Opinião

Edição nº1398 – terça-feira, 30 de junho de 2020

Eu, eu mesmo e a inovação – continuação

Paulo Faveret

Economista do BNDES

Este artigo continua o publicado na edição 1396, de 13 de junho de 2020. Compartilharei uma breve reflexão sobre duas experiências pessoais e corporativas com inovação e mentalidade mundana, que significa “pensar de outra forma”. Um foi o papel de moderador que tive em uma série de três debates entre especialistas sobre o Fundo Amazônia que ocorreu na sede do BNDES em 2010. A outra experiência foi a coordenação de cinco “conversas sobre gestão” realizadas em 2011 e 2012 para  divulgar o programa de “Excelência em Gestão”.

Fundo Amazônia

Desde sua criação em 2008, a equipe responsável pelo Fundo Amazônia no BNDES considerou que a decisão de onde investir os recursos deveria ser orientada por um diagnóstico sólido da região amazônica e de suas necessidades. Uma das ideias era convidar um grupo de especialistas para aprender com eles, a fim de mapear diferentes pontos de vista e aspectos do assunto. Quando soube dessa intenção, decidi oferecer uma abordagem inovadora ao debate. Para encurtar a história, o superintendente da Área de Meio Ambiente concordou com minha proposta e as três reuniões ocorreram em abril e junho de 2009. Fui responsável por projetar a dinâmica e moderação dos debates. As transcrições dos debates foram organizadas e publicadas em livro, disponível on-line. 

Em vez de ter dezenas de apresentações de mais de 30 membros do painel durante três dias completos, ofereci a alternativa de um debate cooperativo e focado. Nossa equipe estaria lá apenas para ouvir e tomar notas. Eventualmente, eles poderiam fazer perguntas por escrito. As intervenções de especialistas seriam registradas. Cada seção foi cuidadosamente elaborada para se ajustar a um cronograma apertado. Algumas seções permitiram contribuições individuais; outros exigiram propostas de grupo. Os participantes do painel foram convidados a escrever notas curtas, não apenas a falar. Essas anotações foram postadas no mural para que pudessem ser divulgadas e permitir que todos construíssem a contribuição de outras pessoas. Apresentações em power point não eram permitidas. 

No primeiro módulo, cada participante teve que abordar duas ideias básicas relacionadas ao problema em tela em apenas 10 minutos, com o máximo de objetividade possível. Na segunda fase da reunião, os participantes foram convidados a registrar os principais desafios, necessidades e oportunidades da região e colocá-los em um quadro branco para que pudessem ser visíveis a todos. Com esse mapeamento, na rodada seguinte, os especialistas discutiram os tópicos mais enfatizados. Essa etapa foi fundamental para fazer emergir todas as questões que os participantes identificaram. 

Durante o segundo estágio, os participantes foram solicitados a compartilhar seus pensamentos sobre cada tópico com os objetivos de reunir ideias, mas não para restringir o foco. No final desta fase, a equipe do BNDES adquiriu uma boa ideia panorâmica dos principais desafios que deveriam orientar as operações do Fundo Amazônia. 

Na última rodada da reunião, cada participante teve cinco minutos para escolher um único projeto ou área específica em que investiria R$ 100 milhões. Este exercício teve como objetivo induzir a priorização máxima para ajudar os empregados do Banco a pensar nas áreas mais promissoras para investir os escassos recursos do Fundo

Conversas sobre Gestão

Em 2008 e 2009, havia uma crescente conscientização entre os gerentes seniores a respeito da importância da excelência em gestão no BNDES. Em 2008, o Banco participou pela primeira vez da avaliação de suas práticas gerenciais e os resultados foram inferiores às expectativas de algumas pessoas (Prêmio da Qualidade do Governo Federal – PQGF). O presidente decidiu chamar a atenção para a necessidade de melhorar os padrões de qualidade da organização para alcançar resultados ainda melhores para a sociedade brasileira. Em 2010, uma série de iniciativas em andamento e outras novas foram reunidas sob o rótulo de “Ano da Excelência em Gestão”. 

Como ex-coordenador da força-tarefa que redigiu o primeiro relatório de qualidade do BNDES e à época na superintendência de RH, fui membro do comitê diretor do Programa de Excelência em Gestão (EG). Cada um dos projetos foi desenhado para abordar um dos oito principais processos definidos pelo Modelo de Excelência em Gestão (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade. Apesar disso, concluímos que era necessária uma iniciativa mais abrangente, para disseminar os conceitos de EG por todas as equipes e aumentar o nível de preparação para melhorias contínuas. “Conversas sobre gestão” foi o nome da marca para esta nova iniciativa, com o objetivo de criar um ambiente favorável para os projetos mais técnicos. 

Inspirado no conceito de um verdadeiro diálogo, um fluxo real de significados e entendimentos, instiguei a força-tarefa a buscar uma visão ambiciosa: todos os funcionários devem parar por uma ou duas horas simultaneamente para conversar em suas equipes. Esse mergulho profundo de toda a organização entregaria uma forte mensagem sobre a relevância do assunto. Afinal, apenas coisas muito relevantes merecem uma atenção tão concentrada de todos os componentes de uma organização.

