23 de julho de 2009

“O BNDES além da crise”
AFBNDES propõe debate sobre projetos que possam ir além do presente cenário nebuloso, seguindo a tradição nacional de ousar e se fortalecer na crise
Questão 6

Tendo em vista a crise mundial, o tipo de resposta a ela dada pelos países centrais e as novas perspectivas da economia e da política internacional, quais diretrizes de política você recomenda ao BNDES com relação a:  

a) Prioridades na aplicação de recursos por setor e região, e se deve manter esses conceitos (setor e região) como norteadores.

b) Tipo de protagonismo, coordenação ou participação do BNDES nas políticas públicas e na esfera privada.

c) Fonte prioritária de recursos para suprir a demanda que não pode ser suprida pelo FAT.

d) Inovações que o BNDES deveria fazer em sua forma de agir e pensar.

e) Eleja três focos principais como diretriz estratégica para o século XXI.

André Nassif

a) Concentrar recursos nos setores com capacidade elevada de gerar emprego e externalidades dinâmicas no longo prazo (seriam medidas que contemplariam o curto e o longo prazos, simultaneamente) - basicamente em infraestrutura - e em pequenas e médias empresas (PMEs), que têm tido maior dificuldade de acesso ao mercado de capitais. E, mesmo em tempos de crise, continuar mantendo o apoio dos setores com elevado potencial de desenvolvimento tecnológico, já contemplados na PDP.  

b) Creio que o protagonismo do BNDES já é suficiente. Basta dizer que é um dos principais coordenadores da PDP e recebeu aval do presidente da República para liderar e gerir o novo Eximbank, que está para ser instituído.  

c) Recursos próprios, a partir de lucros acumulados e emissão de títulos de longo prazo (ações ou debêntures).

d-i) Transformar a Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico (APE) num centro de investigação mais robusto, voltado para estudos e propostas de estratégias de desenvolvimento no longo prazo para o Brasil -  o BNDES é um banco de desenvolvimento, mas, curiosamente, não tem um Departamento de Estudos sobre Desenvolvimento  -, em vez de ficar circunscrita a questões de curto prazo, como o acompanhamento conjuntural da crise, do investimento, da produção industrial, das exportações, das finanças públicas, tal como ocorre hoje. Mas, para isso, é preciso pessoal com vocação para a pesquisa e tempo para a reflexão (não se podem extrair proposições robustas e sérias em pouco tempo de dedicação à pesquisa).  

ii) Propor ao MDIC que o próprio BNDES seja o coordenador geral da PDP (ou então, algum conselho diretamente vinculado ao presidente da República). Da forma como está – com o Ministro do Desenvolvimento sendo o coordenador de jure, mas não de facto –há problemas de coordenação, o que poderá comprometer seriamente os resultados. Isso é extremamente necessário para transformar a PDP em política de Estado (como fez a Colômbia e o Chile), e não de governo.  

e-i)Setores prioritários: Infraestrutura, infraestrutura e infraestrutura (física e social), a meu ver deve se a prioridade das prioridades.  

ii) Setores com maior capacidade de gerar retornos crescentes dinâmicos para a economia (logo, de maior intensidade tecnológica). Mas o risco de fracasso é alto, daí porque é preciso melhorar a institucionalidade da política industrial em curso.  

iii) Integração regional (interna e na América Latina). Com relação a esse ponto, o Brasil precisa ser mais incisivo em definir o quer em termos de integração global, como já fizeram países tão distintos como Chile e Índia. Por enquanto, a meu ver, isso não está claro no Brasil e a política externa (não os fundamentos, mas a execução) caracteriza-se por grande improvisação. Mas acho que está corretíssima a reorientação do atual governo em priorizar a aproximação com os países em desenvolvimento (que possuem estruturas produtivas e níveis de renda per capita mais próximos aos nossos), sem prejuízo da integração multilateral.

Fábio Giambiagi

a) O BNDES vai continuar a ser objeto de pressões no sentido de continuar a atuar com os conceitos de "setores" e "regiões prioritárias".

