Chegou a nova leva de
aprendizes
Chegou a vez do nosso
ritual
(Renato Russo)
Façamos à moda de um bom
filme: comecemos pelo
fim, e aí, em
flashback, vamos
construindo a história.
Até porque, dessa vez, a
faço em boa parte a
partir da memória e não
da exumação de
apresentações passadas,
dos vídeos dos eventos
como eu fiz com Rabellão.
Talvez porque no caso de
Rabellão fosse divertido
rever vídeo e notas.
Talvez porque o faça em
casa, de férias. Talvez
porque em tempos de caça
às bruxas não vou sair
pedindo os vídeos. Mas a
conclusão a que chego é
que o Calouro ainda é
melhor do que Joaquim.
Bem melhor.
Três eventos envolvendo
o presidente, dois
relacionados ao BNDES
Aberto, outro de fim de
ano. O primeiro, o
anúncio do BNDES Aberto,
alvo de
um editorial do VÍNCULO,
com pelo menos duas
coisas que achei
profundamente
discriminatórias: chamar
os gaúchos de camisa
polo de gerentes (eles
são chefes de dois
departamentos enormes) e
aludir a coaching a
forma empolgada do
presidente. Cara, só
porque ele
frequenta a casa
de uma profissional de
coaching, a esposa do
deputado mais votado do
país – honra que
anteriormente fora,
retrospectivamente, de
Celso Russomano,
Tiririca, Paulo Maluf,
e, maior de todos até
então, Enéas Carneiro –,
não quer dizer que esse
deslumbramento dele
venha daí. Engenharia
e o desmoronamento do
BNDES seria um
título mais adequado a
estes tempos onde os
provedores privados de
ordem e segurança não
conseguem dar
conta
dos movimentos de
resistência dos
materiais, e prédios
construídos sequer sem o
peso da regulação do
Estado
desabam
por si só.
Mas de resto, o
editorial foi muito
preciso quanto ao uso de
palavras como
“empolgado” e
“deslumbramento”. Tem
algo na empolgação do
Gustavo que é ao mesmo
tempo estranho, ao mesmo
tempo familiar. Levei um
certo tempo até
entender. Esses são
atributos de algo que
fomos um dia – calouros
na universidade! Aquele
momento em que tudo é
novo. Aquele momento em
que qualquer ideia que
você tem é radical e
revolucionária. Aquele
momento em que tudo ao
qual você
é
apresentado é essencial,
em que as pessoas que
você conhece são
brilhantes, mesmo seu
colega sentado ao lado.
O calouro é um estado de
inocência/ingenuidade
junto com uma
autoconfiança inerente à
adolescência que
alimenta um grande
potencial de ação e
descoberta.
Problema: as sacadas de
um calouro (e de seus
amigos) em geral são
insights nada
originais. Alguém já
discutiu aquilo, já
afundou ou evoluiu com
aquela ideia, e lá pela
terceira ou quarta
década de vida, a pessoa
negará ou rirá de como
foi no passado. Olhem-se
para
trás e vejam se já não
foram um pouco assim, ou
se conheceram alguém
assim lá pelos 17, 18
anos.
Mas tendo visto mais que
uma apresentação, isso
se torna um elemento
histriônico,
irritante, como se fosse
alguém falando para
crianças. Algo que, em
não parecendo forçado,
se de início parece
fofo, ao longo do tempo
vai se tornando
inapropriado, cômico.
Talvez um tipo de
imaturidade específica
da pessoa que foi
colhida muito cedo para
um determinado campo de
atividades/conhecimento,
ganhando vasta
experiência nele, para
décadas depois ser
jogada em um campo
diferente, campo
anterior ao dessa
trajetória, num processo
de auto renovação
profunda. Vi coisa
semelhante em um ou
outro colega do Banco
fazendo mestrado.
Gustavo parece ser um
cara que pulou rápido de
uma rígida formação de
engenharia para se
tornar um bem-sucedido
praticante da arte de
ganhar dinheiro. E aí
retorna a um civismo do
qual andou meia vida
afastado.
Nesse
sentido, a empolgação
com suas vivências em
primeira pessoa, como se
o Banco não estivesse
atuando na área social,
em saneamento, com o
terceiro setor desde...
na minha experiência
pessoal, governo FHC.
Creio que Gustavo tinha
metade da idade que tem
hoje, talvez menos. Por
exemplo: quando Gustavo
traz um ativista
profissional para fazer
sua pregação (tratarei
dela no próximo artigo)
para uma presença maciça
de jovens terceirizados
e de funcionários do
Banco que estavam ali de
manhã, quase rompendo em
choro ao falar
emocionado sobre o cara,
me recordo da visita de
Netinho duas décadas
atrás. Uma gerente o
recebeu, nem me lembro
se o próprio chefe de
departamento foi. Mas
houve uma fila de mais
de uma centena de
terceirizados pra pegar
autógrafo. Não como
evento do Banco, não no
auditório, mas
auto-organizada, uma
fila no S1 se não me
falha a memória. Netinho
de Paula, de
Carapicuíba, cara
controverso, tocando um
projeto social para sua
comunidade de origem.
Fundo social, Dona Ruth
Cardoso, anos 90.
No
entanto, por mais que
pareça jovem, por mais
que a teia em torno dele
se componha em boa parte
por pessoas que não
chegaram aos “enta”,
recordemos que eles são
balzaquianos. O que quer
dizer que o tempo
schumpeteriano em que
inocência e genialidade
se combinam para
produzir o Grande Condé,
um Zuck, Bonaparte e
seus marechais, Jobs &
Woz, Gates & Allen, esse
tempo já passou para
eles. Aliás, aqui vai um
ponto importante desta
administração, ponto que
sei que desagrada
a
um
monte de colegas: ela
veio de armas e
bagagens, trouxe seus
comissários e
companheiros. A isso
retorno mais
à
frente.
