A minuta de PEC para
permitir a recriação
do auxílio
emergencial propôs
acabar com a
destinação explícita
de várias receitas,
isto é sua
vinculação. É
momento, portanto,
de pensar se há
cabimento em
eliminar a
vinculação de parte
dos recursos do
Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) a
operações de
investimentos sob
gestão do BNDES.
A vinculação do FAT
ao BNDES faz parte
da Constituição
desde a sua origem,
em 1988, e falta uma
análise fundamentada
para uma mudança na
escolha do
constituinte que,
além de não aumentar
a poupança pública,
teria impacto não só
no BNDES, mas em
inúmeros bancos
menores, inclusive
cooperativos, que
recebem repasses de
programas do BNDES,
permitindo-os
atender produtores
em todo o Brasil e
concorrer com os
grandes bancos.
O BNDES não é uma
jabuticaba. Governos
no mundo todo apoiam
o investimento de
longo prazo e em
bens de capital, com
mecanismos que vão
de garantias até
recursos
orçamentários. O
Reino Unido acaba de
anunciar um aporte
de R$ 94 bilhões no
seu Banco de
Infraestrutura. O
KfW foi capitalizado
para ser o principal
braço do governo
alemão para o
fornecimento de
crédito para
pequenas, médias e
grandes empresas. O
governo Trump
reorganizou suas
agências e as
capitalizou, criando
a Development
Finance Corporation.
Ou seja, da Coreia à
Escandinávia, os
bancos de
desenvolvimento vêm
sendo valorizados e
tendo sua governança
fortalecida.
O repasse da
arrecadação do PIS/Pasep
ao BNDES não é uma
despesa no sentido
econômico, mas, sim,
uma poupança e fonte
de segurança para o
fundo dos
trabalhadores. O
BNDES assume todos
os riscos da
aplicação dos
recursos do FAT e
paga juros sobre
esse capital,
contribuindo com
cerca de R$ 14
bilhões (valores de
2020) para o
financiamento do
seguro-desemprego e
do abono salarial
todos os anos.
Com a criação da
Taxa de Longo Prazo
(Lei 13.483/2017),
não há mais subsídio
fiscal. Cada real
entregue ao BNDES
vem sendo remunerado
próximo ou acima do
custo de captação do
Tesouro. Ou seja, se
o Tesouro tem de
cumprir com certas
despesas, é mais
barato ele emitir
nos mercados do que
pegar os recursos do
FAT sob gestão do
BNDES. Basta
comparar a
remuneração da TLP
paga pelo BNDES
(6,4% em dezembro
último) e o custo
médio da dívida do
Tesouro (4,4%) para
ver que os recursos
no BNDES rendem à
nação não só pelos
investimentos que
possibilitam, mas
pelo que é devolvido
ao Fundo de Amparo
aos Trabalhadores.
Ao considerar o ano
como um todo, os
valores estão
equilibrados, porém,
o ganho fiscal
surgiu no segundo
semestre do ano e
parece ser uma
tendência para os
próximos meses.
O nível de
investimento no
Brasil está em um
mínimo histórico
(15%). Enquanto
isso, os desembolsos
do BNDES caíram para
R$ 60 bilhões/ano, o
nível mais baixo dos
últimos 20 anos, e o
Banco devolveu R$
414 bilhões ao
Tesouro até 2019. O
BNDES não foi ou
será a única fonte
para sustentar o
crescimento. Todas
as fontes são
necessárias. Mas é
importante olhar a
proporção das
coisas. Os mercados
de capitais tiveram
bom desempenho em
2020, com R$ 119
bilhões em ações
(soma de transações
de IPO e follow-on)
e R$ 18,4 bilhões em
emissões de
debêntures de
infraestrutura (R$
33,8 bilhões em
2019). Mas só os 5%
do PIB para
chegarmos a uma
proporção de
investimentos/PIB
sustentável (20%)
representam R$ 350
bilhões (preços de
2019) a mais de
crédito por ano, e
não ter os recursos
do FAT fará muita
falta para se chegar
lá.
Há quem diga que o
BNDES não precisaria
do FAT, porque
poderia tomar
emprestado no
exterior. Um pequeno
exercício pode
mostrar como sai
caro para as
empresas que têm
receitas em reais
levantar recursos
diretamente lá fora
ou tomar recursos de
uma linha em dólar.
Imagine uma dívida
de 10 anos
amortizada de uma
vez no final. A
precificação dela se
faz incorporando o
custo da dívida
pública e do swap
cambial à taxa em
dólar. No fim de
fevereiro, o custo
de uma emissão
internacional para
um projeto de
infraestrutura
(e.g., greenfield)
estaria próximo a 6%
ao ano em dólares,
mas quando isso é
traduzido em reais,
por meio de um swap,
a taxa sobe para
12,8%, o que pode
inviabilizar muitos
investimentos
essenciais.
Há uma mudança de
maré nos mercados
internacionais, e
eliminar um
instrumento testado
e conhecido de
gestão da economia
nessas
circunstâncias
parece imprudente.
Surpreende que,
depois que a Europa
anunciou um plano de
investimento verde
de R$ 2 trilhões a
R$ 3 trilhões de
reais, parte
canalizada pelo
Banco de
Investimento
Europeu, que os EUA
estejam desenhando
um plano equivalente
de talvez R$ 10
trilhões, exista
alguém que esteja
querendo desmontar
agora um sistema que
é tão importante
para promover o
investimento em
momentos de
estresse.
Em suma, não é hora
de acabar com o
mecanismo de
vinculação do FAT,
pois não vai
aumentar a poupança
nacional ou ajudar
na equação fiscal,
especialmente quando
esses recursos não
são mais
subsidiados. E
propor mexer no FAT
agora parece mostrar
despreocupação com
os riscos que a
economia brasileira
pode enfrentar com a
redução da liquidez
internacional e o
aumento dos juros ao
redor do mundo que
pode vir brevemente.
Não é bom sermos
pegos despreparados
por escolha.
Texto publicado no
Correio Braziliense
em 2 de março de
2021. |