Cabe ao BNDES procurar responder a essas demandas da forma tecnicamente mais adequada. Isso significa, em termos setoriais, ser capaz de reconhecer a necessidade de mudar em relação ao tipo de atuação tradicional que o Banco teve no passado em apoio a certos setores; e, no caso das regiões, implica fazer um trabalho de proselitismo junto às forças políticas locais, para mostrar que de pouco adiantarão taxas favorecidas se não houver projetos interessantes em condições de serem apoiados.  

b) O BNDES, na próxima década, deveria ser uma instituição menor, em termos de tamanho, em relação ao volume que adquiriu na crise de 2008/2009 e que provavelmente vai se manter em 2010. Uma vez superada a crise, não vejo qual seria a racionalidade econômica para continuarmos a emprestar 3,5% a 4,0% do PIB por ano, em um mercado que esteja se recuperando e com o mercado de capitais voltando a funcionar a pleno vapor.  

c) O BNDES alavancou-se, nas décadas de 1990 e até pouco mais da metade da década atual, com base nos recursos do FAT. Quando essa dinâmica foi alterada pelo início do pagamento dos Depósitos Especiais, o grande protagonista passou a ser o Tesouro Nacional. Na próxima década, o FAT não voltará a ser o que era e o Tesouro não poderá emprestar ao BNDES R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões todos os anos. É exatamente pelo fato de que não vislumbro como o mercado poderá suprir compensatoriamente essa fonte de funding do BNDES, quando o Tesouro diminuir o seu fluxo de empréstimos, que defendo que o BNDES diminua de tamanho em relação ao volume dos desembolsos em 2009/2010.  

d) O BNDES deve incorporar mais e mais à sua forma de agir o fato de que, na próxima década, estará sujeito inicialmente a uma restrição orçamentária importante, uma vez que o Tesouro deixar de financiar a instituição com novos fluxos da dimensão dos atualmente observados; e, em um segundo momento, terá que enfrentar, se não na década de 2010, na de 2020, a intenção do Tesouro de que o BNDES honre as amortizações ou renove a dívida a taxas próximas às de mercado, na época;  

e) A primeira orientação estratégica seria atuar nas áreas em que se constatem externalidades importantes, em setores onde haja casos claros de subinvestimento que justifiquem a presença do BNDES. A segunda, participar de projetos que requeiram engenharia financeira sofisticada, sendo um player que contribua para viabilizar grandes empreendimentos, com presença minoritária em projetos com risco majoritariamente privado. A terceira, ser "o" grande financiador dos projetos privados de apoio às Olimpíadas do Rio de Janeiro, seja em 2016 (se a cidade for escolhida) ou para o "pacote" de grandes investimentos prévios que serão necessários para que o país possa ser sede de um evento olímpico, para os jogos de 2020 ou 2024, cujas sedes serão escolhidas em 2013 e 2017, respectivamente, o que exigiria um expressivo esforço prévio de realização de obras.

Gustavo Galvão


a) A prioridade das aplicações de recursos do BNDES devem ser as mesmas da época de sua criação e que sempre nortearam o BNDES. Elas são a industrialização e a infraestrutura. É exatamente isso que o BNDES está fazendo, especialmente com esse último programa de redução geral de juros para maquinário lançado no final de junho. Ou seja, é tipicamente um programa focado na industrialização. Ao invés de escolher microssetores e conceitos abstratos, essa política é focada nos bens de capital em geral e, portanto, na manufatura e na industrialização. Com relação à industrialização e principalmente a sua dinâmica e seu impacto regional, é preciso entender que existem dois macrossetores industriais: as Indústrias Centrais e as Indústrias Pioneiras. As primeiras são constituídas pela indústria metal-mecânica, química e eletroeletrônica e a segunda pelas indústrias de insumos-básicos (commodities) e as indústrias tradicionais (têxtil, calçados, móveis, alimentos, cerâmica). Nos países desenvolvidos, a maior parte do valor agregado industrial, da massa salarial industrial e mais de 65% das exportações totais estão com as indústrias centrais. No Brasil, as indústrias centrais têm um déficit comercial de aproximadamente 60 bilhões de dólares. O que mostra um baixo grau de industrialização. As indústrias centrais devem ser a prioridade, pois são muito mais importantes. Mas o Brasil, exatamente pelo baixo grau de desenvolvimento, não pode prescindir das exportações e dos empregos gerados pelas indústrias pioneiras, e elas também devem ser apoiadas e modernizadas.

As regiões de menor renda per capita devem ser prioridade, pois vale para elas o mesmo princípio que vale para o Brasil. Os seres humanos em média são iguais em direitos, por isso merecem rendas similares na média entre as regiões. Porém, por questões históricas, externalidades acumuladas e outras razões, há uma grande desigualdade regional que é decorrente de um baixíssimo grau de industrialização nas regiões menos desenvolvidas. Somente muito apoio público pode mudar esse quadro. As regiões de menor renda per capita devem ser prioridade. Não apenas nos incentivos de crédito do BNDES, pois esses não são suficientes. O grande problema das regiões menos desenvolvidas do Brasil, como Norte e Nordeste, é a falta de capital, sem capital não há produção e, portanto, não há renda. Mas vai além, sem capital não há crédito. Pois o capital preexistente é a garantia dos empréstimos do BNDES. Nessa questão, vale o que chamo de “princípio CSN”. Esse princípio diz que o processo de desenvolvimento industrial é descontínuo e possui desafios tecnológicos em etapas. Em países menos desenvolvidos esses desafios muitas vezes são insuperáveis sem o capital público, porque a empresa nacional ou regional não tem capital suficiente para bancar o risco de competir com empresas muito maiores e que já dominam a tecnologia e que estão situadas em regiões ou países mais desenvolvidos. Assim, na falta de capacidade do capital local e da falta de interesse do capital de outras regiões, o governo deve suprir parte do capital necessário para encorajar o empresariado local ou externo a empreender essa mudança de patamar técnico produtivo na região. Baseado nesse princípio, acredito que BNDES precisa suprir as regiões Norte e Nordeste antes de tudo com capital (não majoritário) para investimentos industriais – modelo que altere o patamar técnico-produtivos das regiões.  

