Na segunda das
apresentações, um
ex-presidente,
ex-funcionário de
carreira desta
instituição abriu
citando um
artigo recentíssimo
de David Graeber no The
New York Review of
Books. Um bom artigo:
semana anterior eu tinha
impresso quatro cópias e
dado a três colegas (a
minha ficara na primeira
apresentação, no CBAE,
que assisti na companhia
de um ex-assessor
externo, grande amigo).
Pio falou (muito bem) a
partir de umas folhas
manuscritas em caneta
azul, notas pessoais,
suponho. A segunda
apresentação foi
repeteco da primeira.
Mas naquele dia eu
estava ali mais por
conta do Lara do que do
próprio Wray.
Pio, Lara, dois
ex-presidentes, breves
ex-presidentes. Lara,
com sua estampa de
aristocrata que posou
pra Velasquez. Ao mesmo
tempo em que mostra uma
conversão algo recente
ao entendimento de MMT,
em que sinaliza
contemporaneidade como
ao sair falando de
argumentos
neo-fisherianos sobre
inflação (nota para
leigos: a taxa de juros
é quem causa a inflação,
e não o contrário), ao
mesmo tempo não consegue
largar a carga que
carrega de seu passado
de tucano-cruzadista.
Por exemplo, sua fixação
na sua "grande
descoberta", a inflação
inercial. Ou na sua
crítica à burocracia
pública, custosa,
ineficiente, preocupada
com seus salários e
interesses. Ali, na
silenciosa paz da Casa
Firjan, isto era uma
piada pronta, a ironia
de uma charge clichê de
esquerda sendo encenada.
Nada tão grave quanto o
relatado por Thiago,
ex-presidente de nossa
Associação, que
testemunhou na manhã de
terça no seminário
organizado pela Fiocruz,
outro egresso da PUC,
José Márcio Camargo, com
ao que parece uma
histérica defesa do
equilíbrio fiscal. Não
sei se dessa vez ele
estava fazendo
merchandising de sua
asset no
PowerPoint, como fez
aqui no Banco quando de
seu ataque à TJLP.
Mas o que é MMT? Em um
parágrafo: é a forma
como o sistema monetário
de um país com moeda
soberana de fato
funciona. Não é um
conjunto de propostas,
mas uma descrição. Como
a relação entre
pagamentos e
recebimentos efetuados
pelo ente soberano cria
e define a moeda (em
geral um binômio
Tesouro-Banco Central) e
interage por meio do
sistema de reservas
bancárias com os
estoques e fluxos de
moeda e de riqueza
existentes. Versão
progredida tanto da
teoria geral da moeda de
Keynes quanto dos
entendimentos de moeda
endógena e oriunda do
crédito que vem de Knapp,
Schumpeter etc. MMT
permite um entendimento
da moeda em suas várias
encarnações. Mais
detalhes em link
no VÍNCULO On Line
do YouTube, onde o
Daniel (que estava no
CBAE)
explica muito melhor.
Aqui faço uma pequena
digressão: creio que
raras pessoas de fato
entendem história como
um fenômeno de cognição.
Uma mesma palavra, uma
mesma prática, uma mesma
instituição, podem ter
significados totalmente
diversos ao longo do
tempo – e mesmo em
tempos próximos. Por
exemplo: até a segunda
edição do DSM-II, em
1973, homossexualismo
era, do ponto de vista
psiquiátrico, uma
doença. Se até 1977 no
Brasil era impossível um
segundo casamento, hoje
duas mulheres podem
legalmente constituir
uma relação. A palavra
patologia, a palavra
casamento, duas palavras
que aparentemente querem
dizer coisas tão claras,
mudaram de natureza no
horizonte de vida de
muitos dos que estão
aqui.
A mesma coisa se aplica
à palavra moeda. E,
neste sentido, faltou um
pouco de autocrítica em
Lara quando detonou com
a
Teoria quantitativa da
moeda. Dentro
dos limites regulatórios
vigentes até os setenta,
dentro dos fluxos de
câmbio e comércio
limitados em que se
operava até então, ela
até que era uma
explicação persuasiva.
Errada (pra começar
supõe moeda exógena),
mas persuasiva. Tão
persuasiva que teve a
popularidade que teve
(passado, pois hoje
ninguém mais liga para a
Base, só para a curva de
juros como instrumento
de política). Moeda,
contudo, tornou-se outra
coisa a partir do
advento de mercados como
o do
eurodólar, de
instituições como o
SWIFT, quando da
constituição do
Minotauro Global
reciclando o
superávit dos
exportadores de
petróleo. A partir daí a
natureza do processo
endógeno da moeda se
torna cada vez mais
explícita, e os
processos de regulação
que dão conta da
explosão da
financeirização a nível
global visaram regular a
estabilidade de um
sistema de pagamentos
que não é mais nacional.