Inicialmente, os membros da força-tarefa não estavam à vontade com a ideia. Parecia ambicioso demais, talvez ingênuo, na esperança de um esforço conjunto em questões tão negligenciadas como a gestão. Negligenciado, vamos deixar claro, não por causa de resultados ruins, mas por não fazer parte das preocupações do BNDES no passado. Concentrado em suas metas finalísticas, o Banco não havia prestado atenção suficiente à EG interna. 

Depois de convencer meus colegas da força-tarefa com muita persuasão, projetamos um modelo ancorado nas conversas dentro das equipes. Subjacente à ideia estava o diagnóstico implícito de que, para criar algo novo para eles, os funcionários do Banco deveriam desenvolver ou, pelo menos, treinar suas competências auditivas. Focados em competências típicas da segunda e quarta fases da inovação (ver artigo anterior), nossos colegas foram convidados a iniciar um diálogo sobre um novo assunto.

Na primeira conversa, praticamente 100% das equipes e 65% do quadro de empregados se reuniram para discutir a provocadora declaração do professor Yves Doz, do Insead: “a maioria das empresas morre não porque faz as coisas erradas, mas porque continua fazendo a coisa certa por muito tempo!”. Havia guias escritos para a conversa, facilitadores foram treinados, houve comunicação prévia e a implementação foi monitorada em tempo real. Até a Diretoria conversou.

Após um sucesso tão tremendo, nosso desafio aumentou. Como sustentar o interesse após um começo tão promissor? As pessoas ficariam decepcionadas com os gerentes se o segundo passo não fosse tão bom quanto o primeiro? O fato é que, após cada uma das conversas, houve uma investigação sobre o assunto. Para todos eles, as reações favoráveis eram realmente relevantes, indicando que os empregados sentiam necessidade de refletir e conversar sobre o tema. 

O primeiro evento foi considerado muito produtivo por 87% dos 809 participantes. Mesmo não sendo um objetivo da iniciativa, 60% dos entrevistados pensaram que a conversa os ajudaria a melhorar suas habilidades de gerenciamento.

Em 2011, houve três eventos focados em tópicos gerenciais (a necessidade de inovação, comunicação e feedback). Em 2012, o mesmo modelo foi utilizado em dois eventos, com foco no 60º aniversário do BNDES, em suas competências e desafios para o futuro. O principal objetivo era apoiar o sistema de planejamento estratégico e disseminar as metas para 2013-2015. 

Os cinco eventos tiveram participação média de 1.626 empregados reunidos em 121 grupos, números muitíssimo expressivos. Para minha surpresa, a primeira reunião do projeto foi também a primeira reunião de muitos departamentos. Esse singelo fato foi motivo de animação para vários empregados, explicando a boa receptividade do programa. 

Observações finais

Inovação exige fé e vontade. Segundo a metodologia da Universidade de Brighton, requer “evangelistas” que prediquem e pratiquem os métodos. Infelizmente, quanto mais burocrática a organização, mais heroico um inovador deve ser. Mas a inovação não deveria ser heroica. Antes, a organização deveria estruturar métodos e práticas em todos os planos para torná-la mais frequente.  

Estou convencido que um dos papéis mais importantes que profissionais de RH podem desempenhar é reduzir o custo da inovação para as equipes. Não os custos financeiros ou tecnológicos, mas os custos invisíveis, quase sempre associados a práticas de poder e cultura. É possível aumentar a frequência de inovações, diminuindo as barreiras psicológicas e políticas a isto. O papel do RH é aumentar a conscientização sobre o tópico e ajudar desenvolver as mentalidades e conjuntos de habilidades certos. Regras explícitas e símbolos, muitas vezes negligenciados, são componentes importantes de um programa de inovação. 

Nas várias situações em que apliquei a metodologia, no todo ou em parte, o resultado foi positivo tanto em conteúdo quanto em forma, incluindo redução do tempo. Os dois exemplos mencionados se referem ao uso de técnicas de facilitação. Podem ser classificados como inovações organizacionais, não de produtos nem de processos. Nos dois casos, os participantes relataram percepções positivas pela facilidade de falar sobre temas delicados de maneira organizada e aberta. Manter o foco no essencial era decisivo e a gestão do tempo se tornou crítica para tanto. 

Infelizmente não desenvolvemos sistemas favoráveis à gestão apropriada da inovação. Não é que ela não aconteça, apenas o faz de maneira mais lenta e custosa do que poderia. Jogos de poder afastam a energia e a criatividade de muitos, sobretudo os tímidos. Isso representa perdas difíceis de estimar. Para reduzir o caráter heroico ou esporádico, a organização precisa definir procedimentos gerais e regulares para assegurar a participação de todos, sobretudo em melhorias contínuas. Para inovações radicais, algum tipo de segregação das equipes é necessário, vital mesmo. 

A boa notícia é que há cada vez mais pessoas interessadas e capacitadas em métodos de gestão da inovação. Com o tempo, assumirão funções de comando e poderão disseminar tais práticas. Oxalá não se entreguem a jogos de poder que engessam a organização. Em tempos de mudanças radicais no mercado bancário, a taxa de inovação precisa aumentar. Não é opcional. É questão de vida ou morte.

 

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