Faz mais de 20 anos que
Ben Bernanke e Mark
Gertler escreveram o
hoje seminal "Inside the
Black Box: The Credit
Channel of Monetary
Policy Transmission".
Eles abordam um dos
principais mecanismos
que interfere na forma
que a política monetária
afeta o nível da
atividade econômica.
Trata-se do canal de
crédito. Este é um dos
muitos canais que tem
sido identificados. Os
outros são o canal da
taxa de câmbio, do
efeito riqueza, além do
tradicional efeito
direto dos juros. Muitos
estudos têm sido feitos,
mas ainda hoje não há um
consenso nesta matéria.
Uma política monetária
restritiva, segundo a
teoria neoclássica,
atuaria sobre a economia
real através da elevação
do custo de capital, que
reduziria os gastos das
firmas e das famílias
com bens de capital,
construção civil e bens
de consumo duráveis e
não duráveis, diminuindo
desta forma o nível do
produto. Entretanto,
diversos estudos
empíricos têm encontrado
outros fatores que não o
custo do capital
afetando os gastos de
firmas e famílias. Um
problema adicional para
a teoria neoclássica
consiste no fato de que
uma mudança nas taxas de
juros de curto prazo não
deveria afetar gastos em
bens adquiridos a taxas
de longo prazo.
Particularmente no
Brasil, um importante
debate recente é se a
presença do BNDES
poderia atenuar o prêmio
de financiamento
externo. Dado que suas
taxas de juros não estão
totalmente atreladas à
meta da taxa do Bacen (Selic),
mudanças nesta não
provocariam a fricção no
volume de crédito do
BNDES (o mesmo se
aplicaria aos
financiamentos
habitacionais e
agrícolas). Este não
seria ou seria menos
afetado por choques de
curto prazo na política
monetária. A suavização
do canal de crédito,
provocada por créditos
de fundos públicos, no
mercado monetário
reduziria a eficácia da
política monetária.
Na teoria isso pode ser
muito bonito, mas não
esqueçamos que a própria
existência da teoria do
canal de crédito advém
de evidências empíricas.
Vamos a elas. Rodamos 13
diferentes modelos do
tipo VAR (vector
autoregressive), com
cinco ou seis variações
de cada. Somado aos
modelos auxiliares foram
mais de 80 estimativas.
Utilizamos cerca de 20
variáveis. E isso ainda
é um trabalho amador e
preliminar. Um estudo
profissional exigiria ao
menos o dobro de
investigações. Vamos aos
resultados.
Em primeiro lugar, o
resultado de maior
interesse para o debate.
A Selic, ou o
diferencial Selic-TJLP,
afeta o estoque de
crédito do BNDES de
forma diferente do que
afeta o restante do
crédito da economia?
Dado um choque nos
juros, o crédito do
BNDES é menos afetado do
que o crédito livre?
Contrariando a
prescrição teórica, de
que um aumento da Selic
causaria mais impacto no
crédito livre do que o
crédito do BNDES, os
resultados empíricos
mostram um resultado na
direção oposta. Um
choque tanto na Selic,
mas principalmente no
diferencial Selic-TJLP,
reduz o estoque do
crédito do BNDES em
relação à sua tendência
em cerca de 1%, ao passo
que o crédito externo ao
BNDES é reduzido em
cerca de 0,5%.
Obviamente que os
resultados variam com as
especificações. Quando a
TJLP não entra no
modelo, os resultados
ficam equivalentes entre
os dois créditos (queda
em torno de 0,5%), mas
mais favorável à versão
teórica convencional,
pois a duração do efeito
da queda do crédito
livre é maior. Enquanto
que a queda do estoque
do BNDES dura poucos
meses e possui um
elevado grau de
incerteza, o crédito
livre é mais preciso e
sua queda é mais
persistente. Cai
continuamente até os
primeiros 12 meses após
o choque dos juros e
permanece abaixo do
nível anterior até dois
anos após o choque.
Mas esse é o único
resultado favorável à
teoria convencional.
Trata-se de um modelo
restritivo em que além
das variáveis endógenas
(juros, preço, produção
e crédito) há duas
variáveis exógenas
(câmbio e o crédito,
livre ou BNDES, não
endógeno). Simulacro de
um sistema econômico
engessado, com viés de
variável omissa (TJLP).
Em todos os demais
casos, a hipótese de que
uma política monetária
restritiva afeta mais
fortemente o crédito
livre é rejeitada.
