Editorial

Edição nº1356 – quinta-feira, 1º de agosto de 2019

Explicando a "caixa-preta" do BNDES: primeiras impressões

Nossas reservas sobre as metas do novo presidente do BNDES já foram apresentadas. Observamos que geravam apreensão mesmo sendo vagas. Avisamos que ficaríamos atentos sobre como tais iniciativas seriam desdobradas. Em resumo, demos ao presidente o benefício da dúvida – evitamos uma condenação de partida das propostas, e revelamos nossas dúvidas.

Nas palavras do próprio presidente Montezano, das cinco metas a prioritária seria a "explicação da ‘caixa-preta’". Já temos uma sinalização mais concreta do que isso significa. O presidente divulgou um vídeo com o senador Álvaro Dias. O senador é um político, dentre outros, que resolveu transformar seus ataques ao BNDES no Senado em plataforma de campanha eleitoral. Posicionou-se como um cruzado contra o suposto uso do BNDES pelo PT para fins não republicanos. Não surpreende que, na caça pela origem da aplicação do termo "caixa-preta" em relação ao Banco, o senador tenha sido localizado.

Alguns acharam engenhosa a estratégia do presidente de alterar a "narrativa" do "abrir" para o "explicar" a tal "caixa-preta". Para quem está disposto a dar um voto de confiança no compromisso do novo presidente com a instituição, a conversa com o senador sugere mais ingenuidade do que engenhosidade da sua parte. Existirão os que vão observar que ingênuos são os que deram o voto de confiança... Tudo bem.

O discurso do senador é de um populismo conservador a toda prova. Show de demonstração de absoluto desconhecimento econômico. Cheio de ilações grosseiras sobre decisões relativas ao BNDES. Álvaro Dias simplesmente não sabe do que está falando e é difícil acreditar que ele dê qualquer importância a isso. Ao sentar ao lado do senador e ouvir seu discurso, que contribuição dá o presidente Montezano para explicar a "caixa-preta"? O que o presidente tinha obrigação de fazer era explicar as grosseiras fantasias de Álvaro Dias. Ao escutá-lo sem contestar, o presidente presta o desserviço de dar alguma credibilidade às tolices ditas pelo senador. Elas não passam em nenhuma checagem básica de fatos. Situação constrangedora passa também nosso colega – deve-se dizer, de reconhecida competência – Bruno Aranha, que mais do que o presidente certamente está ciente do caráter leviano das acusações do senador.

A história contada por Álvaro Dias é simples e se há algo em sua defesa é que ela é parcialmente baseada no trabalho do Ministério Público Federal sobre a operação Bullish, e está centrada na alteração do Estatuto do BNDES para viabilizar o apoio às compras de frigoríficos no exterior pela JBS. Recomendamos que todos assistam ao vídeo com a palestra do advogado Rafael Borges, disponível no canal da AFBNDES no YouTube, com um comentário indignado sobre a alegação de que a mudança do Estatuto envolveria uma "fraude". Não é necessária formação em Direito para acompanhar o raciocínio e a indignação de Borges com a evidente ignorância jurídica demonstrada pelo MPF.

O centro da narrativa do senador, manifestada em discurso de maio de 2017, é que a "sutil" mudança do Estatuto do Banco revela que as operações de aquisição de empresas pela JBS e as operações de exportação de serviços de engenharia eram parte de um grande esquema de corrupção. Seriam evidências de que houve planejamento nessa corrupção. A seguir, o show de erros do senador:

1. Assume que a aquisição de empresas no exterior só beneficia os Estados Unidos e não o Brasil. Será que o senador conversou com algum economista sobre isso? Perguntamos ao presidente Montezano: o senhor não poderia explicar ao senador que a aquisição das empresas era importante para garantir a entrada da carne brasileira nos Estados Unidos? Que o aumento de exportações é fundamental a qualquer economia e mais ainda para uma economia em desenvolvimento como a brasileira? Em resumo, sim, o aumento de exportações que efetivamente ocorreu gerou benefícios para o Brasil.

2. Trata uma mudança no Estatuto do BNDES, aprovada no Congresso, como um procedimento secreto ou fraudulento.

3. Relaciona, incorretamente, as alterações do Estatuto às operações de apoio à exportação de bens e serviços de engenharia que o Banco executa há mais de 20 anos. Vale repetir: as operações de comércio exterior não necessitavam de qualquer alteração no Estatuto.

4. Sugere que as fontes de financiamento do BNDES foram todas ou em grande parte canalizadas para operações como a da JBS ou de exportação de serviços de engenharia. Essas operações formaram pequena parte dos desembolsos do BNDES. Levianamente, o senador supõe que o Banco não apoia operações de MPMEs, o que é igualmente equivocado.

5. Associa os aportes do Tesouro ao BNDES à crise fiscal brasileira. Essa hipótese, que conta com a anuência de vários economistas liberais, é completamente destituída de análise mais profunda. Ignora-se por completo que o custo fiscal associado ao subsídio do BNDES, como quer que se queira defini-lo, tem como contrapartida uma série de benefícios fiscais. O mais óbvios são os tributos e lucros distribuídos pelo BNDES ao governo federal. Por exemplo, no período 2007 a 2016 tributos e dividendos somaram mais que a metade do valor de subsídios. Considerando os impostos induzidos pela operação do BNDES, mesmo sob hipóteses muito conservadoras, é muito difícil encontrar um resultado fiscal negativo para o Banco.

6. As delações premiadas das empresas de construção civil, que segundo o senador acabariam com a República, não apontaram envolvimento de nenhum funcionário do BNDES em supostos esquemas de corrupção.

Os pontos acima estão longe de esgotar todas as correções que seriam necessárias ao discurso de Álvaro Dias.

Se o presidente Montezano quer conversar com críticos do BNDES que adotam argumentos do mesmo nível do senador Álvaro Dias como parte de um esforço para "explicar" a "caixa-preta" da instituição, deveria estar preparado para explicar o nonsense das afirmações de seus interlocutores. Caso contrário, o efeito de suas entrevistas será obviamente o de dar credibilidade ao que deveria ser denunciado.

No nosso entendimento, não é necessária nenhuma grande revolução no tema da "caixa-preta". O Banco precisa manter a linha de esclarecimentos à sociedade. Buscar diálogo com analistas sérios. Existem vários com diferentes visões de economia. E deixar este tema desaparecer no lixo da história.

 

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Juiz ainda não julgou pedido de liminar na ação da CGPAR

Como já noticiado aqui no VÍNCULO, as Associações de Funcionários do Sistema BNDES e a APA ingressaram com ação judicial em 3 de julho objetivando a anulação da Resolução nº 23 da CGPAR, que afeta os planos de saúde das estatais federais.

O processo foi distribuído à 21ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. Antes de apreciar o pedido de liminar formulado pelas Associações, o juiz federal substituto Rolando Valcir Spanholo decidiu abrir prazo para que a União se manifestasse sobre o mesmo. Na última segunda-feira (29), a União protocolou petição defendendo a legalidade da Resolução. Imediatamente, as Associações refutaram tais argumentos, reiterando a importância da concessão da referida liminar. O processo já se encontra com o juiz, que deverá proferir sua decisão nos próximos dias.

As Associações são representadas, no processo, pelo escritório de advocacia Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que também conduz a ação judicial de funcionários e aposentados do Banco do Brasil.