Casa Branca surpreende
seus seguidores no
Planalto, Itamaraty e na
CNI, mais uma vez, com a
notícia da sobretaxação
de nosso aço. O Brasil é
o segundo maior
fornecedor de ferro e
aço aos EUA. Em 2018, o
governo norte-americano
já estabelecera tarifas
especiais sobre o aço e
o alumínio importados
pelos EUA. Brasil e
Argentina estavam na
lista dos países
afetados por essa
decisão pouco alinhada à
orientação liberal de
Friedrich Hayek
(1899-1992), Ludwig von
Mises (1881-1973) e
Milton Friedman
(1912-2006).
O histórico da terrinha
dos Chicago Boys
não é nada inocente do
ponto de vista da
tradição
laissez-faire. O
suco de laranja,
algodão, etanol e o aço
brasileiro juntos com o
trigo argentino e os
carros japoneses
conhecem bem a pressão
exercida pelo Tio Sam
quando seus interesses
maiores estão em jogo.
Mais do que intervir
pontualmente na esfera
econômica, o Estado
norte-americano trabalha
em parceria proativa com
os grandes grupos
econômicos de lá,
lançando mão do seu
poderio político,
econômico, militar e
cultural para a defesa
dos interesses
estratégicos de seus
conglomerados econômicos
e financeiros. Durante
seu governo, Barak Obama
salvou as três grandes
montadoras de automóveis
da falência na crise de
2008, lançando mão de
bilhões de dólares do
contribuinte, enquanto
Trump, ano passado,
promoveu a venda de
bilhões de dólares em
sistemas de defesa e
armamentos para Arábia
Saudita, Coreia do Sul,
Japão e Taiwan. O
complexo industrial
militar nem precisou
agradecer. Os campeões
nacionais têm vez e voz
no paraíso liberal, no
melhor estilo do "Faça o
que eu digo, mas não
faça o que eu faço". O
mesmo não se pode dizer
de alguns dos
protetorados situados
abaixo do Rio Grande,
para os quais o
receituário ideológico
neoliberal ganhou a
força do imperativo
categórico kantiano. A
demonização do Estado e
a crença apologética nas
forças de mercado
conquistaram corações e
mentes.
A expectativa de
Bolsonaro de ter uma
relação privilegiada com
Donald Trump nunca
passou de
condicionamento
pavloviano de
subalternidade dos
representantes do
governo brasileiro e de
parte da elite do país,
que só não cabe
chamarmos de complexo de
vira-lata, em respeito à
lealdade, inteligência e
coragem desse tipo de
cão sem raça definida.
Tal estranhamento só
demonstra
emblematicamente o alto
grau de ingenuidade
pueril proveniente de
setores da economia
brasileira onde a
malícia, perspicácia,
estratégia e visão de
negócios deveriam
predominar. Fazer o quê?
O então candidato Jair
Bolsonaro e seu
grão-vizir Paulo Guedes
foram aplaudidos de pé
na Fiesp, na CNI e
outras entidades
patronais ao defenderem
premissas ideológicas
ultraliberais sobre o
Estado mínimo, abertura
comercial unilateral
imediata e a troca de
direitos trabalhistas
por empregos
precarizados; ideário
esse, diga-se, não
praticado em lugar
nenhum desta Terra
Plana.
A entrega da Embraer, da
base de Alcântara, a
decisão do Brasil de
abrir uma cota de 750
mil toneladas de trigo
sem tarifa de
importação, que
beneficiará sobretudo os
Estados Unidos, tão mal
recebida pelo governo da
Argentina, principal
exportador do cereal ao
mercado brasileiro,
foram algumas das muitas
concessões efetuadas
pelo Brasil (pelas
regras do Mercosul, o
trigo importado de
países que não fazem
parte do bloco tem de
pagar uma tarifa de 10%,
o que costuma manter o
produto argentino mais
competitivo que o de
concorrentes como os
próprios EUA e a
Rússia).
Em troca tivemos a
nomeação de um general
para o cargo de
subcomandante de
interoperabilidade do
Comando Sul, unidade
militar dos Estados
Unidos que coordena os
interesses estratégicos
do país na América do
Sul, na América Central
e no Caribe, e o apoio
vago – e já retirado –
de Trump para o Brasil
vir a tornar-se num
futuro não bem definido
(quem sabe depois da
Argentina e da Romênia?)
membro pleno da OCDE. Em
contrapartida desse
status de liderança
global emergente, o
presidente Bolsonaro
concordou que o Brasil
renunciaria ao
tratamento especial e
diferenciado nas
negociações da OMC, em
linha com a posição dos
Estados Unidos.
O protecionismo
recorrente dos países
centrais – EUA à frente
– expõe mais uma vez ao
ridículo os economistas
brasileiros defensores
da retirada de barreiras
alfandegárias e da
redução das alíquotas de
importação, ao largo de
qualquer processo
negocial compensatório.
O mais patético ainda é
ver muitos de nossos
empresários e suas
entidades
representativas de
classe, defensores da
abertura unilateral de
nosso comércio externo e
da diminuição do papel
do Estado na economia,
estranharem a afirmação
do presidente Trump de
que o Brasil desvaloriza
sua moeda: "...o Brasil
não é a China. Aqui, o
câmbio é livre, não há
manipulação de moeda" –
afirmou Marco Polo
Mello, presidente do
Instituto Aço Brasil.
Bingo para o doutor
Marco: o Brasil não é
mesmo a China. A China
tem um projeto nacional
autônomo com prioridade
no atendimento das
necessidades de seu
povo, embora integrado
na cadeia produtiva
mundial.