Uma coisa mal
compreendida por
alguns dirigentes da
nossa instituição é
que os funcionários
do BNDES querem
acreditar. Pela
simples razão de que
essa é a saída mais
fácil. A grande
maioria quer voltar
para sua baia
inspirada pela
liderança dos
chefes, confiante
que temos um novo
rumo claro e
determinado pela
frente. Queremos
acreditar que o novo
presidente, diretor,
superintendente, não
importa, tem uma
alternativa, um novo
caminho para a
atuação do Banco.
Diria, portanto, que
há uma disposição do
corpo funcional em
se iludir.
Porém, está difícil.
Alguém poderia
argumentar que o
problema não é o que
diz o novo
presidente, em
entrevistas e na
conversa que tivemos
na terça-feira (8),
mas o fato de ser o
terceiro presidente
de um governo sem
muita base de apoio
e num período tão
curto. E, não acho
que erro tanto em
simplificar, fomos
traídos pelo
primeiro e
abandonados pelo
segundo (ainda que
essa forma de
colocar as coisas
poderia motivar em
alguns a esperança
de que com o
terceiro as coisas
serão diferentes por
evocação de uma
música antiga
interpretada por
Maria Bethânia).
Discordo dessa
análise e apresento
duas evidências para
a racionalidade do
ceticismo dos
funcionários do
BNDES em relação à
mirada ao futuro que
sugere a nova
Administração.
O primeiro ponto é
simples e objetivo.
Durante a discussão
pública sobre a TLP,
o então ministro do
Planejamento Dyogo
Oliveira afirmou que
a genialidade da
medida estava no
fato de o BNDES
poder securitizar o
projeto financiado
e, com isso, renovar
o seu "funding"
(Valor Econômico,
11/07/2017). Agora o
ministro virou
presidente do BNDES
e a TLP está
valendo. Não deveria
ser sua primeira
medida indicar como
e quando será
demonstrada a
genialidade da TLP?
Não o fazer gera o
mesmo tipo de
questionamento que
ocorreria sobre a
qualidade de um
comentarista de
futebol que depois
de defender que
determinado clube
contratasse um
determinado craque –
no caso de uma
contratação cara e
polêmica que
dividisse a torcida
– e que por uma
eventualidade se
tornasse o técnico
desse clube e
decidisse não
escalar o craque
polêmico que
defendeu. Se não era
bom comentarista,
como podemos
acreditar que vai
ser bom técnico?
O segundo ponto diz
respeito à questão
da indústria. Na
conversa com as
Associações de
Funcionários, em 27
de abril, Dyogo foi
enfático: "é coisa
do passado". Na
conversa de
terça-feira ele não
foi tão explícito,
mas deixou claro que
ela não é mesmo uma
prioridade. Esse é
um tema que nunca
chegou a ser
discurso oficial da
gestão Maria Silvia,
ainda que estivesse
na boca de alguns de
seus diretores e dos
palestrantes que
frequentaram a Casa
nesse período.
Estamos diante de um
divisor de águas do
discurso oficial da
Administração do
Banco.
É muito difícil
superestimar o quão
grave é esse passo.
Telegraficamente
seguem reações
iniciais:
1. A América Latina
vive um processo
acelerado de
desindustrialização
precoce. É o que
mostra o professor
chileno Gabriel
Palma, de Cambridge.
Em 1965 éramos quase
75% da produção
manufatureira dos
países em
desenvolvimento. A
partir dos anos 80
acelera-se nossa
perda de importância
e, em 2008, chegamos
a meros 25%. A
velocidade da
deterioração na
região é
particularmente
grave em nosso país.
2. Não podemos fugir
de enfrentar essa
questão. A chave
para o sucesso
asiático e o
desencaminhamento da
América Latina estão
no âmbito das
políticas de longo
prazo adotadas nas
duas regiões. Algum
diagnóstico nesse
sentido precisa ser
feito e parte dessa
reflexão tem que ser
feita no BNDES.
3. Não é verdade que
a indústria deixou
de ser o polo
dinâmico da
economia. O
professor Ha-Joon
Chang é muito feliz
em sintetizar o
descompasso entre
percepção
superficial e a
realidade. O fato de
nos encontrarmos
numa sociedade
pós-industrial, no
sentido de que há
uma queda na parcela
de emprego na
indústria de caráter
universal, não
significa que o
motor das economias
deixou de ser a
indústria. O setor
de serviços, suposta
alternativa à
indústria, é um
conceito que cobre
atividades
econômicas
absolutamente
heterogêneas e, as
que interessam, são
justamente as que
estão associadas ou
dependem de um
lastro de indústria.
Se alguém considera
quimérico retomar a
industrialização no
Brasil, deveria
coerentemente
considerar que mais
quimérico ainda é
pretender uma
inserção brasileira
nos serviços que
interessam. Veja-se
o caso da Embraer
que se dedica cada
vez mais ao processo
de design, P&D etc.
É concebível uma
Embraer com essas
atividades (serviços
nobres) que não
tivesse lastro na
experiência
industrial de uma
empresa que esteve
na ponta do seu
setor?
4. Temos que
trabalhar
definitivamente na
direção de conduzir
a indústria
brasileira para um
padrão industrial
intensivo em
investimento em P&D
e em aumento da
produtividade. Temos
que continuar
examinando
oportunidades de
substituir
importações ou
substituí-las
antecipadamente
(antes que os
produtos se tornem
pauta importante de
importação) e temos
o desafio de fazer
com que os setores
que se instalem no
país adquiram de
forma mais rápida
capacidade
exportadora.
5. Para fazer isso
precisamos reforçar
nossa ação de
conceder subsídios
com base em
contrapartidas ou
condicionalidades.
Os subsídios
precisam ser
significativos. Por
isso alguma
compensação para a
perda da TJLP tem
que continuar sendo
alvo de esforço da
articulação
institucional de
dirigentes do BNDES
(e da AFBNDES).
Melhor ainda seria
voltar a dispor do
nosso velho
instrumento,
perspectiva que está
longe de ser
irrealista uma vez
que não se
materialize o
cenário cor de rosa
para o comportamento
da taxa de juros
assumido pelo
governo – ou seja
eleito um governo
com compromisso com
o desenvolvimento.
6. Não é verdade que
a queda da taxa de
juros básica da
economia significa
que o diferencial de
juros para
financiamento de
longo prazo seja
desimportante. Isso
equivaleria supor
que apenas no Brasil
o crédito subsidiado
de longo prazo
tivesse sido
instrumento
importante de
política industrial.
7. Se os subsídios
têm que permanecer
significativos, e
eles o foram
recentemente, onde
podemos encontrar
bases para uma
crítica da atuação
recente do BNDES? Há
algum tempo estou
convencido que os
problemas estão nas
condicionalidades
que são estipuladas,
nas contrapartidas
exigidas ao subsídio
– seja por
dificuldades no
monitoramento do seu
cumprimento, seja
por falta de sua
estipulação de forma
mais estratégica,
seja na própria
ausência de
condicionalidades.
Essa é uma discussão
que deveria
mobilizar todo o
corpo funcional. É a
discussão para onde
deveriam convergir o
planejamento e
inovações
organizacionais.