Este artigo continua o
publicado na
edição 1396,
de 13 de junho de 2020.
Compartilharei uma breve
reflexão sobre duas
experiências pessoais e
corporativas com
inovação e mentalidade
mundana, que significa
“pensar de outra forma”.
Um foi o papel de
moderador que tive em
uma série de três
debates entre
especialistas sobre o
Fundo Amazônia que
ocorreu na sede do BNDES
em 2010. A outra
experiência foi a
coordenação de cinco
“conversas sobre gestão”
realizadas em 2011 e
2012 para divulgar o
programa de “Excelência
em Gestão”.
Fundo Amazônia
Desde sua criação em
2008, a equipe
responsável pelo Fundo
Amazônia no BNDES
considerou que a decisão
de onde investir os
recursos deveria ser
orientada por um
diagnóstico sólido da
região amazônica e de
suas necessidades. Uma
das ideias era convidar
um grupo de
especialistas para
aprender com eles, a fim
de mapear diferentes
pontos de vista e
aspectos do assunto.
Quando soube dessa
intenção, decidi
oferecer uma abordagem
inovadora ao debate.
Para encurtar a
história, o
superintendente da Área
de Meio Ambiente
concordou com minha
proposta e as três
reuniões ocorreram em
abril e junho de 2009.
Fui responsável por
projetar a dinâmica e
moderação dos debates.
As transcrições dos
debates foram
organizadas e publicadas
em livro, disponível
on-line.
Em
vez de ter dezenas de
apresentações de mais de
30 membros do painel
durante três dias
completos, ofereci a
alternativa de um debate
cooperativo e focado.
Nossa equipe estaria lá
apenas para ouvir e
tomar notas.
Eventualmente, eles
poderiam fazer perguntas
por escrito. As
intervenções de
especialistas seriam
registradas. Cada seção
foi cuidadosamente
elaborada para se
ajustar a um cronograma
apertado. Algumas seções
permitiram contribuições
individuais; outros
exigiram propostas de
grupo. Os participantes
do painel foram
convidados a escrever
notas curtas, não apenas
a falar. Essas anotações
foram postadas no mural
para que pudessem ser
divulgadas e permitir
que todos construíssem a
contribuição de outras
pessoas. Apresentações
em power point não eram
permitidas.
No
primeiro módulo, cada
participante teve que
abordar duas ideias
básicas relacionadas ao
problema em tela em
apenas 10 minutos, com o
máximo de objetividade
possível. Na segunda
fase da reunião, os
participantes foram
convidados a registrar
os principais desafios,
necessidades e
oportunidades da região
e colocá-los em um
quadro branco para que
pudessem ser visíveis a
todos. Com esse
mapeamento, na rodada
seguinte, os
especialistas discutiram
os tópicos mais
enfatizados. Essa etapa
foi fundamental para
fazer emergir todas as
questões que os
participantes
identificaram.
Durante o segundo
estágio, os
participantes foram
solicitados a
compartilhar seus
pensamentos sobre cada
tópico com os objetivos
de reunir ideias, mas
não para restringir o
foco. No final desta
fase, a equipe do BNDES
adquiriu uma boa ideia
panorâmica dos
principais desafios que
deveriam orientar as
operações do Fundo
Amazônia.
Na
última rodada da
reunião, cada
participante teve cinco
minutos para escolher um
único projeto ou área
específica em que
investiria R$ 100
milhões. Este exercício
teve como objetivo
induzir a priorização
máxima para ajudar os
empregados do Banco a
pensar nas áreas mais
promissoras para
investir os escassos
recursos do Fundo.
Conversas sobre
Gestão
Em
2008 e 2009, havia uma
crescente
conscientização entre os
gerentes seniores a
respeito da importância
da excelência em gestão
no BNDES. Em 2008, o
Banco participou pela
primeira vez da
avaliação de suas
práticas gerenciais e os
resultados foram
inferiores às
expectativas de algumas
pessoas (Prêmio da
Qualidade do Governo
Federal – PQGF). O
presidente decidiu
chamar a atenção para a
necessidade de melhorar
os padrões de qualidade
da organização para
alcançar resultados
ainda melhores para a
sociedade brasileira. Em
2010, uma série de
iniciativas em andamento
e outras novas foram
reunidas sob o rótulo de
“Ano da Excelência em
Gestão”.
Como ex-coordenador da
força-tarefa que redigiu
o primeiro relatório de
qualidade do BNDES e à
época na
superintendência de RH,
fui membro do comitê
diretor do Programa de
Excelência em Gestão (EG).
Cada um dos projetos foi
desenhado para abordar
um dos oito principais
processos definidos pelo
Modelo de Excelência em
Gestão (MEG) da Fundação
Nacional da Qualidade.
Apesar disso, concluímos
que era necessária uma
iniciativa mais
abrangente, para
disseminar os conceitos
de EG por todas as
equipes e aumentar o
nível de preparação para
melhorias contínuas.
“Conversas sobre gestão”
foi o nome da marca para
esta nova iniciativa,
com o objetivo de criar
um ambiente favorável
para os projetos mais
técnicos.
Inspirado no conceito de
um verdadeiro diálogo,
um fluxo real de
significados e
entendimentos, instiguei
a força-tarefa a buscar
uma visão ambiciosa:
todos os funcionários
devem parar por uma ou
duas horas
simultaneamente para
conversar em suas
equipes. Esse mergulho
profundo de toda a
organização entregaria
uma forte mensagem sobre
a relevância do assunto.
Afinal, apenas coisas
muito relevantes merecem
uma atenção tão
concentrada de todos os
componentes de uma
organização.
