“Há
décadas em que nada
acontece e há semanas em
que décadas acontecem”.
(Lenin)
Tivesse ficado na
Inglaterra, ao invés de
vir ajudar a mudar o
Brasil da Globo para um
mundo plano, talvez
Gustavo tivesse
tomado notícia
disso:
The MPC will keep under
review the case for
participating in the
primary market.
Traduzindo do economês
para o português, o
banco central do Reino
Unido está anunciando
que poderá comprar
títulos do Tesouro
diretamente, e não mais
apenas através de
mercado secundário
visando
somente
controlar a curva de
juros. Não mais pagando
um pequeno pedágio às
instituições
financeiras, não mais
contribuindo para a
valorização de seus
portfólios. Dinheiro
direto para o Tesouro.
Qual o sentido desta
loucura? Como o Tesouro
irá pagar isso? Zimbabwe!
Weimar!
Entrego a explicação a
um ex-presidente do
Banco, Pérsio
Arida.
Pérsio, que pode ter
seus pecados, que pode
na condição de um dos
ideólogos de uma
candidatura fadada ao
fracasso – a de Geraldo
– ter se dado ao luxo de
falar um monte de
inconsequentes groselhas
neoliberais radicais
durante o ano de 2018.
Pérsio,
que se vendeu ao
mercado, que andou
detonando com o Banco.
Mas em meio a esta
crise, Pérsio ainda é
acima de tudo um grande
economista. E ele vai e
escreve um texto
com o seguinte
parágrafo:
“A
dívida pública,
qualquer que seja seu
tamanho, sempre pode ser
paga. No limite o Banco
Central pode creditar os
valores devidos na conta
dos detentores dos
papéis da dívida
pública. Disso não
decorre que o tamanho da
dívida pública não
faça diferença. Um
estoque muito grande de
dívida pública pode
estimular o consumo pelo
efeito riqueza. Pode
aumentar, por
arbitragem, o preço dos
ativos reais,
estimulando o
investimento. Mais
consumo e investimento
aumentariam a demanda
agregada e a inflação
sempre ocorre quando há
um excesso de demanda
agregada. Mas só um
lunático acharia que
corremos um risco
inflacionário nas
circunstâncias atuais.”
Se vocês querem o
argumento de MMT
construído em um
parágrafo, não penso em
nada melhor do que está
aí. Pérsio não assume,
mas finalmente ele chega
aonde está o seu
ex-coautor Lara.
De
uma forma que Olavo
possa entender (e
explicar aos seus
discípulos), na vez
anterior que Urano
atravessou por Touro
aconteceu o
keynesianismo. Agora
teremos um descendente
deste. E, neste sentido,
a equipe econômica que
temos ainda opera como
se três jogadores fossem
necessários para não
haver impedimento (que,
para
quem não sabe, é como
era a
regra
até 1925 – os técnicos
cá só entenderam isso
nos anos quarenta. Aí,
Jesus!). Ela precisa ser
trocada toda. Com
urgência. Numa situação
normal,Guedes
poderia operar um
medíocre feijão com
arroz a Maílson &
Meirelles,
misturado com a sua
pauta de reversão dos
direitos trabalhistas
aos praticados por donos
de quitanda do interior
dos anos sessenta. Mas
nesse momento, depois de
umas declarações perto
das quais as de Zélia
soariam brilhantes como
Conceição Tavares,
Guedes virou Queiroz.
Mantendo-se na contramão
do mundo, com a desordem
dos muitos milhares de
pessoas que irão morrer
a mais por conta do
atraso (tão bem
retratado pelo Pérsio)
em encarar o problema do
coronavírus,
esse governo perdeu sua
legitimidade. Antes da
eleição achei que em
algum momento o Exército
promoveria uma noite das
longas facas sobre os
malucos do bolsonarismo.
Nunca imaginei que fosse
necessário fazer isso
sobre o próprio e seus
filhos, mas parece não
haver alternativa a
respeito. Não há mais
respeito por ele entre
os governadores, os
juízes do
Supremo,
os congressistas e a
imprensa. Nenhum dos
quatro poderes,
portanto.
Resta a quem o pôs lá, a
quem ameaçou o
Judiciário
para impedir que Lula
participasse da eleição,
dois caminhos: dobrar a
aposta ou
abrir uma nova mesa.
No primeiro caso
significa usar do cabo e
do soldado, não só do
Exército quanto das PMs.
Significa, ao contrário
de 64, fazer o golpe a
favor de um governo
impopular, e ao
contrário de 69, sem
crescimento. Um Brasil
sob o olhar atento do
fuzil. Boa sorte, EB!
Vocês vão precisar.