b) Deve focar na meta de industrialização e para isso deve fazer o que for necessário e não em modelos apriorísticos importados. Em decorrência do grande atraso industrial, tecnológico e de capital no Brasil, provavelmente o BNDES deve ter um papel de protagonismo, definindo metas de crescimento industrial por setor e região e fomentando e induzindo o setor privado a atingi-las.  

c) Tesouro Nacional acompanhando a demanda. O presidente Luciano Coutinho inovou corretamente. O financiamento externo torna o país dependente e é sujeito a crises cambiais. O setor financeiro nacional nunca conseguiu fazer financiamento de longo prazo. Na há menor chance de que possa garantir minimamente o funding necessário à expansão da demanda por infraestrutura e industrialização que bate à porta do BNDES. O setor privado brasileiro não tem esses recursos e se ousasse financiar a longo prazo um crescimento nacional de 7% ao ano estaria em uma situação Ponzi (quebrado) em poucos anos. Não há nada que mostre que o BNDES não possa captar no Tesouro para financiar o crescimento do investimento, pois não gera inflação porque está financiando o crescimento da oferta e, ainda por cima, esse dinheiro retornará para o Tesouro com o pagamento da dívida. Essa política nem mesmo gera déficit a longo prazo. Completamente sustentável, saudável e, principalmente, desejável.  

d) Além do funding do Tesouro, a principal inovação que o BNDES deve ter é assumir a corresponsabilidade pela industrialização nacional. Deve focar a industrialização com metas para si mesmo, não metas para os processos internos, mas metas de volume de produção e exportação por setor e regiões. Isso é mais ou menos o que se fazia desde as origens do BNDES, em particular no Plano de Metas e no II PND. Isso tornaria a prática do fomento com indução novamente central. O BNDES não pode se acomodar como um banco de balcão ou de negócios.  

e) Vou propor quatro focos: (1) Metas ousadas de Produção em Massa nas Indústrias Centrais, metal-mecânica, eletroeletrônica e química; (2) Industrializar o Nordeste criando lá um pólo com um tamanho, no mínimo, igual ao do estado de São Paulo; (3) Conglomerar as grandes empresas e cooperativas exportadoras de commodities, mas cobrando em troca níveis elevados de processamento industrial de suas matérias-primas através de produção própria e principalmente venda no mercado interno para outros processadores em condições mais favoráveis; (4) ajudar o Brasil a se preparar para as grandes revoluções da próxima década, que se basearão no carro elétrico, na emergência da China e Índia como potências automobilísticas e na forte possibilidade de alto grau de intervencionismo estatal e o alto risco de depressão decorrente da possibilidade de conflito protecionista global. Essas mudanças roem os alicerces de três das quatro apostas de futuro que o Brasil e o BNDES fizeram nos últimos anos e que são: (a) etanol, (b) pré-sal, (c) a cadeia metal-mecânica automobilística e d) as commodities alimentares. Só a última se salva. O carro elétrico não usa etanol, gasolina e diesel. Portanto, acaba com o enorme prêmio que existe na gasolina e no diesel em relação ao carvão, gás natural e o óleo combustível. O carro elétrico e a China acabarão com o potencial exportador da única grande cadeia industrial de alto valor agregado em que o Brasil ainda é competitivo, que é a metal-mecânica focada na automobilística. O Brasil precisa estar na vanguarda do carro elétrico e da célula combustível (que é a única forma de viabilizar o etanol no carro elétrico), caso contrário, será atropelado, mesmo sem forte protecionismo global. Se houver um repique no protecionismo global e aprofundamento da crise, nossas atuais apostas estratégicas vão fazer água. E isso pode acontecer com o crescimento das exportações automobilísticas e de bens de capital da China, que são a base da economia européia. Como a Europa não tem condições políticas para uma forte expansão fiscal, pode reagir de forma protecionista ou fortemente recessiva a essa expansão chinesa e isso terá impacto global.