Paulo
Moreira
Franco –
Economista
aposentado
do BNDES |
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“O maior
truque já realizado pelo
diabo foi
convencer o mundo de que ele
não existe.”
(Baudelaire)
“Achei que você fosse
escrever sobre a
inelegibilidade do bolsonaro
(...)”. Assim uma das minhas
amigas leitoras começou uma
conversa semana passada.
Sexta foi um dia de alegria
e júbilo. Um dia de catarse.
Ou talvez um dia para nos
olharmos no espelho e
zoarmos de nós mesmos:
“rindo de que, otário?”
Totalmente positiva foi a
percepção de que aqui a
esquerda é capaz de fazer
memes de ótima qualidade.
Essa capacidade foi perdida
nos EUA. Ri, repassei
várias, talvez a mais genial
tenha sido a garrafa de
Heineken com a estrela
vermelha e o “ine” de
inelegível.
Que mais positivo? Quem sabe
com isso suma parte da
encheção de saco da defesa
de censura na internet para
se evitar o fantasma do
retorno do bolsonarismo.
Talvez agora, missão
cumprida, nosso
herói-Supremo possa cavalgar
em direção ao horizonte da
cidade do “traço do
arquiteto, gosto tanto dela
assim”, remake de personagem
estrelado por Yul Brynner,
Estado de Exceção findo.
Bolsonaro inelegível, a
justificativa cai por terra.
Mas como “torcedor” da
esquerda, esta
inelegibilidade não me
alegra. A presença divisiva
de Bolsonaro agia sobre a
centro e direita de uma
forma contrária à do
presidente Lula sobre a
esquerda. Lula unifica, Lula
gera um consenso em torno
dele. Tanto que os mesmos
onze magníficos tiveram que
torná-lo inelegível em 18.
Já Bolsonaro é grande o
bastante para ter um piso
que certamente não ficará
abaixo de uns 20%. E isso
tira oxigênio para que uma
candidatura alternativa de
centro ou direita possa se
consolidar. Sem o controle
de uma abusiva e
descontrolada caneta
presidencial, acho que a
ameaça de Bolsonaro deixou
de ser relevante. Mas ele
impede a direita. Quer
dizer, impedia.
O inimigo agora é outro.
Ou o inimigo é o mesmo, e,
como espectadores num
espetáculo de magia,
estivemos olhando para a mão
errada?
Vamos exumar o que
aconteceu, entender a
tremenda, inesperável
conquista que foi obtida
enquanto celebrávamos a
vitória de Lula?
Por quarenta anos, o segundo
maior partido do Ocidente (o
MDB) – principalmente na
forma de sua dissidência de
elites parlamentaristas (o
PSDB) – governou o maior
estado do país. Às pessoas
que falam em democracia como
rotação de poder e reclam(av)am
dos 13 anos do PT, lembro
que em 1982 Franco Montoro
foi eleito governador de São
Paulo pelo PMDB, Montoro que
viria a ser o primeiro
presidente do PSDB. Seu vice
Quércia foi eleito seu
sucessor, e este elegeu seu
secretário de segurança
Fleury, tendo este por vice
um Nunes Ferreira, que viria
a ser senador pelo PSDB...
Quatro décadas! Todas as dez
eleições para governador no
maior estado do país.
Hai capito?
Isso acabou em 2022
(culminando a
hecatombe de 2018,
que descrevi na época aqui
no VÍNCULO). Um personagem
de carreira “técnica”, que
como tal foi escolhido para
ocupar o Ministério da
Infraestrutura durante o
governo Bolsonaro, foi
eleito governador. Seu
partido, o Republicanos.
Aqui cabe uma observação que
pode parecer surreal: quando
Lula foi eleito pela
primeira vez, seu vice, José
Alencar, era filiado ao PL
(de Bolsonaro na última
eleição). Quando foi eleito
pela segunda vez, Alencar
era filiado a outro partido:
o PMR, que hoje se chama
Republicanos.
Mas se vocês forem olhar o
“lattes” do sujeito, vocês
verão que o brilhante (e
aqui não vai ironia)
Tarcísio pertence ao
principal partido do governo
Jair: o Partido Militar.
Olhem o verbete biográfico
de
Tarcísio na Wikipedia.
