O começo
Desde o dia
16 de março,
quando as medidas para o
plano de contingência se
iniciaram no Banco,
fui colocada
em
quarentena. Cheguei a ir
trabalhar naquele dia,
confesso que já meio
assustada. Tinha sido
escolhida pela minha
gestora para comparecer
até a quarta-feira
daquela semana, um dia
antes de todos entrarem
definitivamente no
home office.
Foi uma chegada tensa.
Parei o carro na garagem
e mesmo antes de passar
na catraca tive que
responder a um
questionário feito por
uma enfermeira e em
seguida tive minha
temperatura medida por
outra. As pessoas já
mantinham a distância de
mais ou menos um metro
uma das outras na fila
para entrar. Máscaras
eram dadas para aquelas
que relatavam sentir
algum sintoma de gripe
ou mal-estar.
Foi ali, naquele
momento, que tive
contato pela primeira
vez com o medo que essa
pandemia traria para as
nossas vidas a partir de
então.
O Banco já estava bem
mais vazio do que o
normal, ainda assim
fiquei temerosa de
esperar no hall dos
elevadores para subir,
de tocar no botão pra
escolher meu andar, de
partilhar o elevador com
pessoas que poderiam
estar contaminadas sem
sequer saber disso.
Pronto. Cenário
paranoico perfeito! Acho
que o grande mal da
batalha contra esse
vírus é esse: como se
proteger de um inimigo
invisível? Por mais que
adotemos as medidas de
prevenção, será que terá
sido suficiente para
escapar ileso? E olha
que gozo de boa saúde e
não sou hipocondríaca ou
cheia de manias de
doença. Mas a chegada
dessa doença veio de
forma tão avassaladora
que mesmo as pessoas
mais tranquilas
começaram a se sentir
assustadas. Às vezes o
medo vem não porque
podemos contrair o
vírus, mas porque
queremos proteger a todo
custo nossos entes
queridos incluídos em
algum grupo de risco.
Após algumas horas
trabalhando, recebi
a
ligação de uma
enfermeira da
FAPES
pedindo que eu fosse para
casa,
pois as lactantes tinham
sido incluídas no
grupo
de risco. Tenho uma bebê
de 10 meses. Foi assim
que se iniciou minha
quarentena e meu
isolamento.
Primeira semana
A primeira semana foi
necessária para tomar pé
da situação, preparar a
família para a nova
rotina, fazer algumas
compras de supermercado,
dispensar colaboradores,
conversar com as
crianças (além da minha
bebê, tenho uma enteada
de 9 anos), organizar o
espaço em casa para as
atividades de trabalho e
baixar os aplicativos de
teleconferência e
comunicação a distância.
O
trabalho fluiu de forma
meio desorganizada, cada
um fazendo o que dava da
maneira que melhor
conseguia. Sem acesso
VPN, minhas atividades
nessa semana ficaram
mais limitadas. É
incrível
o
nosso grau de
dependência das
ferramentas
tecnológicas, de modo
que quando não
conseguimos usá-las
parece que estamos
“mutilados”
(decapitados!) e somos
menos capazes. Fizemos
algumas calls e os
grupos de WhatsApp
bombaram! Mas ao final
da semana, meio aos
trancos e barrancos, as
tarefas pactuadas foram
entregues.
Segunda semana
A
segunda semana de
quarentena
começou mais organizada.
Alguma rotina na casa já
tinha sido estabelecida,
a divisão das tarefas
domésticas também. Com
as ferramentas de
trabalho remoto
instaladas,
as coisas fluíram
melhor. É claro que todo
bom gestor entenderá que
esse não é um home
office em “CNTP”
(Condições Normais de
Temperatura e Pressão),
pois sem as creches e
escolas abertas, o apoio
dos avós para ficar com
as crianças ou mesmo das
nossas “ajudantes do
lar” fica humanamente
impossível concluir as
tarefas do trabalho nos
prazos corriqueiros. A
quarentena forçada tem
sido um excelente
laboratório de empatia.
Uma sensação frequente
que me acompanhou nessa
semana foi a de estar
vivendo como num filme,
custando a acreditar que
era tudo real. Ao
acordar, a primeira
ideia que me vinha
à
mente era a de ter que
me vestir
para
sair de casa e ir
trabalhar. Mas logo eu
precisava dizer ao meu
cérebro que hoje o
trabalho seria feito de
casa mesmo.
Comecei a sentir falta
do trajeto para o
trabalho, de pegar o
carro ou o metrô, de ver
gente, de sair para
almoçar, da rotina do
dia a dia. Aquela rotina
que tem sempre algo que
nos irrita e que vivemos
pedindo uma oportunidade
para mudar. Pequenas
coisas do cotidiano e
que, por estarmos agora
privados delas, fazem
uma falta enorme. Foi
uma semana em que fiquei
mais reflexiva,
introspectiva também. Em
alguns momentos chorei
de saudades dos meus
pais que estão sozinhos
sem contato com ninguém.
Me senti mais cansada
por ter que conciliar
tão de perto as demandas
da casa e do trabalho e
ainda cuidar de uma bebê
tão pequena.
Mais uma vez, após
algumas muitas
conferências telefônicas
e muitos e-mails depois,
missão cumprida e
trabalhos entregues.
Terceira semana
Agora estamos
na
terceira semana de
home office.
Acho que já introjetei
que nem tão cedo poderei
voltar a andar
tranquilamente pelas
ruas ou a trabalhar na
minha baia, rodeada por
colegas e amigos. A
ausência de uma data
certa para
a
volta à normalidade é
algo que angustia
bastante. O cenário
econômico que se
avizinha e a situação
dos mais vulneráveis
também é de dar pânico.
De outro lado, parece
que o trabalho a ser
feito de casa ficará
cada dia mais facilitado
e próximo do que
tínhamos nas
dependências do Banco. É
claro que ainda
precisamos aprender a
domar o ímpeto das mil
mensagens por dia nos
grupos do trabalho e
toda a boa etiqueta que
permeia essa nova forma
de exercer nossas
tarefas, mas já
vislumbro ganhos muito
positivos dessa
quarentena e do trabalho
a distância: (1)
digitalização de
processos do Banco que
estavam para acontecer
há anos, em especial a
adoção de assinatura
digital de documentos e
contratos;
(2) mudanças nas
relações de trabalho,
nas quais o que passa a
contar é mais a entrega,
o cumprimento da meta e
menos a jornada ou a
catraca; (3) relações
mais colaborativas e
empáticas; e (4) a
importância de se ter
uma liderança
transformadora,
merecendo destaque
aqueles líderes de
equipe que souberam
fazer a diferença e
guiar seus times em um
momento tão único e
crítico.
Certamente,
ao final disso tudo,
sairemos mais
fortalecidos e cientes
da nossa missão de
empregados de um
Banco
de
Desenvolvimento.
Por ora, a ordem é ficar
em casa esperando por
dias melhores. |