Há
um segundo item que,
sinceramente, depõe
contra. O uso
da palavra
Ricardo Salles ao
comentar uma conversa,
como se envolvesse uma
pessoa com preocupações
razoáveis e normais
(qual seja, dentro da
moda ou da mediana das
opiniões informadas
sobre as questões de
Amazônia e meio ambiente
– experts e não
produtores de conteúdo
viral para
batalhadores e
taxistas) sobre a
questão tratada,
desmonta com toda a boa
intenção que se queira
transmitir. Tipo você
falar das dicas de
mindfulness e manejo
de agressividade que
você pegou numa conversa
com Felipe Melo.
Numa
crítica do Zizek
sobre A vida dos
outros, ele lembra
um trilema (que suponho
deva vir
de muito antes) sobre
como eram as
pessoas no
Leste Europeu sob as
ditaduras. Você podia
ter duas de três
características: ser
honesto e sincero; ser
inteligente e entender o
que acontece; acreditar
no governo e no sistema.
Na
melhor das
interpretações que se
possa ter a respeito,
Ricardo Salles é um
clown fazendo uma
manobra diversionária.
Em sendo parte do
governo,
se é obrigado a
trabalhar com ele, a
obedecer seus eventuais
comandos. Daí a falar
disso com empolgação em
meio a qualquer público,
especialmente em meio a
um público qualificado,
é convidar o descrédito,
contaminar tudo o que
você falou antes com
essa peça de absurdo. Em
suma, embaraçoso.
Nesse
sentido, pequena
digressão: seria
corrupto de minha parte
me deixar furtar a
comentar o grande
twat, perdão tuíte,
dos últimos tempos: o
imprecionante
ministro da educação. Há
quem possa ler
teabonics
– o manejo peculiar da
língua das pessoas muito
à direita e pouco
instruídas nos EUA –
neste incidente.
Erros há ali,
como o uso de você com a
segunda pessoa que
certamente levariam a um
problema numa prova. Mas
prefiro ver um ato falho
de alguém sendo
impreciso, pois boa
pesquisa sobre segurança
pública há neste país.
Apenas ela tem o
problema de não
corroborar as práticas
de violência que o
governo e seus eleitores
pregam – mas além de
português, ciência nunca
costumou ser o forte
dessa turma. Nem
história – e nisso esses
sintomas revelam um
quadro mais fundo do
buraco onde nos
encontramos.
Há outro ponto que me
incomodou nesse
editorial do VÍNCULO: a
frase “a magia de
Montezano é esconder a
absoluta subserviência
em relação ao governo
federal”. Até onde
sei, o BNDES é 100% do
governo federal. Até
onde sei, Bolsonaro,
goste-se ou não dele,
foi eleito – ao
contrário de Temer – e
tem um mandato a exercer
dentro dos limites que a
lei define. E nesses
limites está o Banco.
Montezano pode ter vindo
com pautas que divergem
muito do que o conjunto
dos funcionários do
Banco
acredita. Mas essas são
as pautas do governo
eleito. Em relação a
Levi, ele veio realmente
para ser presidente.
Trouxe uma equipe, que,
venhamos e convenhamos,
não é composta por
inocentes, nepotes ou
idiotas – e já tivemos
deles por cá. São
pessoas inteligentes,
com experiências
profissionais não
relacionadas ao
específico do Banco, mas
que dão sinais de
capacidade de aprender.
A diretoria está
completa e, de alguma
forma, tentando tomar pé
da coisa. Um cara que
não funcionou foi
trocado rapidamente, o
que é um bom sinal.
Portanto, trazer o
Senhor Sinistro para,
entre outras coisas,
apurar os “equívocos” da
era do PT faz parte do
seu mandato. Claro que
isso traz um problema
para a dissonância
cognitiva do antipetismo
de boa parte dos quadros
da instituição, em
especial daquele não
verbalizado dos
apartidários. Deal
with it!, pois seus
sucessos recentes foram
doze anos de
governo
do PT, e quatro de golpe
em seus vários estágios,
da gestação pela
indiferença ativa à
eleição de quem vocês
não esperavam.
Autocrítica que bate em
Chico bate em Francisco.
O
fato do país (e do
Banco) estar parado, sem
perspectivas de
crescimento, não é culpa
deles (ou do Banco), mas
de Paulo Guedes. Este
vendeu a Jair Messias um
peixe que não existia, e
sua hora de fusível a
ser trocado chegará não
tarda. Nesse
sentido, a
desatualização de
Montezano no campo de
economia é uma pena,
pois com sua relação
próxima com aquilo que é
alardeado como núcleo
pensante do governo – os
filhos – ele é um
substituto natural de
Guedes.
Mas voltando ao começo,
é hora de Montezano
concluir a cadeira de
presidência 101, de
começar a sinalizar a
capacidade de entender a
complexidade das coisas
(como Luciano e Rabello
bem faziam), ou
transmitir, para quem o
quiser ouvir, uma
sinceridade cínica e
madura (mesmo que cruel)
sobre seu projeto (como
Maria Silvia).
O primeiro semestre
terminou, os primeiros
trabalhos foram
entregues (o dinheiro
transferido ao Tesouro
por meio de quitação
antecipada e de
dividendos; o plano
trianual; propósitos
claros como saneamento;
sonhos objetivos como o
banco de serviços; o
BNDES Aberto – o BNDES
Arrombado da
desmobilização do
patrimônio acionário que
exerce poder sobre
alguns relevantes
detentores de
quase-rendas ficou de
curse para algum
semestre posterior), e
pelo visto ele não será
reprovado – como seu
antecessor.