Opinião

Edição nº1395 – sábado, 6 de junho de 2020

“99%, Uni-vos!” (V)

A Pandemia, teremos uma nova chance pós 2008?

Helio Silveira (economista aposentado do BNDES), Gustavo Galvão (economista do BNDES, doutor em Economia pela UFRJ) e Rogério Lessa (jornalista)

 

Assim como os três reis magos

Que seguiram a estrela guia

A bandeira segue em frente

Atrás de melhores dias” –  

Bandeira do Divino – Ivan Lins e Vitor Martins 

Os autores desse artigo advertem: austericídio faz mal à saúde! Um Estado Funcional pode não descobrir a cura para a Covid19, mas não poderá procrastinar ou restringir recursos para ela e para amenizar o descalabro econômico!   

Em 5 de outubro de 2018 apresentamos nosso quarto artigo da série “99% Uni-vos!”   Nem a escassez, nem o excesso, mas o exato. Nele tratamos do tamanho do Estado necessário aos 99% do mundo: nem o Mínimo, nem o Máximo, mas o Estado Funcional – o do Pleno Emprego, Cidadania e Bem-Estar Social.  

O Estado Funcional 

O Estado Funcional atua de forma a levar e a manter a economia no pleno emprego e no estágio ótimo do desenvolvimento econômico, mantendo o giro dos negócios no ponto eficaz. 

A eficácia do Estado (pela ótica desenvolvimentista/socialdemocrata) faz-se presente quando consegue ser o mediador de rendas, quando equilibra a instabilidade do investimento privado e quando tende a distribuir a renda de forma equânime. Ou seja, quando atua de forma Funcional, isto é, no sentido inverso ao ciclo econômico: gastando mais que o necessário quando houver desaquecimento econômico, de forma atenta e eficaz, para retirar excesso de recursos nos momentos de alta utilização da capacidade instalada; e agindo de forma fiscal e monetária restritiva, com rigor, no momento em que o excesso do crédito privado incita ao endividamento das empresas e dos assalariados, formando bolhas nos mercados e dando clara indicação de alerta de uma próxima inversão do ciclo econômico. 

Já a definição dos liberais clássicos para a economia é a busca da alocação eficiente dos recursos escassos com o fim de otimizar o bem-estar da sociedade. Eles reforçam pelo pressuposto que o Estado precisa ser parcimonioso no uso dos recursos ditos limitados. Em outras palavras, equilíbrio fiscal e presença mínima do Estado para dar liberdade (máxima) de atuação aos agentes econômicos.

Por esta concepção, o setor privado deixado livre auto regula-se, e seria eficiente para levar a economia à utilização ótima dos recursos escassos, mas não ao Pleno Emprego, já que admitem a permanência de um “necessário exército de reserva de mão-de-obra” (desempregados). Em outras palavras, advogam o Estado Mínimo para o social e Máximo para eles.   

No entanto, apesar de toda autossuficiência e autorregulação, quebraram e foram sustentados pelo Estado em 2008, repetindo o que ocorrera em 1929. 

O mundo pós-2008 

Assistimos desde a crise de 2008 a nítida separação das duas concepções econômicas.  

No lado Oriental, houve forte desenvolvimento inclusivo! Registramos isso em: "Dois Caminhos pós 2008: Liberalismo x Desenvolvimentismo". 

Já no bloco Ocidental, apesar da forte atuação do Estado/Banco Central em 2008 para salvar o sistema financeiro (e consequentemente a economia), vimos que o resultado foi baixo crescimento econômico, forte concentração de renda e desemprego.


É sabido que, nesse período, em especial nos EUA, o dinheiro doado pelos Bancos Centrais (“quantitative easy”) para os bancos e empresas privadas foi direcionado para compra das suas próprias ações. Ao fazer isso, aumentam o lucro por ação, devido à redução de seu número, valorizando-as em mercado. Não por acaso, os Índices Dow Jones e S&P 500 valorizaram por 11 anos até o ajuste de 2020.


Então, o bloco Ocidental não manteve o Estado como promotor do desenvolvimento através de políticas fiscais. Ao contrário, optou pela obsessão liberal na busca do equilíbrio fiscal. Tudo o que conseguiram foi um baixo crescimento e desemprego e/ou empregos precarizados. 


Brasil

No Brasil, passamos pela crise de 2008 sem consequências relevantes graças à boa atuação do Estado e suas instituições financeiras públicas (BNDES/BB/CEF), mas também pela inércia final do boom das commodities. Entretanto, em 2016, como reflexo do fim das condições favoráveis externas, fomos submetidos por governos liberais a medidas preconizadas no programa “Ponte para o Futuro”, que nos levaram a reformas austericidas na legislação trabalhista e outras, culminando com o tratamento letal legalmente garantido pela EC95 (a EC da morte!) que fixou um teto para o gasto público até 2036 20 anos.