No
segundo caso, a crise
institucional e a
complexidade de ações
para tocar uma condução
tolerável das crises
humanitária e econômica,
e a reconstrução que
será necessária passada
a ameaça da doença,
exigirão um governo com
um nível de suporte de
consenso como foi o
acordo em torno da
construção do governo
Tancredo. Conquanto, sem
as figuras de Tancredo,
Sarney e Ulisses para
conduzir essas
negociações. Temos um
Congresso emasculado
pela eleição de 2018 e
pelo macarthismo da
Lava-Jato. Qual seja, há
um consenso a ser feito
sem que haja lideranças
de expressão e
credibilidade.
Estruturas de poder
paralelas, como a LIDE
de Dória, por exemplo,
se mostraram mais
máquinas de tomada do
poder do que lugares
capazes de produzir
consensos. Itamar, que
sucedeu a Collor, era um
caricato,
mas experiente político,
e não um caricato,
alternando entre o
general que requer
haldol e um
pijama-de-força e um
bonachão gaúcho-manauara
que é uma síntese da
diversidade deste país,
e obscuro general
filiado a um partido que
sequer elegeu um
deputado na última
eleição.
Portanto, dada a
centralidade do Exército
em qualquer tipo de
remoção de Jair, e a
ausência de uma força de
consenso nacional, o que
se pode vislumbrar é
algum tipo de governo de
salvação com o
Supremo
e com tudo.
E, neste sentido, faço a
ousadia de dar meus dois
centavos para esta
discussão.
O primeiro deles é que o
BNDES tem que ser
entendido nesta crise
não só como um banco de
desenvolvimento
clássico, mas como parte
do pacote de intervenção
no mercado. De
preferência visando a
tornar isso uma prática
permanente. Não só na
alocação do capital, mas
no provimento de
liquidez e estabilidade
para além da atuação
tradicional do BACEN.
O segundo é que nesta
crise talvez se deva
refletir se o atual
presidencialismo do
Banco não é um erro.
Creio que parte do
sucesso de Luciano foi
resultado do checks
and balance de
alguns diretores
nomeados por Brasília
com mandatos e
alinhamentos políticos
distintos dos do
presidente do Banco.
Nessa crise de
legitimidade que
enfrentaremos, ao invés
de um presidente, creio
que ter um triunvirato
com aqueles presidentes
do Banco que foram os
mais dinâmicos e/ou
empáticos dos quatro
presidentes que tivemos
antes de Bolsonaro –
Mendonça de Barros,
Luciano Coutinho e
Rabello de Castro –,
pessoas com a
experiência, reflexão,
e, creio eu, com a
capacidade de somar
entendimentos ao invés
de conduzir autos de fé.
Um triunvirato, com mais
dois diretores indicados
por cada um deles,
atuando por consenso e
com bom senso.
E
lembrando aos militares
que se foi nas Agulhas
Negras que eles
começaram suas
carreiras, é para
lá que devem buscar sua
solução. Em Resende.
Mais especificamente, em
Lara Resende e Felipe
Rezende. O momento de
MMT chegou.
PS: mas nem tudo! Dois
pequenos detalhes,
lembrete aos que
conhecem as propostas do
campo de MMT. A crise
imporá programas de
renda mínima. O que quer
dizer que a ideia de
empregador de última
instância, central às
propostas de esquerda do
campo, ficará
prejudicada. O segundo
ponto é que o
Cassino de Keynes,
de alguma forma,
continuará existindo e
ditando as regras. O
Cassino pré-existe e
independe da ordem
neoliberal, embora esta
o tenha ajudado muito.
PS2: entre a noite de
sexta
(27)
em que escrevi este
artigo e a terça
(31)
onde se celebraram os 56
anos da bem-sucedida
quartelada de 64, coisas
aconteceram. Amigos com
quem usualmente reflito
mostraram uma
preocupação com a
questão da oferta, da
manutenção do
abastecimento de coisas
que você compra no
supermercado. E aí vejo
o maior de nossos
palmeirenses, o
neurocientista Miguel
Nicolelis, em seu
canal no youtube
(muito bom,
diga-se de passagem),
falando de
uma história
de
que nosso boçal Nero
estaria, no papel de
palhaço,
querendo botar fogo no
circo, estimulando uma
paralisação dos
caminhoneiros.
Essa é uma questão
crucial sobre a qual o
Exército, acima de
qualquer outra
instituição, deveria
estar atuando e
executando planos a
respeito. Infelizmente,
não há evidências nesse
sentido. Antes de
qualquer questão de
natureza financeira,
deveria ser endereçada a
questão logística e da
criação de uma estrutura
que impeça
desabastecimento e fome
num momento em que a
produção se contrai.
Além de uma inflação
cujo impacto não deveria
influenciar nossa
política monetária (mas
vai pela jabuticaba da
meta de inflação cheia),
ela vai causar atos
desesperados de
violência. E mais mortes
e sofrimento a se somar
aos da pandemia. |