Conheci Carlos Lessa na Faculdade de Economia e
Administração da UFRJ, atual Instituto de
Economia. Entre 1980 e 1984, fiz parte da legião
dos estudantes e professores fascinados por
palestras e aulas que mais se assemelhavam a
solos operísticos. Com os intermináveis cigarros
sempre à mão, cinzas que se equilibravam sabe-se
lá como em meio a gestos teatrais, Lessa
capturava inteiramente a atenção dos presentes.
Galvanizava as plateias, energizando-as em
direção a finais quase apoteóticos, não obstante
alguns longos desvios, quase sempre por fatos
pitorescos.
Hoje penso que esse estilo, popular entre as
“estrelas” daquele time, nem sempre propiciava o
melhor ambiente acadêmico. O exame detalhado das
diferentes teorias e perspectivas ficava
prejudicado pela paixão militante, ainda que
brilhante e cativante. Brilho em excesso pode
cegar. Mas é impossível negar que todos
aprendemos muito com ele. Durante décadas fui
professor de história econômica brasileira e
sempre me vali de seus ensinamentos, com o
cuidado de apresentar outros autores e pontos de
vista.
Lessa misturava conhecimentos enciclopédicos de
economia e história com olhar aguçado para os
pequenos fatos, os “eventos” da “escola dos
Annales”. Era especialmente generoso com os
despossuídos e sabia ser sarcástico com os
adversários, embora sem ser agressivo no trato
pessoal. Combinava jeitão aristocrata com um à
vontade carioca, cativando interlocutores. Amava
seduzir as plateias de qualquer tamanho e se
comprazia em falar horas a fio sobre os muitos
assuntos de seu conhecimento, incluindo arte
chinesa e botânica.
O Lessa que mais me toca agora é o político. Em
1982 arregimentou a maior campanha para deputado
federal do PMDB, com centenas de voluntários
apaixonadíssimos. Por ele confesso que pichei
parede de túnel em Copacabana, além de panfletar
por toda a cidade. A tsunami brizolista levou de
roldão o PMDB dito da esquerda democrática e o
parlamento perdeu um membro que muito teria a
contribuir.
Mais adiante, Lessa jogou sua imensa energia na
inesquecível Campanha das Diretas, entre 1983 e
1984. Junto com ele, dezenas de jovens e não tão
jovens se reuniam semanalmente no diretório da
17ª zona eleitoral do PMDB, no posto 6, e no
fabuloso Comitê das Diretas, na esquina da
Visconde de Pirajá com Vinicius de Moraes, então
Rua Montenegro. Nele o movimento era incessante
e entrava noite adentro, com gente de todos os
partidos e tendências buscando informação,
camisas, folhetos e, sobretudo, energia, muita
energia.
Foi em meio às “Diretas,
Já” que comecei a namorar minha esposa. Juntos
fomos ao comício da
Candelária. Nós
dois e mais um milhão de pessoas, claro. Na
preparação, fiz de tudo um pouco, desde pintar
faixas até circular na boleia de caminhão de
som, microfone na mão a convocar para o comício.
Tão importante aquele momento foi em nossas
vidas que alguns anos depois convidaríamos Lessa
e Martha para padrinhos de casamento.
Na casa de Rodrigo, filho de Lessa e amicíssimo,
nos divertimos em festas homéricas, acompanhadas
de longe por um anfitrião sempre simpático e que
jamais censurava eventuais excessos. Nos almoços
antes de tardes de estudo, além de boa comida
recebíamos informações e análises – Lessa fazia
palestras para uma ou duzentas pessoas, na mesa
da cozinha ou no anfiteatro da universidade.
Passei muitos anos sem
esbarrar com Lessa até que ele voltou ao BNDES
como presidente em 2003. Para os que estavam lá
desde os anos 80, seu mandato como diretor da
Área Social o qualificava sobejamente para um
esforço de reequilíbrio do
Banco
em direção a temas sociais e de longo prazo,
algo obliterados pela busca da competitividade
que havia predominado em algumas gestões dos
governos FHC, sobretudo a de Francisco Gros, de
quem Lessa foi amigo, diga-se de passagem.
