Direito não é capricho
 

Helio Paulo Marques
Coordenador de Serviços no BNDES
 

Ano após ano, os empregados do Banco apresentam à
Diretoria do Sistema BNDES sua Pauta de Reivindicações, norteadora das negociações dos Acordos Coletivos de Trabalho – ACTs. Pelo menos desde 2006, com diferentes redações, consta como um dos temas centrais das Pautas a extensão da incorporação da gratificação (ou comissão) de função para os empregados do segmento PECS.

Recentemente, de boa-fé e de boa vontade, a Diretoria do BNDES formalizou sua conclusão pela justiça do pleito e pelo acolhimento do mesmo, por meio da Decisão Dir. 777/2016 – BNDES, de 21.12.2016, e da Resolução Dir. nº 3135/2017 – BNDES, de 12.04.2017, que estendem a manutenção da gratificação de função também aos empregados do segmento PECS.

É inegável que tal decisão veio atender a negociações coletivas entre empregador e empregados que levaram (pelo menos) uma década, resultando em compromissos assumidos reiteradas vezes pelo primeiro no âmbito de Acordos Coletivos, incluindo a constituição de comissões paritárias, o compromisso com estudos de adequação e a elaboração de plano único de cargos e salários, sem prejuízo de outros.

A extensão da incorporação da gratificação de função ao segmento PECS encontra-se hoje, portanto, pacificada no âmbito do BNDES não por capricho, mas como o ápice de um período de negociações coletivas de (pelo menos) 10 anos.

Diante da possibilidade de inclusão pelos legisladores de um segundo parágrafo no art. 468 da CLT (Decreto Lei nº 5.452, de 01 de Maio de 1943), a Associação de Funcionários do BNDES encaminhou ao superintendente da Área Jurídica do Banco questionamento relativo à incorporação de função e aguarda ainda um posicionamento oficial da Instituição.

Ora, em que pese a falta de respostas até o momento, salta aos olhos que a nova redação não constitui, por si só, justificativa – e muito menos obrigação – para o empregador retroceder em decisão que ele próprio defendeu e arrazoou previamente, em reconhecimento de pleito justo dos empregados, sustentado pelo princípio da isonomia de tratamento, pelo princípio da estabilidade salarial e tantos outros.

Assim, pode-se (e deve-se) assentar de antemão que a redação proposta para o segundo parágrafo do art. 468, caso aprovada, não vem proibir que o empregador continue reconhecendo a extensão da incorporação da gratificação de função aos PECS.

Ainda que a redação proposta não assegure ao empregado o direito em tela, nada obsta, porém, que o empregador assim o faça, especialmente quando já o assegurou. Afinal, Direito não nasce ao acaso.

Ao assumir inúmeros compromissos em Acordos Coletivos e ao acolher, inequivocamente, a reivindicação reiterada do corpo de empregados, o empregador admitiu a justiça da causa e os princípios em tela. Por que razão justificável negá-los-ia agora?

O próprio caput do art. 468 não pode ser desprezado na análise do novo parágrafo proposto, ao garantir aos empregados a manutenção das condições previstas nos normativos do Sistema BNDES em vista:

"Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia."

Quanto ao evidente caráter de reivindicação coletiva do pleito, é cabível também a ponderação à luz da redação proposta para o art. 611-A da CLT, haja vista os reiterados compromissos assumidos pelo empregador e a característica histórica do pleito:

"Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...)

V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;"

É prematura, portanto, qualquer conclusão no sentido de que eventual aprovação de nova redação para o art. 468 acarretaria obrigatoriamente na revisão das normas internas que regulamentam o entendimento do Banco.

Ademais, não seria cabível supor que eventual mudança na legislação pudesse retroceder em desfavor exclusivo do segmento PECS. A interpretação correta de que a lei não retroagirá em prejuízo dos empregados PUCS aplica-se da mesma forma e em igual medida ao tratamento já pacificamente assegurado pelo próprio empregador aos empregados PECS.

(*) Publicado na edição 1247, em 18/5/2017.

 
 
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