Hoje
[sexta-feira, 5] pela manhã, tentando garimpar
nos jornais alguma notícia razoavelmente boa, me
deparei com a nota de falecimento do Professor
Carlos Lessa. O dia, que para mim já havia
começado ruim, ficou pior. Entretanto,
rapidamente me
vieram à lembrança algumas passagens daqueles já
distantes anos de 2003 e 2004. Decidi escrever
um brevíssimo relato num grupo de ex-colegas de
Banco. Alguém repassou e fui convidado a
reproduzi-lo aqui nesse espaço. Me foi dada a
liberdade de alterar ou expandir a mensagem
original, mas não fiz isso, apenas acrescentei
datas e amenizei um adjetivo. O intuito foi
preservar a boa e serena emoção do momento. Por
isso, já peço desculpas antecipadas pelas
possíveis omissões e imperfeições. Aí vai.
Foram Carlos Lessa e Zé Edu, em 2003, que me
“descobriram” no Banco e me convidaram para
formar uma gerência que iria coordenar as ações
da instituição para a Cadeia Farmacêutica. O
Banco não tinha ação sistemática nenhuma nessa
área. Quando ele ainda estava me testando, me
pediu para fazer um sumário estratégico de ação
nos próximos anos. Eu,
morrendo de medo, fiz uma coisa legal, mas bem
“careta”. Quando apresentei, ele mandou parar no
meio e falou com essas palavras mesmo:
“Menino, se eu quisesse aprender sobre indústria
farmacêutica, eu comprava um bom livro texto. Eu
quero saber quais são os seus sonhos para essa
indústria e como o BNDES pode contribuir para
realizá-los”. Me deu cinco dias para eu voltar
lá e apresentar. Bom, fui para o tudo ou nada.
Resultado: fiquei 13 anos à frente da
Gerência/Departamento que eu mesmo criei. Saiu
presidente, entrou presidente, e a importância
do departamento só cresceu. Eu saí do Banco em
2016 e o Departamento cresceu mais ainda.
Lessa não era um gestor disciplinado, causou
muita confusão interna no Banco, algumas
necessárias, outras nem tanto. Mas deixou
legado!
É desse tipo de brasileiro que sinto falta hoje
no Brasil. Que ousa pensar o futuro! Aquele que
toma um pouquinho de utopia todos os dias antes
de sair de casa para trabalhar.
Vou sentir muita falta do Lessa.
Descanse em paz Professor!
Pedro Palmeira –
Aposentado do BNDES,
chefiou o Departamento de
Produtos Industriais e de Saúde do BNDES
O Mestre permanece vivo
O professor
Lessa foi uma grande referência na minha
formação e identidade como economista e
cientista social, exemplo de patriota e defensor
dos interesses do povo e da cultura brasileira.
O Mestre permanece vivo em nossos corações e
mentes, como inspiração para a construção de um
Brasil soberano,
onde todos tenham direitos efetivos de
cidadania, e que realize seu destino de
contribuir para um mundo de paz, conciliação e
sustentabilidade.
Leonardo Pamplona – Economista do BNDES
Professor Lessa e as potencialidades de nosso
país
Minha admiração pelo
professor Carlos Lessa inicia-se no curso de
Formação Econômica do Brasil,
em 1998. Estava no terceiro período da graduação
e ele retornava
às
aulas depois de um período afastado por conta de
um câncer na laringe. Suas aulas eram,
sem dúvida,
o que mais fazia sentido para
eu
aprender em economia, tendo em vista o vasto
conhecimento sobre o nosso país e
o
nosso povo, a aplicação
dos conceitos econômicos sobre aspectos pré-capitalistas
da economia colonial, as inumeráveis indicações
de livros e autores, além do conhecimento
histórico apaixonado sobre o Rio de Janeiro.
A partir daí
virei fã e o seguia
em praticamente todas
as
palestras que ele dava
pela cidade. Com a monografia de graduação sobre
relações de trabalho e a economia das escolas de
samba,
tive a honra de tê-lo como membro da banca e o
prazer de escrever um artigo para
livro sobre
economia do entretenimento editado pelo
professor Fábio
de Sá
Earp, no
qual o professor
Carlos Lessa também assinava um
artigo.
Nessa mesma época, ele assumia o BNDES (eu ainda
não trabalhava no
Banco) e tenho a
lembrança de ter conseguido dar um jeito de
assistir pessoalmente a sua concorrida posse, o
que para o jovem fã que eu era foi simplesmente
o máximo. Em sua saída do Banco, estava
trabalhando em Brasília e me lembro
de um
grupo de amigos ter feito uma faixa em
agradecimento por seu trabalho no
BNDES
e tê-la colocado em frente
ao MDIC.