Inicialmente, os membros
da força-tarefa não
estavam à vontade com a
ideia. Parecia ambicioso
demais, talvez ingênuo,
na esperança de um
esforço conjunto em
questões tão
negligenciadas como a
gestão. Negligenciado,
vamos deixar claro, não
por causa de resultados
ruins, mas por não fazer
parte das preocupações
do BNDES no passado.
Concentrado em suas
metas finalísticas, o
Banco não havia prestado
atenção suficiente à EG
interna.
Depois de convencer meus
colegas da força-tarefa
com muita persuasão,
projetamos um modelo
ancorado nas conversas
dentro das equipes.
Subjacente à ideia
estava o diagnóstico
implícito de que, para
criar algo novo para
eles, os funcionários do
Banco deveriam
desenvolver ou, pelo
menos, treinar suas
competências auditivas.
Focados em competências
típicas da segunda e
quarta fases da inovação
(ver
artigo anterior),
nossos colegas foram
convidados a iniciar um
diálogo sobre um novo
assunto.
Na primeira conversa,
praticamente 100% das
equipes e 65% do quadro
de empregados se
reuniram para discutir a
provocadora declaração
do professor Yves Doz,
do Insead: “a maioria
das empresas morre não
porque faz as coisas
erradas, mas porque
continua fazendo a coisa
certa por muito tempo!”.
Havia guias escritos
para a conversa,
facilitadores foram
treinados, houve
comunicação prévia e a
implementação foi
monitorada em tempo
real. Até a Diretoria
conversou.
Após um sucesso tão
tremendo, nosso desafio
aumentou. Como sustentar
o interesse após um
começo tão promissor? As
pessoas ficariam
decepcionadas com os
gerentes se o segundo
passo não fosse tão bom
quanto o primeiro? O
fato é que, após cada
uma das conversas, houve
uma investigação sobre o
assunto. Para todos
eles, as reações
favoráveis eram
realmente relevantes,
indicando que os
empregados sentiam
necessidade de refletir
e conversar sobre o
tema.
O primeiro evento foi
considerado muito
produtivo por 87% dos
809 participantes. Mesmo
não sendo um objetivo da
iniciativa, 60% dos
entrevistados pensaram
que a conversa os
ajudaria a melhorar suas
habilidades de
gerenciamento.
Em 2011, houve três
eventos focados em
tópicos gerenciais (a
necessidade de inovação,
comunicação e feedback).
Em 2012, o mesmo modelo
foi utilizado em dois
eventos, com foco no 60º
aniversário do BNDES, em
suas competências e
desafios para o futuro.
O principal objetivo era
apoiar o sistema de
planejamento estratégico
e disseminar as metas
para 2013-2015.
Os cinco eventos tiveram
participação média de
1.626 empregados
reunidos em 121 grupos,
números muitíssimo
expressivos. Para minha
surpresa, a primeira
reunião do projeto foi
também a primeira
reunião de muitos
departamentos. Esse
singelo fato foi motivo
de animação para vários
empregados, explicando a
boa receptividade do
programa.
Observações finais
Inovação exige fé e
vontade. Segundo a
metodologia da
Universidade de Brighton,
requer “evangelistas”
que prediquem e
pratiquem os métodos.
Infelizmente, quanto
mais burocrática a
organização, mais
heroico um inovador deve
ser. Mas a inovação não
deveria ser heroica.
Antes, a organização
deveria estruturar
métodos e práticas em
todos os planos para
torná-la mais frequente.
Estou convencido que um
dos papéis mais
importantes que
profissionais de RH
podem desempenhar é
reduzir o custo da
inovação para as
equipes. Não os custos
financeiros ou
tecnológicos, mas os
custos invisíveis, quase
sempre associados a
práticas de poder e
cultura. É possível
aumentar a frequência de
inovações, diminuindo as
barreiras psicológicas e
políticas a isto. O
papel do RH é aumentar a
conscientização sobre o
tópico e ajudar
desenvolver as
mentalidades e conjuntos
de habilidades certos.
Regras explícitas e
símbolos, muitas vezes
negligenciados, são
componentes importantes
de um programa de
inovação.
Nas várias situações em
que apliquei a
metodologia, no todo ou
em parte, o resultado
foi positivo tanto em
conteúdo quanto em
forma, incluindo redução
do tempo. Os dois
exemplos mencionados se
referem ao uso de
técnicas de facilitação.
Podem ser classificados
como inovações
organizacionais, não de
produtos nem de
processos. Nos dois
casos, os participantes
relataram percepções
positivas pela
facilidade de falar
sobre temas delicados de
maneira organizada e
aberta. Manter o foco no
essencial era decisivo e
a gestão do tempo se
tornou crítica para
tanto.
Infelizmente não
desenvolvemos sistemas
favoráveis à gestão
apropriada da inovação.
Não é que ela não
aconteça, apenas o faz
de maneira mais lenta e
custosa do que poderia.
Jogos de poder afastam a
energia e a criatividade
de muitos, sobretudo os
tímidos. Isso representa
perdas difíceis de
estimar. Para reduzir o
caráter heroico ou
esporádico, a
organização precisa
definir procedimentos
gerais e regulares para
assegurar a participação
de todos, sobretudo em
melhorias contínuas.
Para inovações radicais,
algum tipo de segregação
das equipes é
necessário, vital
mesmo.
A
boa notícia é que há
cada vez mais pessoas
interessadas e
capacitadas em métodos
de gestão da inovação.
Com o tempo, assumirão
funções de comando e
poderão disseminar tais
práticas. Oxalá não se
entreguem a jogos de
poder que engessam a
organização. Em tempos
de mudanças radicais no
mercado bancário, a taxa
de inovação precisa
aumentar. Não é
opcional. É questão de
vida ou morte. |