E aqui faço um pequeno
desvio para o que alguns
chamarão de teoria de
conspiração.
Dando crédito a quem falou
disso ao longo dos anos,
Romulus Maia, Piero Leirner
e Marcelo Pimentel,
formularam uma hipótese de
que a candidatura de
Bolsonaro foi algo que
começou no meio militar no
Haiti, ainda no governo
Lula. A transformação
daquele tosco colega de
turma que virou o deputado
federal das forças armadas,
policiais e bombeiros após a
Constituição de 88 no Mito®
é algo que é posto como
acontecendo do nada, uma
alucinação talvez causada
pelo consumo excessivo de
Capitão Nascimento pelas
massas. Romulus, Piero e
Pimentel, no entanto,
enxergam que esse jabuti não
foi posto lá por uma maré de
azar – nem por dados
viciados. Houve uma
construção – e uma
construção que passou, a
partir de certo momento, na
queima de Bolsonaro de forma
a torná-lo o Cristo a
assumir todos os pecados
cometidos em sua gestão.
Meio que entendi isso em
algum momento,
de
forma inocente.
Nunca imaginei que coisas
como o Orçamento Secreto
aconteceriam. Inocência: o
tipo de debacle moral que
foi o governo Temer só
poderia ser sucedido por
algo mais grave, como Collor
sucedendo a Sarney.
Nesse sentido, toda a
fanfarra dos “patriotas” de
amarelo, das pessoas
acampadas sob as bençãos do
Exército em frente aos
quartéis (põe o MST ali em
peso para ver quantas HORAS
eles ficam lá acampados),
tudo isso acabou sendo uma
grande distração nacional
para não se ter tempo de
discutir que, muito além de
um mandato de deputado para
o “doutor” Pazuelo, de uma
cadeira no Senado para o
“pedreiro” Mourão, o
brilhante engenheiro que,
depois de passar pelo Haiti,
saiu do Exército para ocupar
uma série de postos
públicos, inclusive no
governo Dilma, agora
comandava a segunda maior
caneta do país.
Lembra que mês passado eu
falei de
presidencialismo de coalizão?
Pois bem: Tarcísio
controlava uma das três
canetas históricas, a
herdeira do Ministério da
Viação. Tarcísio, no curto
par de meses em que
informalmente estive dando
um help na comunicação do
Banco, já era entendido como
o ministro de Bolsonaro mais
bem posicionado nas redes
sociais. Isso não é obra do
acaso, não era por lacração,
mas certamente resultado de
um trabalho profissional de
comunicação feito pelas
mesmas estruturas que
fizeram a campanha de Jair.
Só que ninguém vai atrás
disso, como não foi de fato
nas estruturas que fizeram
Jair presidente. Ir atrás
disso significa ter que
reconhecer como um aparato
de estado com dezenas de
milhares de funcionários é
aparelhado por elementos de
sua hierarquia. Que estes
construíram estruturas e
relações com empresários (e
sabe-se lá mais quem) à
margem do que seria
aceitável num regime
democrático. Isso é
corrupção no sentido mais
puro da palavra, corrupção
mais grave do que qualquer
tapioca de quarta geração a
abastecer as contas de
pessoas próximas ao
presidente Lira.
Ninguém vai atrás disso.
Isso é briga séria.
Portanto, teoria da
conspiração, lugar onde
brotam os fatos
inconvenientes, sendo
discutidos por pessoas
perturbadas o suficiente
para terem a coragem de, em
meio a uma demência
grandiloquente ou outra,
trazer luz a essas coisas
gritantes às quais ninguém
quer realmente encarar.
Jair, sua caricata prole,
tudo isso caminha para o
passado. Quem vem são
pessoas qualificadas. Por
exemplo, além dos que já
citei: o coronel Cid, tutor
de Bolsonaro, tem tudo para
ser o próximo mártir a
construir uma carreira
parlamentar de antipolítica
em cima da traição ao mundo
militar.
Entre outras tantas coisas,
Dilma não soube entender um
dos golpes que se gestava
debaixo dela. Que Lula
permita a mesma coisa não
será mais a surpresa de algo
inédito, mas negligência em
enfrentar o que no fundo é o
que o Capitão Nascimento
chamou de O Sistema. |
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