Imagine o seguinte
diálogo entre um
funcionário de qualquer
área operacional do
BNDES com um diretor de
uma empresa que está
pleiteando apoio
financeiro do Banco:
– Pelas suas
demonstrações
financeiras vejo que sua
empresa está bastante
alavancada, com um
volume baixo de recursos
próprios para a projeção
de investimentos que
vocês estimam realizar.
Caso o BNDES conceda o
volume de recursos
solicitado e os
investimentos sejam
realizados, como deverá
ser o resultado da
empresa daqui a três
anos, no melhor e no
pior cenário que vocês
projetam? Aliás, como
foi o desempenho da
empresa nos últimos
anos, em relação às
projeções elaboradas?
– Então... A projeção de
resultados é elaborada
com um único cenário.
Não é feito um
acompanhamento, e não
sabemos explicar as
variações entre o
resultado realizado e o
previsto.
– Verifico que seu
resultado variou
bastante nos últimos
anos. Entre as suas oito
unidades de negócio,
qual tem sido a mais
rentável e a menos
rentável?
– Nosso resultado não é
apurado por unidade de
negócio.
– Consta no relatório de
administração da empresa
que vocês realizam
várias doações a
entidades sem fins
lucrativos. Qual o custo
dessa atividade para o
negócio de vocês?
– Não temos essa
informação. Fazemos
doações a todos os
projetos que
consideramos meritórios.
– Qual é o processo de
revisão de preços que
vocês adotam quando
verificam que as vendas
estão caindo? Como é
feita a análise de
impacto de mudanças de
preços no resultado
projetado?
– O processo é reunir
todos os chefes das
unidades de negócio para
discussão, até
encontrarmos um
consenso.
– Como é feita a
distribuição do
orçamento entre as
unidades? Quando uma
unidade precisa gastar
mais do que estava
previsto no seu
orçamento aprovado, qual
o processo para que esse
gasto seja autorizado?
– As unidades fazem seus
orçamentos de forma
individual, e o
orçamento da empresa é o
somatório do orçamento
das unidades. Se uma
unidade gasta mais do
que estava previsto, ela
elabora uma
justificativa após o
fechamento do exercício.
Na verdade, ela só
precisa se justificar se
exceder o orçamento em
mais de 10% e se outra
unidade não compensar
esse valor, gastando
abaixo do seu orçamento.
Se o total ficar dentro
do limite, não tem
problema.
Como essa empresa seria
avaliada no Comitê de
Enquadramento e Crédito
do Banco? Quais as
chances de o BNDES
conceder ou aportar
recursos numa empresa
com esse nível de
gestão?
Agora imagine se um
contribuinte brasileiro
entrasse no BNDES e
fizesse essas mesmas
perguntas. As respostas
que ele receberia seriam
muito diferentes
daquelas que estou
supondo neste artigo? Se
ele tivesse opção, será
que aportaria recursos
nessa empresa?
Uma das coisas que mais
me chamou a atenção
quando ingressei no
BNDES, há quase 16 anos,
foi a capacidade técnica
dos seus funcionários. E
hoje, após tanto tempo,
o que mais me intriga é
verificar como toda essa
capacidade se reflete em
uma estrutura de gestão
que considero muito
distante do mínimo
necessário para o
tamanho e a importância
do Banco; nossas
decisões são tomadas de
forma fundamentalmente
empírica, e há muitos
diagnósticos e
iniciativas,
contrapondo-se a poucas
implantações e
avaliações de
resultados, em todos os
níveis da instituição.
As frases de efeito são
propaladas aos sete
ventos, mas, na prática,
as ações parecem pouco
coordenadas, e alcançam
pouco resultado.
No BNDES sempre houve um
"embate", meio velado e
outras vezes nem tanto,
entre áreas operacionais
(ou de negócio) e áreas
de suporte (ou
áreas-meio). As áreas
operacionais – com a
tarefa de atender aos
clientes, fomentar
projetos, promover o
desenvolvimento do país
– se queixam de ter que
atender às demandas e
solicitações das
áreas-meio, por não
agregarem valor ao
negócio e burocratizarem
procedimentos. As áreas
de suporte, por outro
lado, se queixam de
serem desvalorizadas, de
realizarem o trabalho
menos atraente, e que só
é visível quando
problemas ocorrem.
Contudo, um discurso é
uníssono. Todos reclamam
de falta de pessoas. Nas
áreas operacionais, os
argumentos são que há
muito trabalho e muita
responsabilidade, e
reclama-se que as áreas
de suporte são maiores e
mais inchadas. Nas áreas
de suporte, fala-se em
aumento de trabalho por
conta das exigências da
fiscalização e
regulamentação cada vez
mais fortes dos órgãos
de controle, enquanto
não se entende como as
áreas operacionais
continuam assoberbadas
mesmo com uma grande
queda no volume de
operações.
E como esses impasses
são resolvidos no Banco?
Aliás, são resolvidos?
Ninguém sabe quanto
tempo é demandado para
fazer um relatório de
análise. Nem quantas
pessoas são necessárias
para processar
determinado volume de
operações. Ou o tamanho
adequado de uma unidade
de gestão de folha de
pagamentos numa
instituição do porte do
BNDES. A vida segue,
cada área continua
olhando apenas para seu
"feudo", e achando que o
problema é sempre dos
outros. Todo mundo
reconhece que alguma
coisa precisa ser feita,
mas todos avaliam sua
área como extremamente
eficiente e enxuta,
enquanto as outras
sempre têm gente ociosa.
Processos de trabalho?
Resultados? Metas?
Controle? Rentabilidade?
Não deveríamos
reconhecer que não
fazemos nada do que
exigimos dos outros?
Soubemos que a
Controladoria do BNDES
vai ser incorporada pela
Área Financeira, dentro
da reestruturação em
curso. Afinal, temos que
criar mais uma
área-meio, e já há
muitas áreas desse tipo
na instituição. O
discurso geral é de que
precisamos fortalecer a
imagem do Banco e as
áreas operacionais, pois
são essas últimas que
geram os desembolsos que
vão garantir nosso
resultado futuro. Então,
por que precisaríamos de
uma Controladoria? Para
fazer análises
contábeis? Para
acompanhar o orçamento?
Para apurar os custos
dos departamentos? Para
demonstrar quais as
linhas e programas do
Banco são rentáveis, e
quais não? Para prestar
consultoria tributária?
Por que precisamos
disso? Por que não
colocar o talento dessas
pessoas para realizar
mais operações?
Será que uma instituição
que não reconhece a
importância de uma área
de controladoria na sua
estrutura organizacional
em pleno século XXI
merece receber seus
recursos?
Para quem não sabe para
onde vai, qualquer
caminho serve. Para quem
não sabe onde gasta seu
dinheiro, ou de onde vem
sua rentabilidade,
aumentar seu volume de
operações pode
significar reduzir seu
lucro. Pior: ninguém vai
nem saber explicar isso.