Editorial

Edição nº1409 – sábado, 26 de setembro de 2020

Transparência: tudo o que você gostaria de saber sobre a liberação de empregados para a AFBNDES e não teve a coragem de perguntar

É fato que a proposta de Acordo da atual administração do Banco implica numa mudança radical no que estava estabelecido há décadas no Sistema BNDES. Até aí nada de errado. São as duas outras características relacionadas à iniciativa da administração que tornam tudo muito difícil de ser aceito ou bem entendido.  

Em primeiro lugar, tentaram passar a mudança sem dar tempo para os empregados discutirem entre eles o que estava sendo proposto. A rejeição em massa dos empregados a essa tentativa, como alguns colegas têm apontado, foi um gesto de afirmação mínima de nossa dignidade. Os que votaram a favor da proposta da empresa ainda irão agradecer se é que já não agradecem hoje, que a grande maioria dos benedenses tenha dito NÃO em alto e bom som à administração.

Em segundo lugar, a administração fez acusações gravíssimas às instituições presentes no BNDES, sem fazer um esforço proporcional de esclarecimento dos fundamentos para tais acusações. Alertada sobre esse contraste pela Comissão dos Empregados, preferiu ignorar o alerta e agir como se nada tivesse acontecido.

A Comissão dos Empregados apontou muito bem no documento de Contrapropostas e Justificativas a escancarada inconsistência da administração sobre a cláusula 13 de proteção contra a demissão arbitrária. Num dia ela era um privilégio de difícil compreensão, no outro uma instituição fundamental para a garantia da autonomia técnica do corpo funcional da Casa.  

A inconsistência no tratamento de um instituto tão importante no BNDES depõe contra a alta administração do BNDES, mas não foi nada comparada à retórica adotada contra as Associações. Faltou aqui um atributo muito cultivado pelo Comitê de Ética do BNDES: comedimento.  

Continuam repetindo, e repetindo na imprensa, que a liberação de empregados para exercer a função de representação dos interesses dos trabalhadores é uma cessão para uma entidade privada” e por isso uma irregularidade. Já disseram que se tratava de um instituto ilegal e imoral em webinar. Já disseram que descobriram que os empregados liberados não possuíam cargo em sindicato durante a controvérsia jurídica com a AFBNDES sobre a eleição para o Conselho de Administração.  

Vamos à verdade, vamos à transparência, esse valor tão importante da democracia que vem sendo banalizado. 

1. O instituto da liberação, e não cessão, de empregados para atividades de representação dos trabalhadores está claramente expresso no ACT do BNDES. Trata-se de uma liberação para o exercício de mandato em entidade de representação. Entidades de representação podem ser associações ou sindicatos. Os liberados são apontados por uma entidade sindical. Não há aqui qualquer referência a que os ocupantes possuam cargos em sindicatos. A cláusula se chama liberação de dirigente sindical e a expressão não é citada no artigo ou definida precisamente. Trata-se de um termo genérico, onde sindical quer dizer representante dos trabalhadores. Alguém que, como diz a cláusula, exerce mandato em entidade de representação. Não há nada de misterioso nessa interpretação.  

2. Tal cláusula apareceu por mais de 30 anos no ACT do BNDES. Obviamente, a SEST nunca se opôs e, certamente, não é a responsável pela tentativa de suprimi-la do ACT em discussão. A mesma cláusula existe nos ACTs da Caixa Econômica Federal, inclusive no recém-aprovado, que contou com a concordância da SEST!  

3. Nosso único representante até o momento no Conselho de Administração (ocupa o cargo há 6 anos) foi durante quase todo esse período diretor da AFBNDES. Continuou sendo representante do CA mesmo depois da lei, aprovada no governo Temer, em 2017, que veda quem exercer cargo em organização sindical de ocupar função no Conselho de Administração. A lei, é importante que se diga, é uma discriminação absurda – pois impede a participação no CA de empregados que dedicam suas carreiras à atividade de representação dos trabalhadores. Mas o fato é que por dois anos ninguém se importou com a implicação da lei para a realidade do BNDES. Aparentemente, o entendimento foi de que nosso representante era apenas diretor da Associação, ou seja, exercia um mandato em entidade de representação, não possuía um “cargo sindical”. 

Três meses depois de a nova administração ter assumido a direção do BNDES, em 2019, foi publicado um normativo que excluía da eleição não apenas pessoas que exercessem “cargos em organização sindical”, como está na lei, mas também aqueles que “exercessem mandato em entidade de representação”. De repente, passou a ser importante evitar que um diretor ou conselheiro da AFBNDES fosse candidato ao CA. Por quê? A Associação, corretamente, foi à Justiça contra essa repentina discriminação e ganhou o direito de seus representantes serem candidatos. Qual foi o erro nisso? Como poderia a AFBNDES se comportar de outra forma?

4. Na controvérsia jurídica sobre a eleição para o Conselho do Banco, o BNDES recuou e parecia satisfeito apenas em impedir a candidatura dos diretores da AFBNDES que fossem liberados de concorrer à eleição do CA. Passaram a argumentar que os dirigentes liberados da Associação possuíam cargo sindical. Percebam a incongruência argumentativa do BNDES? Fosse realmente esse o entendimento, por que a administração buscou primeiro modificar o normativo eleitoral para o CA? Por que incluiu a vedação explícita aos que possuíam “mandato em entidade de representação”? Seria completamente desnecessário se o entendimento consolidado fosse o de que os liberados possuíam cargos sindicais.  

5. Nesse momento a AFBNDES informou o que era sabido por todos. Que os diretores liberados não ocupavam qualquer cargo em entidade sindical. Diante disso, alguns revelaram verdadeiro assombro. Trataram a questão como uma “descoberta” chocante. Passaram outros a dizer que o BNDES havia feito algum arranjo meio esquisito. Claro que nada disso poderia ter sobrevivido depois que a Comissão de Empregados divulgou que o mesmo instituto existia, por exemplo, na Caixa Econômica (como dito acima). 

6. A atual representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa exerce mandato numa “entidade de representação”. Uma das associações de trabalhadores da Casa. Ela é liberada pelo ACT, com ônus para a empresa, para exercer essa função de representante dos trabalhadores. Ou seja: a AFBNDES apenas reivindicou os direitos que os trabalhadores de empresas públicas como a nossa possuem tranquilamente sem sonhar que estavam fazendo algo “imoral e ilegal”. 

7. Por que a administração propôs tal modificação no nosso ACT em termos tão fortes? Entre outras coisas, porque não se deu ao trabalho de se informar sobre a prática de outras instituições; ou pior: o fez de forma mal feita. Isso acontece – quando acontece, é do jogo –, a gente aceita a realidade e recua. O problema da atual administração é que surpreendida pela realidade, responde como se ela não existisse. Por isso fomos levados (todos), inclusive a administração, a percorrer o caminho da insensatez dessa negociação peculiaríssima, inédita no BNDES, e, talvez, na história dos ACTs no movimento dos trabalhadores. 

Não podíamos deixar de registrar essa explicação aos empregados do Sistema BNDES. Nosso compromisso é com a verdade. Se formos por ela surpreendidos, prometemos recuar.

 

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