A pergunta que eu
faço a vocês é: qual
a previsão de
linha de base da
vida útil de um
Planejamento
Estratégico do
Banco? Não estou
falando de seu
acerto, não estou
falando do prazo de
conclusão do plano
em si. Estou falando
em até quando um
plano é plano (e não
material destinado à
reciclagem).
Aqui cabe outra
imagem, que também
envolve gatos. Diz a
lenda que quando um
leão depõe um outro,
tomando-lhe a
alcateia, a primeira
coisa que faz é
matar os filhotes
do leão anterior.
Não é
estritamente
assim ao que parece,
mas serve de
metáfora. Quando uma
diretoria nova
assume o Banco
(especialmente se
mudam o presidente e
o diretor sob o qual
está o
planejamento), a
primeira coisa que
se faz é chamar um
processo novo de
planejamento
estratégico. Digamos
que é um esforço
primitivo no mesmo
sentido, o de se
perpetuar no tempo.
Há no passado algum
momento em que um
Planejamento
Estratégico
significou algo que
não um conjunto de
folhas de A4 (e
arquivos digitais)
sequer apto à
crítica dos ratos e
camundongos? Bem,
aqui entro no campo
das lendas, do tempo
onde eu não estava
cá.
Para começar, há que
se entender a
distância que há
entre a tragédia e a
farsa. Os anos
oitenta são a pura
tragédia, o
cumprimento de um
destino traçado por
forças além do
controle dos atores.
No Banco, onde havia
um núcleo ideológico
forte de membros do
Partidão, as
diferentes crises da
década punham em
cheque o próprio
entendimento da
realidade. Na
tentativa de se
redefinir um futuro
para além do modelo
de desenvolvimento
tradicional e da
substituição de
importações, sob a
gestão de
Júlio Mourão
como sup AP o Banco
desenvolveu um
processo (que no
contexto da época
era) revolucionário.
A ideia de
integração
competitiva, o uso
de cenários, a
metodologia de
planejamento
estratégico, tudo
ali era basicamente
novo, um esforço
heroico de entender
um mundo onde uma
nova ordem
financeira
internacional estava
sendo constituída,
com a perestroika
acontecendo sobre o
que era o telos
distante de fundo,
com pressões
externas sobre a
economia brasileira
mais graves do que
quaisquer que
conhecemos antes e
viemos a conhecer
depois em função da
crise da dívida. Um
mundo desmoronava
antes que os muros
viessem a fazê-lo, e
aquelas pessoas
tentavam dotar de
sentido o porvir.
1989 houve uma
eleição
presidencial. Uma
vez eleito, o
presidente Collor
tratou de construir
um plano de governo.
Luiz Paulo Vellozo
Lucas, então chefe
do DEPLAN, um
engenheiro do Banco
com pouco mais de 30
anos, tornou-se o
diretor do
Departamento da
Indústria e do
Comércio da
Secretaria Nacional
de Economia. O que
fora a discussão
estratégica do Banco
virou o a discussão
estratégica
brasileira.
E cá, Avenida
República do Chile,
nesse período?
Collor entregou o
Banco a Eduardo
Modiano, um
economista da PUC,
que veio trazendo
uma concepção
neoliberal
totalmente descolada
desse mesmo plano
concebido aqui.
Privatização,
demissões de
funcionários,
descontinuidade em
relação ao
planejamento
anterior, tudo isso
nesse que
provavelmente foi um
dos momentos mais
negros que o Banco
passou. Paradoxal?
Sim, o governo
Collor foi um
disparate paradoxal,
a UDN trincada.
Curiosamente, o
presidente Paulo
Rabello de Castro em
palestra recente
tocou na sua
interação com o
Banco na época de um
único presidente:
Eduardo Modiano.
Quem quiser saber
dessa história em
maiores detalhes
sugiro ler um artigo
de 1994 do próprio
Júlio Mourão,
A Integração
Competitiva e o
Planejamento
Estratégico no
Sistema BNDES.
E, para os mais
curiosos em relação
à época, há um
Roda Viva de
1990 com o Vellozo
Lucas.
Voltando ao ponto:
em que momento um
Planejamento
Estratégico do Banco
quer dizer algo além
de um retrato
narcísico de uma
administração
passageira? Numa
rápida olhada para
esse passado, diria:
quando as coisas
ruem, seja o modelo
do país, seja a
ideologia das
pessoas. Essas
condições até
existem hoje, embora
as pessoas não se
deem conta disso. E
essa era a diferença
do Júlio Mourão em
relação ao de hoje:
o entendimento
ideológico e o
engajamento dele
preexistiam ao
Banco, iam além
dele. No
desmoronamento atual
não vivemos mais a
Tragédia, mas seu
remake.
Da Farsa trato em
breve.
Esclarecimento: não
pense o leitor que
nutro alguma devoção
pelo alinhamento
político-ideológico
desse povo que
habitava o Banco
nessa época. Tirando
apoiar a eleição de
Tancredo, creio que
desde 80 eu estive
numa posição
política contrária à
deles. Nem sei se na
época eu teria
aderido ao todo da
ideia de Integração
Competitiva. Hoje,
em retrospecto, vejo
uma série de acertos
e alguns erros
críticos, mas que
não creio que seriam
visíveis na época.
Mas nem por isso
deixo de admirá-los.