 Enfim, amargamos, desde 2015, baixo crescimento, desemprego e, agora em 2020, infelizmente, estamos diante de uma pandemia provocando mortes e, por consequência, agravando uma crise econômica mundial e do petróleo. 

O que é o Estado Funcional e quais são suas políticas econômicas? 

Simplesmente é o desenvolvimentismo funcional inclusivo (ou socialdemocracia) através da alavancagem do crescimento real. Práticas desenvolvimentistas, como o Plano Marshall, recuperaram a Europa no Pós-guerra. Também promoveram, nos EUA, os anos dourados do Pós-guerra, a partir do governo do presidente Roosevelt, até os anos 70.

Mas, então, por que os empresários ocidentais rejeitam tais governos e práticas econômicas que recuperaram a Europa e promoveram crescimento com Roosevelt, nos EUA, e aqui no Brasil, com Getúlio?  

“Fazer o que tem que ser feito. Gastar o que for necessário!”  

Mostramos em “A saída da crise ao alcance da mão (I)” e em A saída da crise ao alcance da mão (II)” que o Estado Funcional utiliza as práticas das Finanças Funcionais, ou seja, um Estado Soberano emissor de sua moeda, tem ampla força de utilização de políticas econômicas, sem restrição monetária. Assim, pode realizar “o que tem que ser feito”, ou seja, em uma emergência, pode e deve gastar o que for necessário para salvaguardar sua população. Em situação de crise, pode atuar contra a corrente para minimizar ou eliminar a adversidade. Em períodos normais pode utilizar seus instrumentos para promover o desenvolvimento e levar a Economia ao Pleno Emprego e Cidadania. 


Kalecki explica, como reproduzimos no primeiro artigo acima, que os empresários aceitam de muito bom grado o auxílio governamental nas crises, mas tão logo saem delas, eles não querem a continuidade do governo atuando na economia. Sabem por quê? Porque eles até abrem mão da total maximização dos lucros em uma situação de Pleno Emprego para não perderem o poder político.

Não foi isso que ocorreu nos Governos Populares e Desenvolvimentistas da Europa no Pós-guerra e de Getúlio/Roosevelt?  Não foi o que aconteceu no pós-2008? Por que a União Europeia, os EUA e o Brasil hoje amargam baixo crescimento e hoje tremem diante de uma terrível pandemia que mata e agrava a crise mundial? Porque ao se acostumarem com políticas austericidas, relutam em partir para o que tem que ser feito: “
Gastar o que for necessário”.
 

Então 99%, uni-vos!  

Conscientizemo-nos de que só as práticas desenvolvimentistas, com a presença do Estado Funcional, ajudarão a economia a minimizar os efeitos negativos da pandemia nas áreas econômicas e de saúde. Concomitantemente, tão logo, com a Graça Infinita, passe esta tragédia, minimizar os efeitos maléficos da doença, continuar a luta da recuperação econômica e levar a economia ao Pleno Emprego e Cidadania! Isto só será um sonho e apenas uma lembrança de anos felizes se não houver uma ampla conscientização dos 99% contra os dogmas liberais! Será sonho se não aprenderem com o que aconteceu no pós-2008.  

O mundo todo está em sofrimento com a pandemia, mas a China, um Estado Funcional, inicialmente fortemente atingida, parece mostrar sinais de recuperação e já, utilizando sua força industrial, fornece respiradores e máscaras protetoras para o mundo!  No entanto, o bloco Ocidental ainda não partiu efetivamente para o combate e os gastos necessários. 

Como o Estado Funcional pode enfrentar o desemprego brutal na guerra contra a pandemia no Brasil? 

Lamentavelmente, um governo formado por liberais e financistas, como o ministro Paulo Guedes e sua equipe, dificilmente fará todo o necessário para a superação da crise. O Congresso, por sua vez, parece referendar a reforma trabalhista precarizante. Teremos de vencer árduas batalhas políticas, mas salientamos de novo: em primeira instância, é necessário GASTAR, sem restrição e sem titubeio burocrático, o necessário para fazer o que tem que ser feito, pensando única e exclusivamente em salvar o ser humano! O recurso, conforme explicamos, se emite! O excesso e a correção e malfeitos deverão ser tratados após a Graça do Divino nos iluminar! Mas os malfeitos deverão ser denunciados tão logo sejam percebidos!