Apesar da expectativa
excepcionalmente esperançosa que cercou sua
posse, a gestão de Lessa não cumpriu o que
muitos esperavam. Em suas veias sempre
apaixonadas corria uma estranha desconfiança em
relação à organização e muitas das pessoas que
ocupavam cargos no período anterior. Houve
perseguições pessoais inéditas e desmantelamento
de programas apenas pela mancha “liberal”. A
guilhotina cortou cabeças sem parar, começando
pelos inimigos, passando pelos adversários,
até chegar aos
neutros e aos ex-amigos (categoria na qual eu
terminaria incluído). Não foi um bom período,
não. Tenho alguns detalhes pessoais – promoção,
fritura, destituição e promoção de novo – que
guardo para minhas memórias.
Antes e após presidir o
Banco,
mergulhou nas questões nacionais e locais,
pensando o Brasil e o Rio em doses massivas,
ciclópicas. Tornou-se nacionalista quase à
outrance, militando contra a privatização, e
carioca como quase ninguém jamais foi. Traduziu
seu amor pelo Rio em ações concretas como poucos
da elite tradicional costumam fazer.
Economista, historiador, conhecedor de arte, ser
político, botânico, dono de livraria e
restaurante, Lessa foi apaixonado em tudo que
fez. Deixa um legado de amor ao Brasil, sua
história e sua gente. Sua energia e esperança
ajudaram a iluminar um dos períodos mais ricos
da minha vida, justamente o de formação como
economista, cidadão e homem. Inesquecível. Sou
eternamente grato por isso.
Paulo Faveret – Economista do BNDES
Lessa, o sedutor
Como falar do Lessa, do
professor, do acadêmico, do incansável
interessado e pesquisador de tudo que faz parte
da vida de todos, do armazenador de
conhecimento
enciclopédico, do instigador e provocador (de
forma a abrirmos a
inteligência aprisionada em nossas caixinhas
mentais medrosas e guardadas a sete chaves),
do polemista com energia incontrolável que só se
acomodava de repente,
como o final da erupção de um vulcão, do ser
humano integral e complexo. Enfim, do
BRASILEIRO, assim mesmo, com todas as letras
maiúsculas,
que ele
procurava garimpar nos exemplos de nossa
história e buscar transformar em realidade nosso
sonho em um futuro melhor, do sedutor...
Lessa se despediu com um até logo. Breve nos
encontraremos. Porém, mais breve, e esse será
seu legado de sempre, nos encontraremos com suas
ideias presentes, com todas as qualidades e
defeitos humanos, em nossa trajetória para
retomarmos o processo de influenciar o futuro de
nosso país.
Esse é o destaque do Lessa sedutor. O
compromisso com uma obra que será sempre
inacabada: a construção de um BRASIL alicerçado
em sua história, sua cultura e seus limites; de
um BRASIL que abrace, acolha, respeite e
valorize a diversidade das pessoas que se
encontraram e se encontram nesta terra; de um
BRASIL democrático, soberano e socialmente mais
justo, capaz de se integrar com independência e
contribuir para um mundo melhor em nosso
planeta.
Até logo Lessa!
José Eduardo Pessoa de Andrade – Engenheiro
aposentado do BNDES
Lessa, o apaixonado pelo Brasil
Foi com muita
tristeza que recebi
sexta-feira a
notícia do falecimento do Professor Carlos
Lessa. Além de ter sido seu aluno na Faculdade
de Economia da UFRJ, no curso de Formação
Econômica
do Brasil, o admirava e me identificava com ele.
Adorava as suas aulas, e especialmente a sua
abordagem multidisciplinar das questões
econômicas. Me identificava com o seu
nacionalismo e gostava da sua atitude otimista,
generosa e solidária perante o outro. Era
contagiante o seu amor pela vida e a sua
esperança no povo brasileiro.
