Como construir o Novo BNDES: relacionamento com estados e municípios

Marco Aurélio Cabral Pinto

Engenheiro no BNDES e professor da UFF

Desde o fim do longo ciclo 2003-2014 (medido entre alternâncias de poder), durante o qual o BNDES assumiu protagonismo na implementação de políticas públicas, o Banco tem procurado se ajustar a novo posicionamento estratégico.

Claramente, a infraestrutura tem sido caminho importante na travessia pós-2014. Muito tem sido realizado em consequência da aproximação do BNDES com núcleos gestores em Brasília. Talvez o melhor exemplo tenha sido o conjunto de aprimoramentos alcançado no binômio licitação/financiamento de projetos no âmbito do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos). A articulação do BNDES com o governo federal tem se estreitado com cessão aos ministérios de funcionários para desenvolvimento de projetos.

No entanto, há um conjunto de problemas brasileiros que se desenvolve sob a responsabilidade dos estados e municípios. Há questões pendentes que exigem coordenação federal, tais como a gestão das águas e dos esgotos. Questões relacionadas ao financiamento de consórcios de municípios, entre outras.

O presente artigo é dedicado a defender atuação prioritária do BNDES junto aos entes subnacionais – estados e municípios. Para isso, argumenta-se que o BNDES pode ser importante na implementação de acordos entre União e estados, que envolvam financiamento, investimentos em concessões/PPPs e/ou processos de desestatização.

Acordos entre Tesouro e estados

Durante a década de 90, foi criado o PAF (Programa de Ajuste Fiscal), reeditado em 2015/16. O PAF permitiu ao governo federal apoiar financeiramente os estados, com emprego de recursos do BNDES durante os anos subsequentes à crise financeira de 2008. Após 2013, contudo, com a piora da situação fiscal dos estados, os limites de crédito concedidos pelo Tesouro caíram até cerca de R$ 300 milhões (2015). Com a Lei Complementar 156/16, voltou-se a ampliar o limite de crédito para os estados, alcançando-se R$ 5,7 bilhões em 2016 e R$ 9,8 bilhões em 2017.

Entende-se que o BNDES pode se aproximar de estados e municípios que se apresentem voluntariamente para acordos com a União. O mais rapidamente possível e, subordinado a uma lógica federativa, o BNDES pode ajudar os entes a se anteciparem no desenho de soluções integradas para investimentos público-privados em infraestrutura. Não será necessário contratar qualquer consultoria, dado que há colegas que possuem competências setoriais/territoriais estabelecidas.

Desenvolvimento de relacionamento com entes subnacionais

Durante os últimos anos, houve grande resistência no BNDES quanto ao relacionamento bancário com entes subnacionais. Mesmo PMAT e PMAE, desenhados como instrumentos para melhorar o resultado fiscal, foram na prática descartados. Já os empréstimos realizados aos estados (PEFs, BNDES Estados e Proinvest) foram construídos em ambientes com dificuldades jurídicas e processuais. Quando a atitude defendida à época era a de cooperação do BNDES junto aos entes, na orientação para criação de estruturas locais para formulação e gestão dos projetos (como o ocorrido no Maranhão). Estes escritórios seriam a contraparte do BNDES no processo de desenvolvimento de relacionamento.

Como parte dos projetos de infraestrutura, os financiamentos e subscrições com apoio do BNDES são elaborados em detalhe contratual. Necessitam de cláusulas e métricas objetivas para as quais as estruturas nos estados nem sempre estão aptas a responder. Poucos estados possuem equipes dedicadas ao planejamento, preparação e gestão de projetos.

Da mesma maneira, a atração de investimentos privados depende de aconselhamento financeiro prévio, como no caso de concessões/PPPs e de planos de reestruturação em empresas em processo de abertura de capital/desestatização. Deve-se adequá-las progressivamente aos requisitos exigidos para acesso aos mercados de capitais.

Nos próximos meses os governadores estarão dedicados ao desenvolvimento dos Planos Plurianuais (PPAs) para o quadriênio 2020-2023. Além disso, possuem desafios de gestão relacionados ao Plano de Equilíbrio Fiscal, modernização digital, melhoria de ambientes de negócios, entre outros. Esta parece ocasião propícia para que o BNDES dedique recursos humanos para apoio aos estados.

Na medida em que o planejamento dos entes subnacionais contemple ações consequentes para equacionamento da situação fiscal/investimentos, a negociação com a União poderá ser encaminhada em bases realistas e críveis. No momento de negociação com a União, os estados já estarão em processo de preparação para a atração de capital privado. Se anteciparão no que se refere a procedimentos, medidas legais, estrutura etc. O BNDES pode apoiar este processo de preparação.

Para se fazer importante, parece necessário que o BNDES adéque sua estrutura organizacional de maneira a priorizar o relacionamento com os entes subnacionais. Considera-se importante que o Banco disponha de equipes coordenadas e dedicadas, com conhecimento acumulado (inteligência de mercado) sobre cada unidade da federação, agrupadas por regiões.

Lembra-se que o relacionamento com os entes hoje envolve múltiplos interlocutores internos, organizados por produtos e não por territórios. Com isso, dificultou-se a coordenação das ações.

Entende-se que as equipes designadas devem se integrar às equipes locais (governadores e secretarias), com participação ativa na sugestão de aprimoramentos, no acompanhamento das ações. Trata-se de apoio gerencial, voltado para a preparação de investimentos privados em bases aceitas por entidades bancárias.

O processo de planejamento público pode ainda ser enriquecido com a participação de prefeitos (saneamento básico, iluminação pública, resíduos sólidos etc.), através de convocação por governadores e adesão voluntária a processo de planejamento, com assessoria do Banco. O BNDES pode ajudar na articulação entre prefeituras e estados, na medida em que possui instrumentos para atuação coordenada. Com instrumentos atualmente disponíveis no BNDES, já é possível financiarem-se projetos para aumento de receitas e redução de despesas públicas. Da mesma maneira, há no BNDES experiência comprovada na preparação de empresas e concessões para acesso a mercados de capitais.

Em síntese, a reconstrução do pacto federativo em ambiente de atração de capitais privados pode ser facilitada mediante ação prévia e continuada, institucional e bancária do BNDES junto a estados e municípios. Na condição de assessor financeiro de alto nível do governo federal, o BNDES pode ajudar na implementação de acordos com a União. Pode ainda coordenar processo de planejamento que envolva os municípios e os estados.

 

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