Grade: F (parte 3)

Paulo Moreira Franco (*)

 

Aqui, São Barrabás,
Perco a razão e o pé,
Tendo chegado até
Aqui: "Não roubarás."(AD AUGUSTUM PER ANGUSTA – Augusto de Campos)

"O meu nome é Jair Messias. Eu falo as coisas como se estivesse lendo ou decorado." Este é o início da impagável imitação de Marcelo Adnet, uma das melhores peças de humor produzidas nesta campanha. Num mundo em que as pessoas se acostumaram ao lo-fi do youtube (o contrário dos comerciais bem produzidos do que foi a surpreendente campanha de Collor três décadas atrás), o candidato precário e desconfortável no papel, com seu sorriso forçado, triunfou sobre a restante, óbvia direita (para a estupefação centrista do Lévy). "Minha proposta é clara: eu vou mudar isso daí, tá ok?"

"Sou capitão da reserva. Sou honesto". Em Jair não há só essa precariedade: há assunção de que pouco entende de assuntos como, por exemplo, economia. Essa decência de reconhecer em público suas deficiências, uma virtude que carece ao arrogante quarteto de (ex-)tucanos campeões em tudo que debateram com ele antes da facada, o tornou humano, próximo. O próximo presidente.

Mas isso é só mais um começo da história de um país repetente.

F for Fairies

"A seita é a receita"
Disse o sheik Jurandhyr

O Arthur costuma zoar com minhas previsões, com a certeza com que as afirmo. Por exemplo, eu tinha certeza que Temer não durava um ano. E quando vieram as gravações dos irmãos açougueiros e todo afã da Globo para derrubá-lo... bem, o cenário estava certo (um deus ex machina que levaria à renúncia). Mas do outro lado havia um xará, e havia Temer, e mais algumas pessoas que andariam frequentando o noticiário de degradação do mundo político, levando em parte a esse cisne verde-oliva que atravessaremos.

"The only function of economic forecasting is to make astrology look respectable", dizia John Kenneth Galbraith. Há muito abjurei da precisa matemática das previsões econômicas (confesso vez por outra umas contas de padaria – coisa de português – tipo uma em que desesperadamente Antônio José e eu concluímos no início de 2015 que haveria uma contração de 3-4% do PIB se nada fosse feito – e nada foi feito!). De astrologia conheço menos ainda. Mas não é nos cânones estritos da economia e da astrologia a viagem à qual vos convido.

No capítulo final de uma interessantíssima série de quatro posts (The Kek Wars), no seu blog atual, o arcidruida John Michael Greer faz uma interessante observação sob um prisma junguiano:

"To most spiritual traditions, and to Native American traditions even more than most, specific places on the land have their own unique spiritual properties and powers, which are not dependent on the people who happen to live there."

Greer identifica a figura do Changer (o Coiote) como um desses arquétipos operando na América do Norte. E aí eu me pergunto: qual o arquétipo brasileiro, qual operaria neste vasto território entre os Andes e o Atlântico?

Apelo para os universitários – no caso, uma amiga psicóloga que um dia foi expert em xamanismo (hoje ela transita por outras praias espirituais).

V: Macunaíma.

P: não, isso é uma construção rabelaisiana, erudita.

V: tem Tupã, o grande barulho que cria as coisas.

P: hum, tem mais algum mito?

V: bem tem a Terra sem Males... uma velhinha sonha que a Terra sem Males fica 50 Km pra dentro, depois daquele morro, e a tribo larga tudo e vai pra lá...

Meus Deuses, a terra sem mal dos guaranis!

Segundo Hélène Clastres, "A terra sem males é esse lugar privilegiado, indestrutível, onde a terra produz por si mesma os seus frutos e não há morte." Uma bela explicação do profetismo e das migrações guaranis. Há quem conteste a validade dessa explicação, mas não estou aqui em busca de precisão antropológica. Até porque arquétipos são conceitos, e, como diz McKenzie Wark, "A good fact is mostly true, about something in particular. A good concept is slightly true, about a lot of things".

Então vamos à minha hipótese: nesta terra de canibais (em reverência a Mário e seus amigos) somos temporariamente possuídos por um desejo de jogar tudo para o ar e migrar para um lugar simbólico onde tudo será perfeito, onde os erros não mais serão concertados, mas consertados, e o mundo será limpo e justo. As três UDNs: a de Porre, a Trincada, e esta sob Roid Rage em vias de assumir. Jânio com sua vassoura, Collor com seus marajás, e agora Jair Messias... Porque de Jânio dizia Tutu haver numa conta suíça; de Collor, bem todo mundo aqui é velho o bastante para conhecer a história, se bem que agora acabaram as carroças, não é mais Elba mas Lambo; e hoje, nem posse houve, já se pode perceber que em todo o baixo clero, sejam os reeleitos, seja o Eleito e seus filhos, habita um Severino Cavalcanti.

Mas há algo além de uma insanidade arquetípica travestida de hipocrisia moralista: Saturno. Curiosamente, esse três foram os momentos de eleição presidencial com Saturno passando por Capricórnio. No anterior a eles tivemos São Paulo forçando a barra e Júlio Prestes – que nem chegou a assumir. Esse é um assunto que espero ver um dia um astrólogo tratar decentemente.

Mas voltando à economia (e seus mitos), embora superstições como a confidence fairy sejam correntes na análise econômica praticada nesta terra, há uma variante aqui muito particular e que, aparentemente, pode nos (a nós, economistas) colocar como caraís profetizando a Terra sem Mal. O "dever de casa" do Guedes, o contínuo discurso dos (ex-)tucanos de que bastam algumas reformas e a economia brasileira correrá em rios de leite e mel movidos a investimento externo – algo que os antropólogos chamam de cargo cult.

E por aqui creio que cesso esta série, com um pedaço do mesmo Campos, sabe-se lá se profético:

Mas a Solange eu lego
Meu coração ex corde.
_____________________

(*) Paulo de Angorô (e não Angorá) é economista.

 

Opinião

Os valores do BNDES, por José Eduardo Pessoa de Andrade

Opinião

CHARGE/NELSON TUCCI

Acontece

EDITORIAL
O que esperamos da próxima gestão do BNDES

Acontece

Sindicatos protestam contra venda da Embraer

Acontece

A política econômica do governo Temer

Acontece

Lançamento de "Sobre a Guerra" no canal da AF no YouTube

 

COLABORAÇÕES

Colaborações podem ser enviadas para a redação do VÍNCULO - Av. República do Chile 100, sobreloja/ mezanino, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20139-900 - ou através do e-mail vinculo@afbndes.org.br. As opiniões emitidas nos artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da AFBNDES e do BNDES.