Opinião

Edição nº1394 – sábado, 30 de maio de 2020

Reunião Cloroquina

Empregado do BNDES e 2º vice-presidente da AFBNDES

Diante do que pudemos assistir na reunião ministerial de 22 de abril, poderíamos chamar o evento de Reunião Cloroquina – aquela que não resolve nada e causa muito estrago colateral. 

Começa com a apresentação pelo Gen. Braga Netto de um tal Plano Pró-Brasil, cujos powerpoints fariam o Dr. Dallagnol babar de inveja. O Plano é multifocal: foco nas parcerias entre as esferas pública e privada; foco nas desigualdades regionais; foco na energia e indústria; foco em finanças e controle; foco no meio ambiente; e por aí vai... O plano se assemelha ao olhar dos insetos, ou seja, composto por uma grande quantidade de unidades focadas, isoladas com a forma de um hexágono. Cada uma dessas unidades funciona como um olho simples, então o inseto possui milhares deles para que enxerguem algo parecido com pedacinhos – separados como um mosaico impróprio à focalização a grandes distâncias, portanto, as imagens somente serão nítidas quando os objetos estiverem a, no máximo, um metro de distância dos olhos.  O que é perfeito para orientação visual imediata de uma mosca ou abelha, mas que pode ser péssimo para o planejamento estratégico de um país. 

Assim que o general (atrapalhado com as folhas-cópias dos slides) acabou de fazer a apresentação de 8 minutos do plano que, em tese, deve ir até 2030, o Dr. Paulo Guedes apontou suas baterias antiaéreas para a mosquinha de olhar multifocal chamada Pró-Brasil, e disparou: “Por favor, não chamem de Plano Marshall, pois revela um despreparo enorme...”.  

Após a cutucada do ministro do Desenvolvimento Regional na fala do Dr. Guedes, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu sua aula de ética imprópria para menores de 120 anos. Ele propôs o aproveitamento da distração da mídia com a provável maior pandemia de nossa história (cujo número de mortes poderá passar das 50.000 almas) para fazer “passar a boiada” das reformas infralegais. Ter quem subscreva tal aberração de princípios torna o quadro ainda mais desolador.  

O presidente da Caixa falou em histeria coletiva. Guedes voltou a defender a privatização do Banco do Brasil. Damares se empolgou com o endurecimento na relação com os governadores e prefeitos. Moro balbuciou meia dúzia de palavras, pedindo a inclusão do item “foco na segurança”, nos powerpoints do gen. Braga Netto. Tudo isso recheado com a miríade de palavrões do senhor presidente da República. A grande Dercy Gonçalves ficaria roxa de vergonha se viva fosse e lá estivesse. 

Bem, para o observador de fora, qualquer tentativa de dar sentido lógico e prático ao ocorrido nesta reunião esbarraria na impossibilidade de se realizar aquilo que o biólogo britânico Thomas Huxley (1825-1895) chamava de a governança do mundo pelas ideias. Segundo ele, é questão da mais alta importância que nossas teorias sobre as coisas estejam tanto quanto possível respaldadas na realidade dos fatos, afastadas do erro e lastreadas na ética, pois o poder das ideias, consubstanciado em ações bem delineadas, é tão importante quanto os recursos físicos e monetários. Se assim for, a fatídica reunião pode espelhar, além da falta de recursos financeiros afirmada categoricamente pelo Dr. Guedes – “O país tá quebrado!” –, o quão longe estamos da sã consciência, das ideias criativas e promissoras que embasam os projetos destinados ao sucesso, e o deserto de homens capazes de pô-los em prática. A maior tragédia de uma sociedade é quando os governantes não estão à altura dos desafios de seu tempo. 

 

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