A inspiração e a vibração
do professor Carlos Lessa foram fundamentais
para a minha formação econômica e cidadã. Sua
perda em um momento tão conturbado de nossa
democracia nos faz
refletir,
dentre outros aspectos,
sobre a importância
de se pensar o
país
em toda a sua grandeza e potencialidade
–
especialmente no que se refere à valorização do
povo brasileiro e sua criatividade
–
para a
qual o BNDES deve estar sempre atento ao cumprir
sua missão institucional. O otimismo e
paixão do
professor
Lessa nos faz acreditar que nosso país e nosso
povo podem muito e,
sem dúvida,
encontraremos novamente uma trajetória de
desenvolvimento com inclusão social e
distribuição de renda.
Pedro
Quaresma – Economista do BNDES
Mestre Lessa, gênio da nossa Brasilidade
Como benedense, tive a honra de ter o professor
Carlos Lessa na Presidência de nossa
Instituição. Tinha-o como referência de
Brasilidade!
Recordo que conheci, lá nos tempos da Faculdade
de Economia, no início dos anos 70, seu trabalho
com Antônio Barros de Castro – que também foi
nosso presidente: “Introdução à Economia”,
abordagem estruturalista baseada em nosso outro
mestre, Celso Furtado.
Professor Lessa – um grande orador, polêmico
porque baseado em sólidos argumentos – fincou
suas raízes como um dos gênios da nossa
Brasilidade.
Mestre, descanse em paz, mas olhe por nós!
Hélio Pires da Silveira – Economista aposentado
do BNDES, ex-diretor institucional da AFBNDES
Um apaixonado
No primeiro
período da graduação, assisti a uma palestra do
Carlos Lessa. Muita coisa não compreendi, mas me
impressionou sua capacidade de articular temas
diversos dentro de uma mesma linha de
raciocínio. Era uma exposição sobre
desenvolvimento econômico em que temas
aparentemente desconexos, como os yanomamis,
foram objetos de reflexão.
A leitura de
“Quinze
Anos de Política Econômica”
foi meu segundo contato com o professor. Uma
análise detalhada do Plano de Metas precedida
por um resumo preciso dos anos anteriores.
Mas foi em 1996
que, enfim, tornei-me seu aluno. Era diretor do
Instituto de Economia da UFRJ e ministrava a
disciplina Economia Brasileira Contemporânea.
Para não prejudicar suas funções
administrativas, as aulas eram sempre no
primeiro horário, o que tinha a vantagem de
atenuar o calor intenso.
E por que
levantávamos às
6h
para assistir a uma aula sem cobrança estrita de
presença? As aulas eram espetaculares,
simplesmente. Não há o que dizer do conhecimento
de Lessa sobre a economia brasileira.
Conhecimento, aliás, enriquecido pela vivência.
Mas suas aulas ultrapassavam tudo isto.
Eram frequentes
as referências à filosofia, sociologia e à
cultura carioca. Seu acicate me levou a autores
como Camus e Sérgio Buarque de Holanda. Sua
exposição reforçava algo que já percebíamos de
forma incipiente: a compreensão econômica exige
o conhecimento das ditas ciências humanas e
sociais.
E todo esse
conjunto de conhecimento, cultura geral e
didática era temperado por uma espirituosidade
ímpar. Ao avaliar as características dos
empresários locais e as artimanhas que os pobres
faziam para sobreviver, afirmava:
“no
Brasil, só pobre é
schumpeteriano.”
Certa feita, discutíamos
sobre a ineficiência da estrutura produtiva
brasileira. Alguém indagou se não seria
positivo, dada a importância da obsolescência
planificada na reprodução capitalista. A
resposta veio de pronto:
“mas
se chega ao ponto de quebrar interruptor duas
vezes ao ano, daqui a pouco precisaremos trocar
estátua de bronze.”
Às vezes,
alguns alunos do Centro Acadêmico provocavam,
comentando algo negativo sobre o PMDB. Sem
problemas, lá vinha um discurso apaixonado sobre
Ulysses Guimarães, que falecera quatro anos
antes. Aliás, paixão era o que não faltava. Pela
vida, pela economia e pelo país. E irradiava.
Podíamos não concordar com suas ideias, mas era
inevitável venerar o fascínio com que as
defendia.
Esse foi
Carlos Lessa, que saía de um sério problema
cardíaco, mas não quis abrir mão de uma feijoada
no centro da cidade ao fim do curso.
Infelizmente, meu contato com ele restringiu-se
ao período que aqui retrato. Tempo suficiente
para despertar admiração, respeito e gratidão.
Cid de Oliva Botelho Júnior, professor do
Departamento de Ciências Econômicas e Exatas do
ITR – UFRRJ |