Editorial

Edição nº1378 – quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O nosso porta-voz

É difícil ter boa vontade com a postura do presidente do BNDES quando se trata de cumprir uma de suas tarefas primordiais: representar a instituição que preside. Sua atuação é frequentemente desastrosa. Mesmo quando a tarefa parece ser fácil.

Última demonstração exemplar desse desempenho sofrível foi dada na resposta à questão do valor gasto na consultoria do escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP. Montezano é incapaz de explicar o mais importante: por que houve a contratação da consultoria? (A primeira ação do Banco foi fazer uma investigação interna que concluiu que não havia nada de errado). Então, quem demandou uma auditoria independente externa? A resposta passa certamente por órgão de controle, o Conselho de Administração e a KPMG.

Talvez o presidente tenha a ilusão de que só deve responder pelas decisões que sua gestão tomou. Está totalmente enganado. Ele responde pelo BNDES. Tem por obrigação entender as decisões tomadas no passado e se posicionar. Não vale esse negócio de "comigo não, tá!".

Resultado: foi criticado por todos os lados na imprensa e perdeu a oportunidade de esclarecer a opinião pública. O presidente diz que é executivo e não político, isso só o desculparia se fizermos uma interpretação muito limitada do papel de executivo. É tarefa de um presidente do BNDES ser porta-voz do Banco. Isso também é ser executivo.

O presidente cresceria se fosse mais humilde e re-conhecesse seus erros. Todos sabem o desafio a que foi submetido. Há uma dose razoável de boa vontade da imprensa em função de sua idade etc. Deveria usar isso a seu favor e voltar a se pronunciar sobre o tema de forma elucidativa.

Infelizmente, não é razoável assumir que as trapalhadas do presidente se devem apenas a sua inexperiência. Como entender que o presidente inclua numa entrevista que deveria ser positiva para o Banco e seus empregados, comentários sobre as dificuldades que um cidadão comum tem para compreender que financiamentos para Cuba e para a aquisição de jatinhos não são ilegais?

Difícil acreditar que estamos lidando apenas com questões de ordem cognitiva, apesar de algumas vezes Montezano parecer dar sinais de que se refere a si mesmo quando fala das dificuldades do cidadão comum. Não há nada de tão complexo. Sugestão: quando falar de financiamento a Cuba, experimente desenvolver um argumento que trate da Comissão Interministerial que concedeu 100% de garantia à operação. Quando falar sobre jatinhos, comece explicando que os jatinhos são da Embraer. Isso está longe de ser tudo, mas muita gente começará a refletir melhor a partir dessas duas informações. E, finalmente, tente explicar a diferença entre política pública incorreta e ilegal. Por mais absurda que tenha sido a política de juros do Banco Central por 20 anos, ela nunca foi alvo de acusações de ilegalidade. Qualquer ação do BNDES no mesmo período é mais facilmente explicável para o cidadão comum do que essa política de juros.

Parte da explicação, como já apontamos, decorre do mandato impossível de Montezano, que demandaria um tanto de mágica para ser cumprido. O presidente precisa atender, de um lado, a combinação de sinceros devaneios conspiratórios do governo com a cínica sede por votos fáceis baseados em desinformação e, de outro lado, lidar com a "realidade" – ou seja: as representações que construímos levando em conta fatos e evidências.

Enquanto Montezano não aceitar que deve se pautar pela segunda alternativa, e insistir em fazer um discurso que tente compatibilizar fantasia e realidade, passará – e, pior, fará o Banco passar – vexame.

Presidente, adoraríamos fazer um editorial festejando suas decisões. Facilite nosso trabalho. Deve ter muita gente dizendo amém no seu entorno. Lembre-se que às vezes os amigos são os críticos…

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Pedido de desculpas aos funcionários do BNDES

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"Caixa-preta" do BNDES: a fake news cai por terra

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Cedae: sabotagem ou sucateamento?

O governador Wilson Witzel disse, na última segunda-feira (20), acreditar que a crise da água distribuída pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio, a Cedae, foi uma “sabotagem”. Segundo ele, a intenção seria “manchar” a imagem da companhia para o leilão de concessão: “Eu desconfio que houve uma sabotagem, exatamente para manchar a gestão eficiente que está sendo feita na Cedae preparando ela para o leilão”. O governador não deu detalhes ou apresentou provas de como teria ocorrido esta suposta sabotagem no processo de tratamento da água. Desde o início do ano, consumidores da capital e de outros seis municípios do Grande Rio têm se queixado do cheiro, do gosto e da coloração barrenta da água.

 Já para o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama-RJ), a situação é fruto do desmonte que a companhia vem enfrentando. “O procedimento mais adequado e democrático com relação a essa questão da água seria a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a Cedae, que verificasse a fundo o que acontece na empresa, que tem passado por um desmonte nos últimos anos”, defende a entidade.

Segundo o Sintsama-RJ, a Cedae realizou um PDV (Programa de Demissão Voluntária) que retirou dos quadros da companhia mais de 1.000 trabalhadores com conhecimento acumulado, sem que houvesse concurso público para substituí-los. “A Cedae tem promovido demissões e perseguições a trabalhadores e dirigentes sindicais, sucateando a empresa visando uma possível privatização dos serviços. Em 2019, demitiu 54 técnicos experientes, a maioria engenheiros, sem qualquer análise de impacto”.

Em março de 2019, buscando reverter essas demissões, o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) solicitou mediação ao Ministério Público do Trabalho (MPT), além de buscar na Justiça a reintegração dos trabalhadores. “O Senge-RJ não abre mão da defesa dos engenheiros da Cedae”, afirmava o presidente do sindicato, Olímpio dos Santos, à época. Segundo ele, estavam “ferindo de morte a inteligência e a qualidade dos serviços que a empresa presta ao consumidor, abrindo mão de pessoas que têm experiência, memória e qualificações estratégicas”.

De acordo com os dirigentes do Sintsama-RJ, o governador Wilson Witzel já disse que pretende vender a empresa para fazer caixa para o estado, “mesmo ela sendo lucrativa e rendendo dividendos para o Rio de Janeiro. Enquanto isso, no mundo, as concessões para a iniciativa privada estão sendo revertidas”.

Queda na qualidade do serviço – Para o Sindicato dos Bancários do Rio, é sempre assim. “Quando um governo quer entregar uma estatal para empresas nacionais ou estrangeiras, antes, começa a demitir, a terceirizar e piorar a manutenção dos equipamentos. Assim, com a queda na qualidade do serviço, justifica a privatização que é um crime contra a população. É o que vem acontecendo com a Cedae”.

“A empresa vem passando por um profundo processo de sucateamento, que teve início em março do ano passado, quando o presidente da estatal, Hélio Cabral, a mando do governador Wilson Witzel, demitiu ilegalmente 54 técnicos, todos com papel importante no funcionamento da empresa. Ou seja, decisões estratégicas para o funcionamento da Cedae estão comprometidas porque técnicos altamente capacitados para tomar medidas rápidas a fim de sanar e até mesmo evitar problemas foram demitidos sumariamente. A crise hídrica que afeta toda a população fluminense poderia ter sido evitada caso o corpo técnico estivesse funcionando plenamente e se a manutenção estivesse sendo feita como mandam os protocolos do setor”, ressalta a nota do Seeb-Rio.