Basta desamarrar o
crédito livre,
permitindo que ele possa
ser tanto substituto
como complementar ao
crédito do BNDES, para
que o efeito do choque
monetário neste se
equipare ao primeiro em
termos da sua
distribuição ao longo do
tempo e ser de maior
valor. Logo, não
deixando dúvidas sobre
qual é o crédito que a
Selic mais impacta. Se,
ainda, adicionarmos a
TJLP, tanto endógena
como exogenamente, a
história favorece a
teoria não convencional,
mesmo em um mundo
restritivo e engessado.
Não há que se falar em
meia-entrada ou perda da
potência da política
monetária devido a
créditos via fundos
públicos. Não há
evidências empíricas a
este respeito. Muito
antes pelo contrário. E
é fácil explicar. Quando
se endogeniza o fluxo de
empréstimos (desembolso)
ao invés do estoque de
crédito, e separando os
vários BNDES (indústria,
infra-estrutura,
agropecuária e
serviços), os resultados
são surpreendentes.
Pasmem, mas o fluxo de
crédito para a
infraestrutura é mais
sensível à política
monetária de curto prazo
do que os empréstimos
para a indústria e
agropecuária. Os bens de
consumo, petroquímico,
eletroeletrônico e
metal-mecânico se
ajustam mais rapidamente
e sofrem menos com um
aumento da Selic do que
as obras dos setores de
energia, saneamento,
logística e
infraestrutura pública.
Como os bancos privados
(quase) não ofertam
crédito para estes
últimos, mas emprestam
para os primeiros, este
resultado é um indício
de que o efeito do
choque monetário pode
estar muito mais
relacionado ao setor
econômico do que a taxa
de juros subjacente. Um
choque positivo da Selic
tem causado um distúrbio
tão forte na economia
que setores mais
sensíveis, ou seja, com
margens estreitas e
riscos elevados, são
aqueles mais afetados. A
indústria suporta um
desajuste econômico com
pequenas adaptações,
reduzindo o emprego,
trabalhando com
capacidade ociosa,
encontrando novos
mercados. Para a
infraestrutura e suas
entregas de serviços não
há para onde fugir.
Evidente que os
resultados destes 80
modelos não cabem em
parcas laudas.
Certamente, um relato
mais minucioso necessita
ser executado. Mas,
antes de finalizar, um
efeito, por mim ainda
pouco compreendido,
chama a atenção.
Trata-se do
comportamento do IPCA, o
índice de preço
utilizado. Seu impacto
no crédito é de igual ou
maior magnitude e possui
a mesma e até mais longa
duração do que a Selic.
Independentemente se é
crédito público ou
privado, o efeito é o
semelhante.
Particularmente, este
efeito é observado
quando a variável do
crédito é o estoque e
não o fluxo. É sabido
(pelas estimativas) que
um choque no IPCA
provocou a deterioração
da atividade econômica
em 1% ao longo dos 12
meses subsequentes e
levou a um aumento de 50
pontos na Selic nos
primeiros 6 meses. Mas
por que reduziria o
estoque de crédito e não
os novos empréstimos?
Será que o grau de
indexação do IPCA na
economia, via preços
administrados e dívida
pública, explica? Tento
desvendar em outra
oportunidade ou no
botequim da esquina.
Por ora cabe solicitar,
no momento em que o
Bacen é obrigado a
dirigir uma carta aberta
à nação, explicando
porque seus modelos de
curto prazo não foram
capazes de prever o
choque positivo de
oferta agrícola
combinado com o choque
dos preços
administrados, que se
abram os modelos.
Aumentemos a
transparência sobre as
estimativas que tanto
afetam nossas vidas.
Ofereço-lhes as minhas.
São modestas, amadoras,
incompletas e
imprecisas, mas mostram
que há mais coisa entre
a taça e os lábios que
possa supor nossa vã
filosofia. Não
necessariamente um
afrouxamento monetário,
ou via redução da taxa
básica das reservas
bancárias ou via
expansão do crédito,
redundará em um aumento
de preços, um incremento
da atividade econômica,
uma elevação dos
investimentos, um
acréscimo no emprego. Ou
qual é a magnitude e a
extensão no tempo. E a
pergunta de um US$ 1
trilhão. Será que a
política monetária tem
sido a responsável pela
estabilização de preços
no Brasil nos últimos 15
anos? Volto ao tema em
breve!
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