Opinião

Edição nº1356 – quinta-feira, 1º de agosto de 2019

Advogados de estatais e o Direito a honorários de sucumbência

Felipe Miranda

Advogado do BNDES; diretor jurídico da AFBNDES.

Os advogados de estatais têm travado uma constante luta em favor de que os honorários de sucumbência sejam-lhes destinados, pois algumas empresas, não se sabe exatamente por qual razão, sonegam tais verbas aos profissionais sob seu jugo.

Dizem alguns, com amparo em jurisprudência açodada e superada do STJ, que "por força do art. 4º da Lei 9.527/97, os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente público, não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade." (AgRg no REsp 1101387/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, publ. DJe 10/09/2010).

O problema é que o mais alto órgão do Judiciário, responsável por pacificar dúvidas sob aplicação de lei federal, não andou bem na análise pura e simples da própria lei.

Explicamos: o citado art. 4° da Lei 9.527/97 prevê que "As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista".

Os dispositivos que seriam diretamente impactados, quais sejam os artigos 18 a 21 da Lei 8.906/94, disciplinam o "Advogado Empregado".

Porém, na prática, o "impacto" intencionado diretamente pelo legislador infraconstitucional é nulo, eis que o art. 23 do EOAB, que disciplina a titularidade dos honorários de sucumbência e encontra-se no Capítulo VI do mesmo Título I (e portanto em nada é atingido pelo art. 4° da Lei n° 9.527/97), é inequívoco em expressar que a sucumbência pertence a todo e qualquer advogado, sem qualquer distinção de sua qualidade de empregado ou não.

Importante sobre o tema é frisar também que os honorários sucumbenciais não constituem patrimônio público a ponto de haver uma transferência sua para o ente estatal onde eventualmente labuta o advogado.

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre esse tema no memorável acórdão proferido no RE 407.908/RJ (1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, publ. DJe 03/06/2011). Sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, reconheceu-se que "Implica violência ao artigo 37, cabeça, da Constituição Federal, a óptica segundo a qual, ante o princípio da moralidade, surge insubsistente acordo homologado em juízo, no qual previsto o direito de profissional da advocacia, detentor de vínculo empregatício com uma das partes, aos honorários advocatícios".

Essa mesma exegese permeia de uma maneira geral a questão do direito aos honorários de sucumbência, pelos procuradores da União, estados, municípios, autarquias e demais entes da administração indireta: quem os paga é a parte contrária e, portanto, não constituem patrimônio público.

Por terem fontes completamente distintas, não têm a mesma natureza jurídica. A remuneração é fixa, certa e invariável, paga pelo ente público empregador como retribuição pecuniária pelo exercício do cargo. A sucumbência decorre da lei processual civil, é eventual, incerta e variável, paga pela parte sucumbente no processo, logo não se insere no conceito de remuneração, e sequer dele se aproxima.

A Lei 8.906/94 dirimiu qualquer dúvida, textualmente, quando estabeleceu aos advogados (sem exceção) a titularidade dos honorários de sucumbência.

Em consulta formulada ao Conselho Federal da OAB, o Órgão Especial reconheceu essa titularidade:

"CONSULTA FORMULADA POR PROCURADOR MUNICIPAL. RELAÇÃO DE EMPREGO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA E HONORÁRIOS DECORRENTES DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. Advogados públicos submetem-se a duplo regime para disciplinar sua atuação: a Lei nº 8.906/94 e, ainda, lei que estabeleça regime próprio no âmbito da administração pública. Como advogados públicos, atuando como representantes de entes públicos, têm direito de perceber honorários de sucumbência ou decorrentes de acordo extrajudiciais." (CFOAB, Órgão Especial, Rec. n°2008.08.02954-05, Rel. Cons. Fed. LUIZ CARLOS LEVENZON (RS), publ. DJ, 08/01/2010, p. 53).

Destacamos que houve a evolução dogmática e legislativa mencionada nos acórdãos do STJ, principalmente da lavra da ministra Eliana Calmon, pela qual "o direito aos honorários de sucumbência, nos primórdios de nossa jurisprudência, pertencia à parte vencedora, que com a honorária recebida atenuava suas despesas com a contratação de advogado. Houve evolução legislativa e jurisprudencial e atualmente os honorários, sejam sucumbenciais ou contratuais, pertencem aos advogados, que em nome próprio podem pleitear a condenação da parte sucumbente..." (REsp 1062091/SP, DJ 21/10/2008).

Não se desconhece que para deixar ainda mais claro o que já era evidente, em vista de eliminar do mundo jurídico a nefasta tentativa de anti-isonomia dentre os advogados, é que se intentou a ADI 3396/2005, que visa declarar a inconstitucionalidade do art. 4º da lei 9.527/97.

Sucede que não há interesse em julgar o tema por parte do STF, até porque a interpretação do alcance legislativo é bem clara e nula de eficácia. Assim é que hoje estatais federais como Caixa Econômica Federal, Correios, Dataprev, Imbel, Serpro, Embrapa, Finep, Eletrobrás e outras regularmente distribuem os honorários entre seus advogados empregados.

Ante ao sucintamente exposto, já é tempo de ser superado o equivocado entendimento jurisprudencial de que a Lei 9.527/97 tivesse afastado a titularidade da sucumbência em favor dos advogados públicos. Por falta completa de efeitos jurídicos válidos, eis que a citada lei refere-se ao Capítulo V do Estatuto da OAB, e o art. 23, que dispõe expressamente que a sucumbência pertence ao advogado (não havendo nesta expressão qualquer distinção de onde este profissional labora), está inserido no Capítulo VI e em nada atingido pela referida lei, menos ainda para uma conclusão completamente distorcida de que se trataria de patrimônio público da entidade, pois absolutamente nenhuma circunstância fática ou jurídica conduziria a tal conclusão.

 

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