Da mesma forma que existe uma quebra instantânea, acontece uma ociosidade da capacidade instalada instantânea! Para acalmar os liberais ortodoxos, lembramos que a imensa capacidade ociosa e a recessão instantânea provocam uma tendência a uma deflação nos bens não essenciais, a despeito de algum ou outro cuja demanda tenha sido aumentada na excepcionalidade. Exemplo? Respiradores, máscaras e luvas plásticas! Então não haverá subida de preços generalizada exceto se a logística colapsar.

 Então, gastar é preciso! Ao eliminar essa restrição podemos pensar a logística de guerra contra a pandemia. A título de sugestão e contribuição, propomos as medidas operacionais essenciais a seguir, não em “passo a passo”, mas concomitantes. 

Primordial: utilizar a cooperação das esferas administrativas de cima para baixo (governadores, prefeitos e associações e/ou comitês de bairro); 

Operacionalmente, fazer políticas emergenciais na saúde, requisitar empresas para se adaptarem para produzir respiradores, máscaras, luvas e testes. 

Governo Central: bancar rendas emergenciais mensais por meses ou anos com longo prazo de carência, a “juro zero”, para os mais necessitados, tanto pessoas como empresas. No limite, dependendo da gravidade do pós-crise, a possibilidade de perdão de dívidas e distribuí-las através de bancos públicos.  

Concentrar esforços de guerra e recursos na logística dos transportes, fornecer alimentos e medicamentos através de voluntários capacitados, fazer alojamentos para doentes e alojamentos para população de rua, fazer ações nas áreas carentes. Forças Armadas poderão coordenar e organizar ações com a cooperação da sociedade civil organizada;

  Implantar o instrumento Empregador de Última Instância (EUI) com adiantamentos de rendas, enquanto do período de isolamento, para trabalhos presentes (possíveis) e futuros de recuperação no pós-pandemia; 

Usar o protagonismo dos bancos públicos (principalmente o BNDES). Os bancos privados já foram beneficiados com a compra de seus títulos ilíquidos pelo BC. Agora, dado o auxílio recebido, deveriam ser chamados a colaborar. 

Reforçar o papel e ações necessárias das empresas públicas BNDES/BB/CEF/PETROBRAS/CORREIOS. Elas não demandam recursos públicos, ao contrário, geram lucro. E quando privatizadas perdem qualidade, como vimos no caso da Vale. 

Lições a aprender em caso de vitória da Humanidade!

 Finanças Funcionais mostram que o gasto público é necessário e essencial. Gastar em: Saúde (SUS) / Educação ampla – aprendamos que excesso de médicos, enfermeiros, profissionais de limpeza e professores bem remunerados, mesmo batendo cabeça em hospitais e escolas, é o exército moral de reserva civil de épocas de crise. Sim, gastar em atendimento de saúde e educacionais gerais e gratuitas (filas nunca mais!), de forma que planos de saúde reduzam muito seus preços ou percam suas funções. 

Então, aprendamos e façamos no pós-pandemia, se a Graça do Divino nos conceder: 

Fortalecimento e Expansão do SUS; 

Legislação Trabalhista recuperada em benefício do trabalhador; 

Seguridade Social, de novo recuperada, restabelecida e fortalecida; 

O Plano de Desenvolvimento Estratégico voltado ao PLENO EMPREGO e CIDADANIA em todos os quadrantes do Globo Redondo (pleonasmo necessário!).

  Revogar o EC95! 

A chance pós 2008 

Sim! A segunda chance: metade da Humanidade não aprendeu com as lições de 2008. Se o Estado teve incomensuráveis recursos para salvar e manter a alta rentabilidade dos bancos privados e grandes empresas (o 1%), por que não os 99%? Se a Humanidade se salvar, e se salvará, que leve em consideração que o Estado tem que ser Funcional para os 100%!  

Podemos esperar que, se o Estado for Funcional, é possível que algumas restrições do isolamento fiquem definitivas, tal como o “trabalho em casa”, contribuindo talvez para desconcentrar o espaço urbano! 

Mas, um aviso aos incautos, não se deixem levar pelo controle social! Talvez o pior efeito colateral possível de uma pandemia eliminada. 

99% UNI-VOS!  

PS-1: Este artigo foi escrito entre a Semana Santa e o 1º de maio de 2020, época de reflexão em paixão e regeneração! Os autores anseiam por uma solução para a pandemia pela Graça do Divino e pelo trabalho da área dos profissionais da Saúde! Não sendo versados em medicina, desejariam que a solução fosse, talvez, pelo plasma humano! Humano salvando humano!

PS-2: Referência bíblica do Divino, “– Crescei e vos multiplicai” não, não se refere à escassez. Ele pediu para nos multiplicarmos e não para que nos dividamos, para não nos diminuirmos.

 

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