lágrimas por não o haverem eliminado antes –
afinal, uma empresa pública fora da hegemonia do
Ministério da Fazenda, não subordinada a nenhum
ministro e com uma diretoria coesa é uma pedra
no caminho dos insaciáveis apetites rentistas.
É, também, instrumento de soberania e construção
de alianças políticas externas. Fui demitido em
18 de novembro, após rejeitar, como “pesadelo”,
a análise feita por Meirelles ante o Conselho de
Desenvolvimento, na qual afirmou que os juros da
Selic eram, em parte, explicáveis pelos créditos
direcionados do BNDES, da CEF e do BB Agrícola.
Não foi a política monetária que eu qualifiquei,
porém não desmenti a mídia porque eu – junto com
milhões de brasileiros – vejo no medíocre
crescimento econômico, na multiplicação de
desempregados e na escalada de violência uma
história de terror político-econômico.
(*)
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em
03/08/2005 e republicado no
VÍNCULO
em 13/04/2017, em plena luta contra a extinção
da TJLP.
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