Me parte o coração vê-lo ir embora nesse momento
da história. Pela pandemia, que impede que a
família, amigos, alunos e admiradores se
encontrem para a despedida e as justas
homenagens a esse brasileiro que foi incansável,
até o fim da vida, na luta pelo desenvolvimento
brasileiro. E por outro lado, pelo desgosto e
tristeza que certamente estava sentindo em ver o
Brasil na situação em que se encontra.
Nesses tempos
trágicos em que vivemos, está muito viva na
minha memória uma conversa com o
Professor
Lessa, não sei se em 2007 ou 2008, mas foi num
período em que a descoberta do pré-sal pela
Petrobras estava recente. Eu estava animado com
a novidade, pela façanha da Petrobras e pelo
potencial econômico que aqueles recursos tinham.
E esse ânimo contrastava com certo pessimismo e
ar de preocupação do professor. E ele começou
então a falar sobre a história do petróleo e de
países que possuem grandes reservas, da situação
no Oriente Médio, do caso de Angola e da
Nigéria. Em suma, o Professor Lessa estava com
receio de
que toda aquela
riqueza se transformasse em uma maldição para o
Brasil.
Naquele momento
não fez muito sentido. Hoje, analisando
retrospectivamente o que vem acontecendo,
acredito que o
Professor
Carlos Lessa tenha feito uma profecia.
Grande brasileiro. Vamos sentir muito a sua
falta. Descanse em paz.
Thiago Mitidieri – Economista do BNDES e
ex-presidente da AFBNDES
Carlos Lessa – Um nome vinculado à economia, à
cultura e à gastronomia
O primeiro contato que tive com Lessa foi
através do seu livro “Introdução à Economia”, em
coautoria com Antônio Barros de Castro, quando
iniciei meu curso de Ciências Econômicas, no ano
de 1969.
Posteriormente, agora já presencialmente,
estivemos juntos no Movimento de Renovação dos
Economistas, com o objetivo, através das
entidades de classe, conselhos e sindicatos, de
expressar e divulgar as ideias do pensamento do
grupo, voltadas para o desenvolvimento econômico
e social, com justiça social.
Lessa prestou enorme contribuição ao Rio de
Janeiro e ao Brasil, com a sua participação na
vida acadêmica, chegando à Reitoria da UFRJ, e a
autoria de diversas obras, inclusive sobre o
Rio, cidade pela qual era um apaixonado. Também
amava a cultura e a gastronomia.
Morador do Cosme Velho, tinha forte vinculação
com o Catete, onde abriu, em 2012, o Casarão
Ameno Resedá, dedicado a servir um cardápio
farto e variado e à realização de diversas
atividades culturais e políticas.
Antes de assumir a Presidência do BNDES, Lessa
já tinha uma passagem pelo Banco como diretor da
Área Social, no governo Sarney. Para sua
indicação à Presidência do BNDES, teve o apoio e
a aprovação de Maria da Conceição Tavares, sua
amiga e colega de formação, e de Aloizio
Mercadante.
A pandemia que levou Lessa é grave. Ninguém está
livre do seu ataque. Precisamos, assim, nos
proteger da forma que for possível e esperar que
os medicamentos e as vacinas para combater a
doença cheguem em breve, para que possamos
voltar a viver “normalmente”, com uma postura
mais fraterna.
Antônio Saraiva – ex-presidente da AFBNDES |
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O canal da AFBNDES no
YouTube traz vídeo com
mensagens sobre o legado de
Carlos Lessa |
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Brasil perde um grande
Brasileiro |
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Depoimentos de
Pedro Palmeira,
Leonardo Pamplona, Pedro Quaresma,
Hélio Pires da Silveira e Cid
Botelho |
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Atrofiar, ‘privatizar’ ou, se
possível, fechar o BNDES, por
Carlos Lessa |
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Matéria publicada no
VÍNCULO 614,
de 5 de fevereiro de 2003, logo
após a posse de Carlos Lessa na
Presidência do BNDES |
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O Brasil perde um grande Brasileiro, com B maiúsculo
–
Reitoria
da UFRJ |
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Nota de Pesar - Falecimento do Prof. Carlos Lessa
–
Instituto de Economia da UFRJ |
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Carlos
Lessa era grande demais
–Corecon-RJ |
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