A "inércia" do Lara é
algo que só existiu no
âmbito de mecanismos que
regulam contratos no
tempo como os que havia
no Brasil até o Plano
Real (menos para quem
tem concessões públicas
de serviços, que
continua protegido). Mas
ao menos Lara abandonou
a ideia de que moeda é
uma coisa fixa, dada,
limitada, exógena, atrás
da qual os governos
precisam correr
desesperadamente.
Como formulado por
Bruno Latour, "The
word ‘law’ in the ‘laws
of economics’ should be
understood as in ‘civil
laws’, that is as a
highly revisable affair
in the hands of a polity.
Not as a law of a
transcendent world in
the hands of an
invisible deity."
Retomando, do ponto de
vista de MMT, dívida
pública não é problema.
Déficit público, se não
houver disputa por bens
e serviços com o setor
privado, não é problema,
mas solução. O Estado
emissor é a única fonte
de ativos financeiros
sem risco de
inadimplência. Você
perguntará: mas e a
desvalorização da moeda?
Isso é uma questão de
preço de ativos, que se
ajusta no mercado. Isso
impacta preços e
expectativas, mas não
por risco de
inadimplência. O Brasil
pode quebrar em dólares,
mas nunca em reais (a
menos que
voluntariamente resolva
fazê-lo).
O que se passou de 2008
para cá mostra isso
claramente. Claro que há
quem não entenda que
juros negativos
não são resultado de uma
opção voluntária por
perder dinheiro em
aplicações, mas a
forma mais conveniente
de estacionar dinheiro
com o mais baixo risco
possível. Sabe o cofre
do Tio Patinhas? Imagine
o custo físico, os
custos de segurança. Um
bund ou um
bond da Nestlé
em franco suíço com
taxas negativas é
fisicamente mais
razoável. Juros
negativos são
consequência de se
tentar impedir que o
castelo de cartas da
pirâmide especulativa
não desmonte, que a
riqueza não seja
destruída. Daí o baixo
sucesso dessas políticas
em termos de
crescimento: elas não
visam os fluxos de
renda, mas os estoques
de riqueza. Claro que o
discurso é outro:
imagina os eleitores
vendo sua vida estagnada
porque os bancos
centrais estão
preocupados com que nada
aconteça aos bancos.
O ponto central é que,
do ponto de vista de MMT,
todo o processo de
austeridade em que
estamos inseridos desde
que a questão externa
deixou de ser um
problema é um grande ato
de estupidez. A política
de juros do BACEN, bem
como a mesa de 21 com
contagem de cartas do
swap cambial, é um ato
de geração de riqueza
para determinados grupos
de nossa sociedade,
grupos bastante
favorecidos no qual nos
incluímos como pessoas
físicas.
Do ponto de vista de MMT,
tanto a luta pelo FAT
como toda a questão de
manter uma posição
contábil de caixa que
tem como contraparte um
passivo de longo prazo
com o Tesouro, são uma
profunda ilusão, luta
por convenções que não
resolvem de fato os
problemas que temos pela
frente. Problemas
contemporâneos,
concretos, como
Christine Lagarde
colocando a
questão do clima
como obrigação do Banco
Central Europeu, por
exemplo.
Não quero FATs,
depósitos de gordura dos
fluxos de tributação.
Quero um mandato dual
onde, além de um BACEN
que exercite com um
mínimo de competência
uma política de metas de
inflação (a propósito:
tive o prazer de
assistir à segunda
palestra na companhia de
nosso ex-colega André
Nassif, de quem aprendi
os horrores da forma
como isto é feito cá no
Bananão), o
BNDES possa executar o
papel de levar o país a
uma meta de, digamos,
22% do PIB ao ano de
investimento. Para isso
precisaríamos atribuir
ao BNDES dois
instrumentos extintos na
época dos cruzadistas: o
BNH, o banco que
financiava o
investimento das
famílias através de
agentes financeiros
(como a nossa FINAME
fazia com equipamentos);
e a Conta Movimento, um
acesso direto ao Banco
Central (que no passado
permitia ao Banco do
Brasil executar os
gastos da União) quando
da execução de nossos
empréstimos. Nada disso
está na agenda, mas está
na hora de olharmos para
fora, de buscarmos novo
conhecimento técnico
fora das fronteiras
viciadas do discurso
aqui no Brasil. Estudem,
proponham, busquem
conhecimento fora que
não a reciclagem dos
mesmos de sempre.
Isso deu certo para o
Flamengo.